Associação de Direito de Família e das Sucessões

PENSÃO ALIMENTÍCIA NO BRASIL: UM EXEMPLO DE BOM TRABALHO DOS NOSSOS TRIBUNAIS

Na semana passada, escrevi sobre as novas feições da pensão alimentícia no Brasil, que, por força da atuação dos Tribunais, vem deixando de ser um benefício vitalício às pessoas casadas, ou que foram casadas, ou que viveram em união estável, com status de salário ou, até mesmo, de aposentadoria, para se tornar uma renda transitória destinada a prover as necessidades do alimentando ou alimentanda por certo período de tempo razoável a que o alimentando se insira ou reinsira no mercado de trabalho, desde que isto lhe seja possível, e tenha, dessa forma, condições de prover o próprio sustento.
Reconheço que talvez seja inevitável que a notícia do novo caráter transitório da pensão alimentícia cause certo estranhamento, quando não uma franca preocupação, a de que a pensão, ao ser fixada desde logo com termo final, estaria perdendo pelas mãos do Poder Judiciário a sua essência, a sua função primordial de garantir a subsistência de quem não tem condições de fazê-lo por si mesmo (costumo falar em mulheres como alimentandas quando o assunto é pensão alimentícia pois a esmagadora maioria dos casos concretos tem a mulher como beneficiária da pensão).
Procurei desfazer o estranhamento provocado pela transitoriedade da pensão alimentícia explicando como este novo aspecto que lhe têm atribuído os Tribunais é absolutamente adequado aos tempos modernos, na medida em que atualiza o instituto da pensão alimentícia à nova realidade socioeconômica brasileira sem extrapolar ou contrariar – e isto é fundamental – os dispositivos legais que regulam a matéria. Expliquei também como a transitoriedade dos alimentos atua de maneira a concretizar no âmbito do Direito de Família princípios jurídicos dos mais importantes como a igualdade, a solidariedade, o valor social do trabalho e da livre iniciativa individual.
E, ainda, deixei claro que não são todos os casos que estão adequados à fixação de pensão alimentícia provisória, havendo hipóteses em que a pensão alimentícia é estipulada por prazo indeterminado. Além disso, esclareci que o prazo da pensão alimentícia, quando é transitória, deve atender ao caso concreto, não se podendo dizer que sempre será de um ano ou de dois anos ou de mais tempo, tudo a depender das condições de reinserção do beneficiário no mercado de trabalho.
Hoje quero mostrar como a preocupação de que a pensão alimentícia esteja sendo desvirtuada pelo Judiciário não corresponde à realidade. Ao contrário, a pensão alimentícia vem recebendo a justa atenção e proteção dos nossos Juízes.
Exemplo claro do que me refiro é o reconhecimento, hoje consolidado, da incidência da pensão alimentícia sobre tudo aquilo que possa ser caracterizado como remuneração regular do alimentante. Isso no final das contas faz diferença substancial para o alimentado, e não é difícil entender o porquê.
A técnica padrão utilizada pelo Judiciário na hora de fixar o valor da pensão alimentícia, depois de levado devidamente em conta o conhecido binômio “necessidade/possibilidade” – as necessidades do alimentando, e as possibilidades do alimentante -, consiste em estabelecer um certo percentual para incidir sobre a remuneração líquida do alimentante, caso ele tenha em seu exercício profissional vínculo empregatício. A partir desta operação matemática chega-se ao quantum líquido da pensão alimentícia.
Tal percentual não está previamente tabelado como, por exemplo, as alíquotas do imposto de renda; ele pode variar de acordo com as circunstâncias concretas verificadas em cada caso que se apresente diante do Juiz. Entretanto, a prática jurisprudencial (decisões judiciais reiteradas e similares) tem consolidado o percentual de 33% como referência no arbitramento de pensões alimentícias para esposa e filhos, e de 20% quando se trata de uma mulher sem filhos.
A chamada base de cálculo da pensão, isto é, os rendimentos do alimentante sobre os quais incidem os percentuais fixados, são alargados pelo entendimento jurisprudencial, para incluir todos os proventos recebidos pelo alimentante, desde que tenham natureza empregatícia e remuneratória.
Dessa forma, além dos proventos auferidos a título de salário regular, outros rendimentos obtidos pelo alimentante passaram, por força de decisões judiciais, a integrar a base de cálculo da pensão alimentícia. É o caso das horas-extras, do décimo terceiro, do adicional de férias e das participações nos lucros da empresa em que trabalha e a que tenha direito o alimentante, para citar apenas alguns exemplos.
Com o entendimento atual dos Tribunais, no entanto, não são consideradas como base de cálculo as bonificações pelo alcance de metas e os ganhos de natureza indenizatória ou compensatória do alimentante (FGTS, ou indenização por danos materiais ou morais, por exemplo).
Enfatizo que esses critérios refletem o trabalho sistemático da nossa jurisprudência no sentido de tornar a pensão alimentícia um instituto justo e fiel a seus propósitos. E a própria transitoriedade dos alimentos não é, pois, uma incoerência ou um desvio de rota; é, isto sim, um fruto – menos óbvio, talvez, mas igualmente importante – deste trabalho de aperfeiçoamento da pensão alimentícia em que se lançaram os Tribunais.
Trabalho meditado e responsável, diga-se, durante o qual os Tribunais operaram dentro dos limites interpretativos traçados pela lei, aparando suas arestas e preenchendo as lacunas, jamais alterando o seu sentido básico ou os seus comandos fundamentais.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.

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