Associação de Direito de Família e das Sucessões

STJ MANTÉM PRISÃO POR DÉBITO ALIMENTAR ANTIGO, MESMO APÓS QUATRO ANOS DE ADIMPLÊNCIA

Por Danilo Vital, publicado originalmente no ConJur.

A prisão civil do devedor de pensão alimentícia é um instrumento válido de coerção e só deve ser afastada em caso de absoluta impossibilidade da quitação da dívida, que deve ser robustamente comprovada.

Com esse entendimento, e por maioria apertada de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado por um homem que ficou oito anos sem pagar pensão, mas há quatro anos tem cumprido a obrigação.

A filha dele, representada pela mãe, ajuizou ação para cobrar alimentos em 2011, mas o devedor só foi localizado em 2019, quando passou a pagar a obrigação de R$ 370 por mês. A dívida acumulada no período anterior é de R$ 70 mil.

O Habeas Corpus foi impetrado diante do decreto da prisão civil, a medida autorizada pelo Código de Processo Civil para forçar o devedor a pagar a dívida. A pena pode durar até três meses em regime fechado, período no qual o devedor deve ficar separado dos presos comuns.

Historicamente, o STJ não tem sido flexível com os devedores de pensão alimentícia quando os beneficiários são crianças e adolescentes. Apenas em situações excepcionais ela é afastada — nos casos em que fica comprovado que a medida não é a mais eficaz para quitar a dívida.

Esse foi o ponto que gerou a divergência na 3ª Turma do STJ.

Sem urgência

Depois de ter a prisão civil mantida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o devedor recorreu ao STJ com a alegação de que a medida é ilegal porque a dívida não é atual, nem urgente. Ele alegou que, por ser eletricista autônomo, o tempo encarcerado o impediria, inclusive, de continuar honrando os pagamentos.

A argumentação sensibilizou o relator da matéria, ministro Moura Ribeiro, que ficou vencido, ao lado do ministro Humberto Martins, ao propor o provimento do recurso. Para eles, o risco alimentar não está mais presente, sendo que a credora pode recorrer a outros meios para receber os valores devidos.

O ministro Moura Ribeiro classificou a medida como “desnecessária e ineficaz” e disse que ela serviria “mais como uma punição pelo inadimplemento da obrigação do que propriamente como técnica de coerção”, além de prejudicar os pagamentos futuros, por se tratar de autônomo.

Devido rigor

Venceu o voto divergente da ministra Nancy Andrighi, para quem não há motivos para flexibilizar a prisão civil depois de o devedor ficar oito anos sem prover o mínimo existencial para a própria filha. Ela foi acompanhada pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.

“Como se pode afirmar, com tanta clareza, que as múltiplas e severas privações e sequelas desse passado tão recente e tão sombrio não repercutem, ainda hoje, na vida e nas necessidades dessa criança?”, indagou a ministra.

Para ela, não há como afastar o risco alimentar só pelo fato de a pensão ter sido paga desde 2019, pois uma pensão de R$ 370 é claramente insuficiente para satisfazer sequer as necessidades mais elementares de uma criança, aquelas indispensáveis para que ela se desenvolva de maneira digna, honesta e sadia.

O voto destacou que, conforme o artigo 528, parágrafo 2º, do CPC, apenas a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento. No caso, não há provas, apenas suposições de que, como eletricista, o devedor é autônomo, humilde e sem outras fontes de renda ou bens.

A ministra Nancy ainda classificou a tese de que a prisão civil geraria prejuízo à filha por privar o pai do trabalho como uma tentativa de revitimizar a menor. Segundo a magistrada, não se pode culpar o filho pela prisão civil do pai, uma vez que ela decorre da incapacidade de cuidar adequadamente de sua prole.

“Não tenho a mínima dúvida de que a grande maioria dos filhos não é feliz e não se sente satisfeita por ter de chegar ao extremo de exigir o cumprimento dessa prestação sob pena de prisão, mas se vê verdadeiramente obrigada a fazê-lo porque está na ponta mais frágil de uma relação naturalmente imperfeita, desequilibrada e de indiscutível dependência física, psicológica e econômica”, explicou ela.

“Dessa forma, o exercício desse direito apto a lhe garantir a sobrevivência não pode, com a maxima venia, incutir no credor alguma dúvida de que ele poderia estar causando alguma espécie de prejuízo, de mal injusto ou de ingratidão em relação ao genitor”, complementou a ministra.

RHC 183.989

Leia o acórdão na íntegra:

acordao prisao

 

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