Associação de Direito de Família e das Sucessões

ADOÇÃO À BRASILEIRA

Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Qual seria o significado da expressão adoção à brasileira?
Afinal, adoção é a relação entre pais e filhos que se estabelece por meio de um processo judicial, de maneira regular e após a sentença em que o juiz atribui ao adotante a posição de pai e/ou de mãe.
Lamentavelmente, a expressão adoção à brasileira passou a ser adotada para significar o registro de um filho alheio em nome próprio, ou seja, um ato irregular, que é crime na legislação penal.
Portanto, o uso dessa expressão estaria a qualificar o povo brasileiro como aquele que pratica ou gosta de praticar atos ilícitos?
A resposta é um solene não!
Nosso povo é correto! O jeitinho que passou a qualificar a conduta do brasileiro, depois da conhecida “Lei de Gerson”, não se enquadra nos procedimentos da maior parte dos brasileiros!
Ocorre que diante das dificuldades que são colocadas num processo de adoção, em que deve haver o prévio cadastro do adotante, assim como dos possíveis adotados, além de perícias, estágios de convivência etc., não sendo possível no Brasil a adoção direcionada a uma determinada criança, há quem escolha a prática de ilícito, ao invés de seguir a tramitação legal.
Acredito que a principal razão está aí: as dificuldades existentes num processo de adoção.
Sabemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, quando entrou em vigor com essa imposição do cadastro de adotantes, o fez por razões ponderadas, para evitar o comércio ou tráfico de crianças.
Mas, essa opção legislativa acabou por incentivar a prática da chamada adoção à brasileira.
Mesmo com a modificação recente do ECA, pela Lei nº 13.509/17, não foi possibilitada a adoção direcionada.
Daí, numa primeira vista, pode parecer simples encontrar uma mulher grávida, que não quer ou não pode criar um filho, e realizar o registro desse bebê em nome próprio.
Essa simplicidade, além de ser crime, embora o Juiz possa não aplicar a pena prevista na lei (Código Penal, art. 2, parágrafo único), desde que o ato tenha sido praticado por sentimento nobre, pode gerar muitos problemas.
Vejam a história do youtuber Carlinhos.
Após ser registrado em nome de outras pessoas, sua mãe e seu pai registral, ter se tornado famoso no mundo digital, Carlinhos deparou-se com um vídeo da mãe biológica, que supostamente o abandonou, exigindo ajuda financeira.
Carlinhos, por sua vez, responde em outro vídeo também postado na internet que não quer essa mãe que o entregou aos pais socioafetivos, que, segundo ele, são seus únicos pais.
O conflito está instalado.
E, diante da decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF), a mãe biológica de Carlinhos poderá obter o registro como tal na sua certidão de nascimento, ao lado da mãe socioafetiva (RE 898060-SC, Relator Ministro Luiz Fux, julgamento em /09/26).
Carlinhos diz na internet que não quer essa mãe, mas, se for seguida a decisão do STF, passará a tê-la no registro de seu nascimento, com todos os direitos, inclusive de pensão alimentícia e de herança. É a chamada multiparentalidade.
A multiparentalidade parece facilitar, afinal, que mal faria ter duas mães no registro de nascimento, mas casos como o de Carlinhos demonstram que essa tese não está adequada à realidade da vida.
A Associação de Direito de Família (ADFAS) defendeu, como amicus curiae, no referido RE que tramitou no STF, que a multiparentalidade não fosse acolhida em repercussão geral, devendo prevalecer, a depender do caso em exame, uma ou outra espécie de paternidade.
Felizmente, o Superior Tribunal de Justiça, como já fazia antes do acórdão do STF, tem acolhido a tese defendida pela ADFAS, decidindo que pode prevalecer a relação de filiação socioafetiva ou biológica, a depender do interesse e bem estar do filho (em artigoanterior, comentei o acórdão do STJ).
Sabe-se que o STF tem a melhor das intenções em fixar teses de repercussão geral, mas todo o cuidado é pouco, quando se trata de matéria de Direito de Família, em que se costuma dizer: cada caso é um caso!
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (/08/28)

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