ADFAS – REFORMA DO CÓDIGO CIVIL – PROPOSTAS LEGISLATIVAS – PARTE 4
A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), em atendimento ao convite realizado pelo Senado, firmado pelo Ministro Luís Felipe Salomão, Presidente da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL), encaminhou, em 10 de novembro de 2023, suas propostas para a reforma das normas sobre Direito de Família[1] e das Sucessões[2] do Código Civil de 2002.
Todas as propostas da ADFAS são realizadas em conformidade com as transformações e os anseios da sociedade brasileira, com foco na segurança jurídica.
Divulgamos o resumo das justificativas das nossas sugestões legislativas em suas Partes 1, 2 e 3.
Apresentamos, a seguir, a 4ª Parte da síntese de nossas propostas.
PARTE 4
AMPLIAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA NA SUCESSÃO
Possibilidade de renúncia antecipada da quota legitimária
Propõe-se a possibilidade de renúncia antecipada da quota legitimária através de escritura pública, facultando, assim, uma melhor organização do planejamento sucessório, notadamente ao reforçar a segurança jurídica e as legítimas expectativas de todos os interessados na futura transmissão causa mortis.
Possibilidade de renúncia ao direito real de habitação
Também foi inserida a possibilidade de renúncia, pelos cônjuges/companheiros, ao direito real de habitação ou, ainda, a sua subordinação a termo ou condição, pois esse direito, por vezes, cria situações não desejadas pelo autor da herança, que chega a vender o único imóvel que tenha a natureza domiciliar, para possibilitar aos seus descendentes, especialmente aos filhos, o uso e o gozo de sua herança. Assim, a possibilidade de renúncia pelos cônjuges/companheiros ao direito real de habitação ou, ainda, a sua subordinação a termo ou condição, é uma sugestão legislativa porque, não raras vezes, tal ius in re aliena perpétuo revela-se inconveniente à realidade familiar, sobretudo aos interesses dos filhos do autor da herança.
Prestígio àquele que cuidou do autor da sucessão
É proposta a inserção do instituto da compensação especial na legislação brasileira, aproveitando-se de algumas experiências do direito estrangeiro (ex. Código Civil japonês, art. 904-2; BGB, §2057a; ABGB, §§ 677 e 678), destinada àquele que contribuiu de forma expressiva e preponderante na manutenção econômica e/ou nos cuidados pessoais do autor da sucessão.
Sugere-se a vedação de concessão de benesses hereditárias aos cuidadores da pessoa idosa, que são contratados para esse fim, ressalvando-se apenas as “liberalidades de pequeno valor”, tendo em vista evitar a manipulação psicológica dos relativamente vulneráveis.
Tutela do sucessor menor ou com deficiência
Ao sucessor menor ou com deficiência sem independência econômica se propõe a extensão do direito real de habitação e a garantia de uma parcela superior da quota legitimaria, o que se pode reconhecer como uma melhora legal (instituto típico do direito espanhol), independentemente de previsão testamentária.
Assim como previsto pelo Código de Processo Civil e pela maioria das codificações estrangeiras (ex. Suíça, Itália, Portugal, Catalunha e Peru), optou-se pela adoção da data da abertura da sucessão como parâmetro para a aferição da avaliação econômica da liberalidade realizada em vida pelo autor da herança, com flexibilização para evitar o enriquecimento indevido de herdeiros.
REGULAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES INOFICIOSAS
Propõe-se, a exemplo do direito italiano e português, a regulação conjunta das disposições inoficiosas inter vivos e causa mortis. Privilegia-se que a redução seja realizada através do pagamento de indenização pelo beneficiado da liberalidade inoficiosa, apurada no momento da abertura da sucessão.
Propõe-se a manutenção do sistema dualista, isto é, aquele que que contempla ambos os institutos de exclusão hereditária, na esteira francamente dominante nas codificações estrangeiras (ex. Código Civil alemão; Código Civil austríaco; Código Civil suíço; Código Civil português; Código Civil espanhol; Código Civil catalão; Código Civil romeno; Código Civil peruano; Código Civil chileno; Código Civil uruguaio; Código Civil japonês), bem como a ampliação e a reformulação das hipóteses que autorizam a incidência de tais sanções privadas. E assim deve ser, pois, o fundamento ético-jurídico da indignidade é o resguardo da ordem pública e social, tendo em vista a sua precípua atuação sobre comportamentos criminosos, enquanto a deserdação procura essencialmente tutelar a harmonia, o respeito e a solidariedade familiar, abarcando geralmente ilícitos civis ou até mesmo atos moralmente reprováveis.
Almeja-se a ampliação das causas de indignidade, abarcando: a) todo ato doloso que importe ofensa à vida do autor da herança ou de seus parentes, e não mais somente a prática de homicídio; b) a grave violação dolosa e ilícita no âmbito familiar, não somente à honra, mas também à integridade física, à dignidade sexual, à liberdade e ao patrimônio; c) as diversas fraudes testamentárias perpetradas, e não apenas o ardil e a coação visando impedir a livre disposição mortis causa; d) o abandono do autor da sucessão; e) a destituição do poder familiar.
Ademais, a proposta inclui a inserção no texto legal da disciplina dos legitimados a pleitear a exclusão hereditário, de modo a abarcar tanto o interessado economicamente como aquele que ostentar legítimo interesse moral, além de reduzir o prazo decadencial de 4 (quatro) para 2 (dois) anos, contados do conhecimento do ilícito e de sua autoria.
Propõe-se a equiparação do deserdado ao indigno, para todos os efeitos, inclusive com a admissão expressa da deserdação parcial e o perdão do testador, total ou parcial.
Por outro lado, a proposta unifica as hipóteses que autorizam a privação da legitima de todos os herdeiros necessários, abarcando de forma ampla as ilicitudes civis perpetradas no seio familiar.
Por derradeiro, adotando a sistemática prevalecente nas principais legislações estrangeiras (ex; Código Civil suíço; Código Civil português; Código Civil espanhol), a cláusula testamentária não será mais meramente autorizativa, operando os seus efeitos de forma automática, sem a necessidade de que o herdeiro instituído ou aquele a quem aproveite a deserdação demande judicialmente o herdeiro deserdado (ação de deserdação), cumprindo ao herdeiro deserdado, caso entenda que a privação da legítima foi injustamente determinada pelo autor da herança, insurgir-se judicialmente através da ação de impugnação da deserdação.
Muitas outras sugestões legislativas foram realizadas pela ADFAS quanto aos Livros do Direito de Família e das Sucessões, tendo em vista a Reforma do Código Civil, sendo que elegemos as mais relevantes na divulgação da 1ª, 2ª, 3ª e desta 4ª parte do resumo das respectivas justificativas.
[1] As sugestões legislativas da ADFAS, no Livro IV, Família, foram elaboradas por sua Presidente, Regina Beatriz Tavares da Silva, assistida pela acadêmica Emily Costa Diniz, com colaborações de Eduardo de Oliveira Leite e Kátia Boulos na matéria da alienação parental, de Laura Brito nas relações de parentesco, e de Grace Costa e Paulo Nalin nas causas suspensivas do casamento.
[2] No Livro V, das Sucessões, as sugestões legislativas foram orientadas pela Presidente da ADFAS, Regina Beatriz Tavares da Silva, tendo sido elaboradas por Carlos Eduardo M. Poletto, com a assistência da acadêmica Emily Costa Diniz e com colaborações de Laura Brito, Grace Costa e Paulo Nalin.