Associação de Direito de Família e das Sucessões

MATERNIDADE E DIREITO

Por Dra. Ana Claudia Brandão, Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da ADFAS, publicado originalmente na coluna Direito & Saúde, no jornal Folha de Pernambuco.

Queridos leitores, na semana em que vamos comemorar o dia das mães, podemos perguntaro que é ser mãe? Mãe biológica, adotiva ou afetiva? Há diferenças entre elas em direitos e obrigações?

Essa é uma questão que pode gerar muitas dúvidas e conflitos familiares. Afinal, o que define uma mãe? É o laço sanguíneo? O processo legal de adoção? Ou é o amor e o cuidado que uma pessoa dedica a uma criança? Vamos explorar cada uma dessas possibilidades e entender melhor suas implicações.

Mãe biológica 
A mãe biológica é aquela que tem identificação genética com o filho, a que teve o óvulo fecundado. Atualmente,  diante da possibilidade da cessão de útero, técnica utilizada na reprodução humana assistida, nem sempre a mulher que  tem o parto é a mãe biológica. A cedente do útero, por exemplo, normalmente não é a mãe biológica , tendo cedido apenas sua barriga para que outra pessoa concretize o projeto parental. Na prática, podemos ter uma mulher grávida (cedente de útero, gestante), a doadora de óvulo (mãe biológica) e uma terceira mulher (mãe legal), “encomendante” , que será a mãe para efeitos legais, mediante assinatura de termo de consentimento em clínica de reprodução.

Mãe adotiva
A mãe adotiva é aquela que requer judicialmente a adoção. Ela se torna responsável legalmente pelo bem-estar da criança e assume os direitos e deveres inerentes à maternidade. A adoção rompe os laços de forma definitiva com a família biológica, cessando qualquer parentesco entre eles. Interessante lembrar que o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente garante a entrega voluntária da criança para adoção, quando do seu nascimento, para justamente evitar que a criança seja abandonada com risco para a sua sobrevivência, reconhecendo o direito à mulher de não querer exercer a maternidade. 

Mãe afetiva
A mãe afetiva é aquela que cuida e ama a criança e que se apresenta como mãe, assumindo direitos e obrigações decorrentes da maternidade, mesmo que não tenha um laço sanguíneo ou legal com ela. A socioafetividade é critério de maternidade reconhecido pelo STF com igualdade em relação ao critério biológico. O vínculo socioafetivo pode ser reconhecido diretamente em cartório após os 12 anos de idade. Antes disso, é necessário se socorrer da via judicial.

Não podem deixar de ser citados casos de inseminação caseira, em que mulheres homossexuais se socorrem de doadores de semen para uma delas se auto inseminar e gerar um filho, sendo a parceira a mãe adotiva ou afetiva, já que não tem vínculo biológico com a criança assim gerada. Nesses casos, é necessário buscar o judiciário para legalizar a dupla maternidade.

Embora os conceitos pareçam simples, na prática, dúvidas sobre a maternidade podem surgir. No caso da cessão de útero, a gestante pode se arrepender e não querer entregar a criança? Quem terá direito à licença maternidade? A gestante ou a encomendante? As operadoras de saúde devem cobrir os custos da gestante substituta? E no caso da afetividade e da adoção? Essas mães têm os mesmos direitos daquela que pariu? Casos como esses tramitam nos tribunais brasileiros.

No caso da cessão de útero, não há norma jurídica regulamentando a questão, nem sequer presunção de maternidade prevista no Código Civil. A questão se resolve à luz da norma ética doConselho Federal de Medicina (Resolução 2320/2022) que prevê as condições do ajuste de quem cede o útero (só pode ser parente até o 4º grau, salvo análise dos conselhos regionais) e, conforme o Provimento nº 63/2017 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que elenca os documentos necessários ao registro civil da criança assim nascida, para afastar a maternidade da gestante, já que a regra geral é a de que a parturiente é mãe.

No tocante à adoção, ela é irrevogável, tendo a criança ao completar 18 anos, acesso aos dados da  sua família biológica , apenas para fins de conhecimento da sua origem, mas nunca para revogar a maternidade estabelecida pela adoção.

Da mesma forma, a maternidade afetiva não pode ser revogada, uma vez reconhecida. Ainda existe a possibilidade de a criança ter mais de uma mãe afetiva no seu registro, já que o STF reconheceu a possibilidade de multiparentalidade. (Repercussão Geral nº 622).

É importante ter em mente que  toda e qualquer decisão a respeito de maternidade deve sempre levar em consideração o princípio do melhor interesse da criança, avaliado por equipe multidisciplinar.

No tocante aos direitos da saúde, ocorreram melhorias no Brasil, com a redução das taxas de mortalidade materna, o reconhecimento de direito às licenças e prerrogativas às mães, tais como estabilidade no emprego, licença -maternidade,  prioridade no atendimento para gestantes, lactantes e acompanhadas por crianças de colo; direito à acompanhante na hora do parto; cobertura de parto de urgência, mesmo que a obstetrícia não tenha sido contratada; proteção contra a violência obstétrica; garantia para amamentação e reconhecimento de direitos reprodutivos, relativos à concepção e contracepção, atendimento pré-natal, assistência ao parto, ao puerpério e ao recém-nascido e outros, sem distinção da natureza do vínculo jurídico que une mães e filhos.

Portanto, são muitas as nuances que envolvem a maternidade sob o aspecto jurídico. Sem dúvida, o que define uma mãe é o amor e cuidado que ela dedica à criança. Cada mãe – biológica, adotiva ou afetiva – tem suas próprias experiências e desafios, mas todas são capazes de amar e cuidar de seus filhos de maneiras únicas e significativas. É importante, no entanto, o reconhecimento jurídico dessa relação de parentesco para que a mãe e filhos possam efetivamente ter os seus direitos e garantias reconhecidos e concretizados.

Feliz dia das mães! Muito amor, atenção e cuidado maternos a todas as pessoas!

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