Associação de Direito de Família e das Sucessões

REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS PARA OS MAIORES DE 70 ANOS É HAVIDO COMO CONSTITUCIONAL PELO STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, pela constitucionalidade da norma que estabelece o regime da separação de bens aos que se casam ou passam a viver em união estável após os 70 anos.

A ADFAS atuou como amicus curiae

A ADFAS participou do processo como amicus curiae, sendo a única Associação dentre os participantes como amicus curiae que defendeu a constitucionalidade da norma, o que foi confirmado pelo STF por unanimidade de votos. Apenas houve uma “interpretação conforme a Constituição” pelo STF, que manteve a norma vigente.

A tese de repercussão geral fixada

A Tese de Repercussão Geral fixada pelo STF no julgamento do ARE 1309642, paradigma do Tema 1236, é a seguinte: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.

Regime legal da separação de bens nos casamentos e uniões estáveis dos maiores de 70 anos

Na conformidade da decisão do STF, o “regime legal” para os para os que se casam ou passam a viver em união estável com mais de 70 anos de idade é a separação de bens, assim como já era a comunhão parcial o “regime legal” nos casamentos e uniões estáveis dos que têm menos de 70 anos.

Passaram a existir dois regimes legais, a depender da idade.

Somente se houver uma escritura pública, nos casamentos e nas uniões estáveis dos maiores de 70 anos poderá vigorar outro regime.

Segurança jurídica na lavratura de escritura pública

A separação de bens deixou de ser obrigatória, mas somente pode ser afastada de maneira formal e segura perante um Tabelião de Notas, que verificará a vontade livre e consciente das partes, e lavrará instrumento dotado de fé pública.

No julgamento foi mencionada a importância da norma do art. 1.641, II do Código Civil, inclusive em casos de portadores de Alzheimer, porque, diante de um Tabelião de Notas, a falta de discernimento impedirá a lavratura da escritura pública. Importante salientar que na lavratura de uma escritura pública deve ser avaliada a manifestação da vontade, com a verificação da capacidade das partes (Código Civil, art. 215).

Consequências da tese de repercussão geral

No regime legal da separação de bens dos que se casam ou passam a viver em união estável com mais de 70 anos, não há direito à meação do seu cônjuge ou de seu companheiro sobre o patrimônio do idoso, salvo prova de que este empreendeu esforço, com capital ou trabalho, na respectiva aquisição, conforme pensamento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O cônjuge ou companheiro também não tem direito à herança em caso de falecimento da pessoa idosa, como estabelece o art. 1.829, I, do Código Civil.

Portanto, em regra geral, nada se comunica ao cônjuge ou ao companheiro do idoso, nem na dissolução em vida, nem na dissolução por morte.

O regime legal da separação para os que se casam ou passam a viver em união estável com mais de 70 anos tem o efeito de impedir a comunicação de bens ao cônjuge ou companheiro não só na dissolução da relação em vida, mas também em caso de dissolução por morte, diferentemente do regime de separação em casamentos ou uniões estáveis dos que têm idade inferior a 70 anos em que há direito à herança.

Se tivesse sido declarada a inconstitucionalidade da norma, todos aqueles que se casassem ou passassem a viver em união estável após os 70 anos ficariam sujeitos ao regime legal da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.640 do Código Civil.

Isso significaria que, além do direito à divisão de bens adquiridos durante a relação e aos frutos e rendimentos dos bens exclusivos, ou seja, adquiridos antes da relação, haveria o direito à herança do viúvo ou da viúva, concorrente com os filhos do falecido. O viúvo, aquele que se casou com uma pessoa maior de 70 anos, seria equivalente a um filho do falecido em termos hereditários, inclusive com herança necessária se houvesse casamento (artigos 1.829, I e art. 1.845).

Não foi o que aconteceu. A pessoa idosa e a sua família foram protegidas, porque, na prática, e especialmente nas classes menos favorecidas, tão defendidas pela ADFAS, são raras as escrituras públicas para a escolha de regime de bens diverso do regime legal. Assim, a pessoa idosa mais vulnerável, que é aquela menos favorecida em termos financeiros e patrimoniais, continua a receber a proteção em nosso ordenamento jurídico. Se a pessoa idosa tiver somente uma casa, onde ela mora, esse bem continuará somente seu. Se tiver uma poupança para sobreviver, esse numerário continuará exclusivamente seu.

Vejamos os três cenários possíveis diante da Tese de repercussão geral firmada pelo STF:

  1. O casamento e a união estável dos maiores de 70 anos será o da separação, se não for realizada a escolha, por escritura pública, de outro regime. Na vigência do regime legal, se houver o divórcio ou a dissolução da união estável, os bens da pessoa idosa ficarão preservados, porque não terá de dividi-los com o cônjuge ou o companheiro (Código Civil, art. 1.687). Se a pessoa idosa falecer, o cônjuge ou o companheiro não terá direito a herança, salvo em caso de testamento que o beneficie (Código Civil, art. 1.829, I). A pessoa idosa manterá a livre administração de seus bens, sem ter de obter a autorização do cônjuge ou companheiro para alienar um bem imóvel ou onerar o seu patrimônio imobiliário (Código Civil, art. 1.647). Além disto, não poderá haver sociedade entre a pessoa idosa e seu cônjuge ou companheiro (Código Civil, art. 977).
  2. Se o casamento ou a união estável da pessoa com mais de 70 anos for celebrado em regime da comunhão universal e ocorrer o divórcio ou a dissolução da união estável, a pessoa idosa terá de dividir todo o seu patrimônio com o cônjuge ou companheiro. Se falecer, o seu cônjuge ou o seu companheiro terá direito à metade de todos os bens do falecido.
  3. Quem escolher o regime da comunhão parcial, terá de dividir, em caso de divórcio ou de dissolução da união estável, o que vier a adquirir depois do casamento e da união estável e também os rendimentos dos bens que já tinha antes do casamento e da união estável. Se falecer, tendo escolhido o regime da comunhão parcial, o cônjuge ou companheiro terá os mesmos direitos a herança dos filhos do falecido, além da meação dos bens adquiridos após o casamento.

Nos inventários em andamento, será mantido o regime da separação previsto nos casamentos e uniões estáveis dos maiores de 70 anos, com suas especificidades antes apontadas.

Reflexos da tese de repercussão geral na Reforma do Código Civil

A ADFAS realizou proposta legislativa na Reforma do Código Civil de manutenção da norma que estabelece o regime de separação nos casamentos e uniões estáveis dos maiores de 70 anos.

A proposta da Subcomissão de Direito de Família na Reforma do Código Civil, em sentido oposto, é a de revogar o art. 1.641, II do Código Civil, que estabelece esse regime. Esta proposta está fadada ao insucesso, diante da tese de repercussão geral firmada pelo STF. Afinal, se essa proposta viesse a constar do anteprojeto da Reforma e fosse posteriormente aprovada pelo Congresso Nacional, essa modificação do Código Civil seria havia como inconstitucional pela Suprema Corte.

A Professora Rosa Maria de Andrade Nery, Conselheira Científica da ADFAS, é a Relatora Geral da Comissão de Reforma do Código Civil, juntamente com o Professor Flávio Tartuce.

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