Associação de Direito de Família e das Sucessões

ADFAS – REFORMA DO CÓDIGO CIVIL – PROPOSTAS LEGISLATIVAS – PARTE 3

A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), em atendimento ao convite realizado pelo Senado, firmado pelo Ministro Luís Felipe Salomão, Presidente da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL), encaminhou, em 10 de novembro de 2023, suas propostas para a reforma das normas sobre Direito de Família[1] e das Sucessões[2] do Código Civil de 2002.

Já divulgamos a 1ª parte e a 2ª parte, e agora passamos à 3ª parte do resumo das justificativas das propostas da ADFAS.

 

PARTE 3

 

REGIMES DE BENS

 

Equiparação da união estável ao casamento

É proposta a aplicação expressa à união estável, e não só por interpretação sistemática, das disposições gerais e especiais dos regimes de bens do casamento. Essa aplicação advém do vazio legislativo sobre os regimes de bens na redação atual do Código Civil e está em consonância com a jurisprudência do STJ, inaugurada pelo Ministro Luis Felipe Salomão[3].

 

Esclarecimentos sobre os proventos do trabalho

Sugerimos o indispensável esclarecimento sobre a comunicabilidade dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, que devem ser excluídos da comunhão somente enquanto não servirem à aquisição de bens imóveis ou móveis. Sabendo-se que, geralmente, o patrimônio é adquirido com os rendimentos do trabalho, se não forem comunicáveis os bens comprados com os proventos do trabalho pessoal do cônjuge, ficaria frustrada a finalidade do regime da comunhão parcial de bens.

 

Proteção da pessoa idosa e da pessoa com deficiência pelo regime da separação de bens

É defendida a manutenção do regime da separação de bens aos maiores de setenta anos (art. 1.641, II) com base no seguinte: a) maior longevidade da população atual[4], que justifica esse regime, já que, no processo de envelhecimento, o foco não pode ser somente o aumento do tempo de vida, mas, sobretudo, a melhor qualidade de vida[5], propiciada pela exclusividade do patrimônio da pessoa idosa, que está em consonância com a proteção especial que lhe é conferida pela Lei Maior (CF, art. 230) e a tutela de sua dignidade (CV, art. 1º, III); b) vulnerabilidade relativa da pessoa idosa[6], reconhecida no ordenamento jurídico, razão pela qual esse regime não viola o art. 3º, IV, da CF, tendo em vista o princípio da igualdade material, pelo qual o Estado pode e deve intervir para corrigir as distorções advindas da faixa etária, em havendo justificativa plausível e razoável, sendo que, conforme Rosa Maria de Andrade Nery, “[…] a verdadeira liberdade não é arbítrio, mas movimento que não dispensa conexão com valores.”[7]; c) ampliação da autonomia da vontade da pessoa idosa, porque somente neste regime os cônjuges podem administrar livremente seu patrimônio, sem outorga uxória, podendo gravá-los de ônus real ou aliená-los, bem como propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários, e somente nesse regime é imposta a contribuição de ambos os cônjuges para as despesas do casal, na proporção de seus bens e rendimentos, ressaltando-se, ainda, a possibilidade de realizar doações e contratos de compra e venda com o cônjuge, podendo também beneficiá-lo em testamento na cota disponível da herança, tudo isso com maior reflexão e passado o momento da maior sensibilização inerente aos nubentes e aos que iniciam uma união estável; d) resguardo do outro cônjuge por meio da Súmula 377 do STF, que lhe assegura a parte do patrimônio que se comprove ter sido adquirida com seu esforço.

É proposta a obrigatoriedade do regime da separação de bens aos portadores de deficiência mental ou intelectual, em proteção dessas pessoas que são vulneráveis e não podem ficar sujeitas a um casamento por interesses financeiros ou econômicos do outro cônjuge.

 

Veja a continuação: Parte 4.

 

[1] As sugestões legislativas da ADFAS, no Livro IV, Família, foram elaboradas por sua Presidente, Regina Beatriz Tavares da Silva, assistida pela acadêmica Emily Costa Diniz, com colaborações de Eduardo de Oliveira Leite e Kátia Boulos na matéria da alienação parental, de Laura Brito nas relações de parentesco, e de Grace Costa e Paulo Nalin nas causas suspensivas do casamento.

[2] No Livro V, das Sucessões, as sugestões legislativas foram orientadas pela Presidente da ADFAS, Regina Beatriz Tavares da Silva, tendo sido elaboradas por Carlos Eduardo M. Poletto, com a assistência da acadêmica Emily Costa Diniz e com colaborações de Laura Brito, Grace Costa e Paulo Nalin.

[3] STJ, REsp 646.259/RS, 4ª T. RELATOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 22-06-10.

[4] O Censo de 2022 do IBGE aponta o crescimento da longevidade da população brasileira em 57,4% nos últimos 12 anos, sendo atualmente de 22,2 milhões dos habitantes do nosso país, o que representa 10,9% do total da população. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38186-censo-2022-numero-de-pessoas-com-65-anos-ou-mais-de-idade-cresceu-57-4-em-12-anos

[5] CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. A pessoa idosa e seu sistema de relações transgeracionais. In: Tratado da Pessoa Idosa (coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, Kátia Boulos e Maria José Bravo Boch). São Paulo: Almedina, 2023, p. 407).

[6][…] o fato social da existência, cada vez maior, de pessoas em idade avançada, que vivem sozinhas, desfrutando de saúde física e mental, mas distante da presença de membro da família que possa assisti-las de perto, ou conviver amiúde com suas atividades habituais, pessoais e sociais, ou – ao contrário e frequentemente, também – que estão submetidas a estado de submissão a parentes inescrupulosos ou a “amigos” interesseiros, têm revelado um lado sombrio da experiência cotidiana de idosos, entre nós, nestes novos tempos, pois muitos deles passaram a ser vítimas de abusos de toda a ordem, abusos que repercutem fortemente em aspectos de sua saúde física e mental e em efetivas perdas e prejuízos patrimoniais.”. E completa: “[…] a vulnerabilidade que ultrapassa os limites naturais de dificuldade de ambulação e de limitações de algumas práticas sociais não são fatores – por si sós – autorizadores da existência de vulnerabilidade jurídica que autorize a interdição e a nomeação de curador ao idoso. Porém, algumas situações de vulnerabilidade podem brotar em idosos em condições de higidez física e mental, eis que também são causas de vulnerabilidade a penúria, a pobreza e a indigência, que não justificam interdição, na maioria das vezes, mas impõem à pessoa idoso uma limitação imensa, que pode levá-los à doença e à morte.” (NERY, Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade da doutrina e da jurisprudência diante do tema: “idoso em estado de vulnerabilidade”. In: Tratado da Pessoa Idosa (coord. Regina Beatriz Tavares da Silva, Kátia Boulos e Maria José Bravo Boch). São Paulo: Almedina, 2023, pp. 384/386).

[7]A autonomia privada não é absoluta, pois isso desnaturaria seu conteúdo: ela convive, por exemplo, com bons costumes (um valor), com segurança jurídica (outro valor), com preservação dos meios de subsistência da família (outro valor).” (NERY, Rosa Maria de Andrade. Responsabilidade da doutrina e da jurisprudência diante do tema: “idoso em estado de vulnerabilidade”. Ob. cit. p. 391).

 

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