AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELO TÉRMINO DA RELAÇÃO DE MANCEBIA É JULGADA IMPROCEDENTE NO TJSP
*Por Regina Beatriz Tavares da Silva
Em recente acórdão proferido em 23 de junho de 2015, a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível n° 0009251-09.2012.8.26.0071, negou, acertadamente, direito à indenização por danos morais à amante.
O caso trata de relação amorosa estabelecida por cinco anos entre a apelante e o apelado enquanto este se encontrava na condição de casado e em comunhão de vida com a esposa, sendo este fato de pleno conhecimento da concubina. Relata a recorrente que haveria sofrido graves prejuízos psicológicos, sendo obrigada, inclusive, a mudar-se para a Alemanha com o fito de escapar das ameaças, assédios e insultos do apelado que, de acordo com o alegado, não aceitava o fim do relacionamento.
O acórdão bem analisa os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, sem os quais não há reparação de danos: ação comissiva ou omissiva ilícita, dano e nexo causal:
Três são os pressupostos autorizadores do dever de indenizar: comportamento ilícito do ofensor, efetivo prejuízo do ofendido, liame causal entre um e outro. Sem que se apresentem esses elementos, concomitantemente, não há que se falar em reparação do dano.
Pois bem, no caso concreto, como observado com precisão pelo douto sentenciante, a apelante não sofreu prejuízo algum, pois Lucy foi amante de homem casado, sabedora dessa situação, não logrando descrever sequer o valor integrante de seu patrimônio moral ofendido pelo apelado.
No caso, foi salientada a inexistência de dano, já que não haveria sequer como descrever o dano moral, ou seja, a violação do patrimônio moral de alguém que se relaciona com pessoa casada e que mantém comunhão de vidas com o respectivo cônjuge, conhecendo essa sua situação de mancebia.
Por outras palavras, dano moral é aquele decorrente de grave ofensa a patrimônio moral, constituído pelos direitos da personalidade – honra, intimidade e vida privada, entre outros. Esses direitos foram expostos pela própria autora da ação, que chegou a filmar sua relação sexual e juntar o vídeo nos autos do processo.
Ainda, o acórdão esclarece que mesmo que pudessem ser apuradas as desilusões amorosas sofridas pela amante, seriam elas meros dissabores, que não constituiriam dano.
Ademais, foi bem enquadrada na expressão jurídica concubinato a relação da amante com o homem que mantinha concomitantemente o seu casamento. Isso é digno de nota na medida em que, algumas vezes, utilizam-se expressões como “relações paralelas” e “relações simultâneas” para suavizar o real conteúdo da relação de mancebia. O conceito de afeto não pode ser utilizado como panaceia para todas as situações. O direito somente tutela a afetividade em caso de relações lícitas, válidas e que acatam a ordem jurídica.
A tentativa de conferir direitos familiares e sucessórios aos amantes é fruto da adoção de premissa individualista, egoísta, aparentemente baseada no afeto, mas que pretende impor em nosso ordenamento jurídico, por meio de engodo linguístico, a devassidão. Esta atitude, em verdade, choca-se com os anseios da sociedade e com os valores da família brasileira e é típica daqueles que, sob o pretexto de atender ao desejo de poucos, ignoram a representatividade da maioria.
Como fundamento jurisprudencial, o julgado em tela cita dois relevantes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, em que a amante pretendia indenização pelos serviços domésticos prestados durante relação concubinária. Entendeu-se que, se não há amparo normativo para pleitear indenização por serviços domésticos prestados nem mesmo em caso de fim de casamento ou de união estável, por muito maior razão não haveria esse direito no caso de término de relação de mancebia – ilegal por sua própria natureza -, sob pena de conferir ao amante direito que nem mesmo o ex-cônjuge ou o ex-companheiro possuem.
A tentativa de conferir direitos familiares aos amantes é absurdamente realizada no chamado Projeto de Lei Estatuto das Famílias (PLS 470/2013), em seu artigo 14, parágrafo único, que propõe a institucionalização da poligamia no Brasil.
Importa, por fim, ressaltar que a monogamia é o princípio adotado expressamente no casamento e na união estável por nosso Ordenamento. O artigo 226, § 3º da Constituição Federal prevê que a entidade familiar em forma de união estável é monogâmica, que só comporta duas pessoas, e não três ou mais. No casamento, é também indiscutível que vigora o princípio da monogamia, citando-se, a título de exemplo, os artigos do Código Civil que se referem a duas pessoas nesta espécie de entidade familiar, como os artigos 1514 e 1517, entre outros.
Os direitos à liberdade e à felicidade não podem implicar completa ausência de limitações. O direito à liberdade tem limitações inerentes às normas cristalizadas na sociedade, como o dever de fidelidade oriundo do casamento e da união estável.