O RETORNO DO ESTATUTO DESTRUIDOR DAS FAMÍLIAS II
a semana passada, foi noticiado: “Colômbia reconhece casamento gay poliamoroso” ou “Colômbia oficializa casamento entre três pessoas do mesmo sexo”.
Ao ler essa notícia fui de pronto levada a pensar, com bastante surpresa, que a poligamia teria sido legalizada na Colômbia, o que a tornaria o primeiro país na América do Sul a reconhecer juridicamente a poligamia. Passei à matéria na expectativa de saber mais a respeito do plebiscito ou referendo do povo colombiano, assim como da emenda constitucional, que, imaginava eu, houvesse sido responsável pela legalização da poligamia no país. Mas logo me desenganei ao constatar que nada disso sucedera e, mais, que a Colômbia não havia legalizado a poligamia.
A notícia tratava apenas de um cartório na cidade de Medelín cujo notário decidira registrar escritura pública de união poliafetiva entre três homens que formavam um chamado “trisal”.
A Constituição Política da Colômbia, sua Lei Maior e equivalente à Constituição Federal brasileira, como todas as outras constituições contemporâneas de países civilizados, continua a consagrar a monogamia ao dispor sobre a proteção do Estado à família (Artículo 42). E o Código Civil colombiano continua a reforçar o princípio monogâmico que fundamenta o casamento e a união estável no país (Artículo 113).
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As manchetes sob as quais circulara a notícia – “Colômbia reconhece casamento gay poliamoroso”, “Colômbia oficializa casamento entre três pessoas do mesmo sexo” – se revelam, então, mirabolantes e despropositadas. Uma vez que não houve emenda constitucional na Colômbia, fidedigna à realidade da notícia teria sido uma manchete como: “Cartório em Medelín viola a Constituição colombiana e registra certidão poligâmica ilegal”.
Essa manchete, aliás, bem poderia ser aproveitada no Brasil, visto que por aqui sucedeu o mesmo que na Colômbia.
Em 2016, dois registros de notas, um da Comarca de São Vicente-SP e o outro da Comarca do Rio de Janeiro-RJ, registraram escrituras públicas de poligamia. No entanto, assim como a constituição e a lei de nossa vizinha Colômbia, a Constituição Brasileira, assim como o Código Civil brasileiro, também consagram a monogamia como princípio fundamental de proteção à família e vedam categoricamente a poligamia. As escrituras lavradas pelos cartórios de São Vicente e do Rio de Janeiro são ilegais, porque inconstitucionais.
Para invalidar essas escrituras e impedir que novas ilegalidades do tipo fossem repetidas por tabeliães de notas Brasil afora, foi que a Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS, requereu à Corregedoria Nacional de Justiça-CNJ, órgão competente para regulamentar a atividade dos cartórios, um Pedido de Providências para que o CNJ proíba em todo país a lavratura de escrituras de uniões poliafetivas, porque violam a lei.
Diante da gravidade do caso, o CNJ deferiu medida cautelar e intimou as Corregedorias de Justiça dos Estados a recomendar aos Cartórios sob suas respectivas jurisdições que não lavrem escrituras de poligamia enquanto a questão não seja julgada definitivamente.
O julgamento de mérito no CNJ ainda não ocorreu. Entretanto, a poligamia já tenta entrar escondida no ordenamento brasileiro por uma outra porta: o Estatuto das Famílias.
Escrevi na semana passada a respeito da volta do PLS 470/2013 do “mundo dos mortos”, um projeto de lei que pretende instituir no Brasil esse estatuto. Um estatuto que, embora se diga progressista e protetor das famílias, é na realidade um grande destruidor das famílias ao estipular, por exemplo, entre outras sandices, o reconhecimento jurídico – com atribuição de direitos típicos do casamento e da união estável monogâmica – aos tais “relacionamentos familiares simultâneos e paralelos”, nome pomposo e suavizador que mal disfarça aquilo que realmente são: uniões poligâmicas, vedadas pela constituição e repudiadas pelo povo brasileiro.
O Estatuto das Famílias, especialmente por seu ataque à monogamia, é uma ameaça presente e real à família brasileira. Para se tornar lei, pode vir a ser aprovado por maioria simples (maioria dos presentes na votação) no Congresso Nacional. E dado que o guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, está cada vez menos constrangido em flexibilizar ou mesmo distorcer o texto constitucional em nome das causas supostamente progressistas, o fato de a monogamia ser consagrada pela Constituição Federal não é garantia nenhuma de que o Estatuto das Famílias, uma vez aprovado, seja declarado inconstitucional, apesar de ser.
Se quisermos preservar a monogamia como o princípio essencial que é na proteção da família, precisamos lutar com todas as forças contra o PLS 470/2013, indevidamente denominado Estatuto das Famílias.
E como para derrotar um inimigo é preciso, antes de tudo, conhecê-lo, voltarei a tratar do Estatuto (destruidor) das Famílias nos próximos artigos.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.
Publicação original: Estadão