Associação de Direito de Família e das Sucessões

MADRASTAS E PADRASTOS NO REGISTRO DE NASCIMENTO DE UMA CRIANÇA

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), neste mês de novembro, por meio do Provimento n. 63, resolveu autorizar que do registro de nascimento de uma criança constem os nomes da mãe e do pai socioafetivos, por meio de reconhecimento voluntário a ser realizado diretamente perante o Cartório de Registro Civil do “filho”.
Desse modo, a madrasta e o padrasto poderão constar, respectivamente, como mãe e pai socioafetivos.
A nova regra diz que isto não significa que a criança terá 2 mães ou 2 pais.
Mas, data vênia, não é bem assim, porque diante do acórdão do Supremo Tribunal Federal, que em setembro de 2016 julgou tema de repercussão geral, o qual, portanto, aplica-se a todos os casos e não só ao que no Recurso Extraordinário de repercussão geral n. 898.060 estava em julgamento, a relação socioafetiva gera os mesmos efeitos da biológica, durante a vida e sucessórios, cabendo a multiplicidade de vínculos parentais, ou seja, o reconhecimento concomitante da paternidade e da maternidade biológica e socioafetiva.
Note-se que uma madrasta ou um padrasto, se seus nomes constarem do registro de nascimento do enteado como mãe ou pai, terão o dever de sustentar o enteado, o direito de compartilhar as decisões em sua formação com pai ou a mãe da criança, e até mesmo de pleitear sua guarda em caso de desfazimento da relação que os unia aos genitores dessa criança.
E esse registro sequer passará por um processo judicial ou seja, pelo crivo do Poder Judiciário, porque a nova norma do CNJ determina que o pedido do registro seja realizado diretamente junto ao Cartório de Registro Civil.
Ainda, segundo o CNJ o registro será irrevogável, a não ser que tenha havido vício de vontade, fraude ou simulação.
Imaginem a seguinte situação: um padrasto, com o consentimento da mãe da criança, já que tudo é lindo naquele momento das novas relações afetivas que obnubilam a razão resolve declarar perante o Cartório de Registro Civil que é seu pai socioafetivo, posteriormente a relação entre o padrasto e a mãe da criança se desfaz. Aquele padrasto jamais se desvinculará do filho que não é seu, tendo o dever de pagar-lhe pensão alimentícia, assim como de exigir que o enteado (ex e eterno filho socioafetivo) sustente-o quando for maior de idade. E mais do que isto, terá o direito de participar de sua educação, como se fosse pai, portanto, em concorrência com a mãe, mesmo que esteja separado dela.
Quando a mãe se der conta do que fez, que tem um homem, desvinculado dela, que quer e pode interferir na educação de seu filho, será tarde.
Esse filho, com o tal registro do nome do ex e eterno pai advindo de uma socioafetividade que não mais existe, também será seu herdeiro. Note-se que a recíproca é verdadeira.
Onde se pretende chegar?
As consequências dessas modificações registrais serão sofridas no decorrer de toda uma vida de um ser humano que sequer teve o direito de se manifestar se o registro ocorrer antes de seus 12 anos. Aliás, mesmo que colhida a manifestação se o filho já tivesse 12 anos, como manda o CNJ, ao que tudo indica, não teria discernimento para dizer que não seria sua vontade ter aquele homem como pai.
Vivemos grave crise no direito de família. Um ordenamento jurídico, como o próprio nome diz deveria existir para ordenar, organizar, dar estabilidade e segurança às relações jurídicas e não para desordenar, desorganizar, desestabilizar e tornar inseguras as relações entre as pessoas.
E o que é mais grave: a socioafetividade surgiu no Brasil em relação ao filho que não tinha o pai biológico no registro, surgiu em razão da substituição ao pai verdadeiro, quando era efetivamente criado e educado como se fosse filho do companheiro ou cônjuge da sua mãe, tudo a ser demonstrado perante o Poder Judiciário. Situação esta diferente daquela que se apresenta na nova norma do CNJ, em que o processo passa a ter cunho administrativo e facilitado perante o Cartório de Registro Civil, em que a presença do advogado é também dispensada, ou seja, daquele profissional que poderia devidamente orientar os postulantes da paternidade ou da maternidade sociafetiva sobre as consequências desse reconhecimento.
E retomando o acórdão do Supremo Tribunal Federal, nada impedirá que um filho com a paternidade socioafetiva reconhecida venha a pretender o reconhecimento também da paternidade de seu pai biológico, caso em que haverá a multiparentalidade.
O Brasil está se voltando cada vez mais aos ineditismos em regramentos que não existem em outros países.
Seria o Brasil o único país que estaria a regulamentar corretamente as relações entre padrastos, madrastas e enteados?
Fica aqui a dúvida!
Regina Beatriz Tavares da Silva. Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.

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