A PRISÃO DE QUEM NÃO PAGA PENSÃO ALIMENTÍCIA

Regina Beatriz Tavares da Silva
Em épocas como estas, em que se fala constantemente em prisões pela prática dos mais variados crimes, vamos tratar da decretação da prisão por um outro tipo de ilícito, que ocorre nas esferas familiares.
Vamos falar da prisão de quem não paga pensão alimentícia.
Essa é umas das duas únicas exceções ao princípio constitucional de que não haverá prisão civil por dívida, sendo que, para enquadrar-se nessa norma excepcional, o inadimplemento da obrigação alimentícia deverá ser voluntário e inescusável (CF, art. 5º, inciso LXVII).
O permissivo constitucional da decretação de prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia fundamenta-se na preservação do direito à vida e de outros direitos da personalidade, como a integridade física, a integridade psíquica, a honra (reputação social e auto estima).
É com o recebimento da pensão que o seu beneficiário poderá alimentar-se, cuidar de sua saúde, ter um teto para morar, freqüentar uma escola, utilizar meios de transporte para sua locomoção, vestir-se etc.
Assim, embora as expressões “pensão alimentícia” e “alimentos” pareçam incluir somente os meios necessários à alimentação, juridicamente englobam tudo que é necessário à manutenção da vida – necessarium vitae, que compreende a alimentação, tratamentos de saúde, habitação, vestuário – e também outras necessidades intelectuais e morais – necessarium personae, que abrange a educação e o lazer (v. Washington de Barros Monteiro: Curso de Direito Civil, v. 2: Direito de Família, 37ª ed. revista e atualizada por Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 362).
Por isso, cabe a prisão do alimentante inadimplente, que, na conformidade do art. 733 do Código de Processo Civil, poderá ser decretada pelo prazo de um a três meses em processo de execução.
Obviamente, esse é um meio coercitivo para cobrar o que é devido. Não deseja o credor propriamente a prisão, mas, sim, o recebimento dos alimentos. O devedor, sob tal pena, normalmente apressa-se em pagar o que deve e nem mesmo vai para o cárcere.
Existem outras formas de obrigar o devedor de alimentos a pagar a pensão, como a penhora de bens e sua venda em hasta pública, para, com os recursos daí advindos, ser pago o débito alimentar, mas esse procedimento é demorado (Código de Processo Civil, art. 732). Quem não tem meios próprios para comer, cuidar de sua saúde, estudar etc. não pode aguardar o desfecho de um procedimento tão moroso.
Exatamente porque a pena de prisão justifica-se pela preservação do direito à vida e de outros direitos da personalidade, firmou-se o entendimento jurisprudencial de que essa medida coercitiva somente pode ser aplicada quanto aos três meses anteriores à propositura da ação de execução.
É evidente que quanto aos débitos anteriores a esses três meses, pode o credor sujeitar-se ao procedimento da execução sob pena de penhora, sua vida não estará ameaçada pela demora no andamento da execução. Se já esteve em período anterior, agora não mais está. Sua inércia não pode ser recompensada pela decretação da prisão do devedor. Se pudesse, a pena de prisão seria utilizada como meio de vingança e não para preservação de sua vida.
Mas, para evitar que o alimentante, evitando a sua citação na ação de execução, provocasse o vencimento de débitos superiores ao período de três meses, aproveitando-se dessa estratégia para provocar a impossibilidade de seu decreto prisional, firmou-se o entendimento de que se o credor não fica inerte, promovendo execuções seguidas, mesmo que o débito total supere o valor de três meses de pensão, sua totalidade sujeitará o devedor à decretação da prisão.
Portanto, o sistema adotado passou a ser o seguinte: havendo de um a três meses de débito de pensão, promovia-se a execução. Vencidos mais meses, mesmo durante a tramitação daquela execução, nova execução era promovida. E, assim, sucessivamente, assegurando-se a possibilidade de decretação de prisão.
Em face da jurisprudência firmada, foi recentemente editada a Súmula 309 pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”.
Seu acerto reside especialmente em considerar que os débitos vencidos no curso de uma ação de execução sujeitam o devedor à decretação de prisão no mesmo processo, dispensando a propositura de seguidas ações, o que somente faz aumentar o número de processos nos fóruns, de diligências citatórias etc. Aliás, essa regra já era prevista no ordenamento processual, especificamente no art. 290 do Código de Processo Civil, mas não costumava ser aplicada, impondo-se ao credor seguidas proposituras de ações de execução.
Alguns entraves, no entanto, ainda são vistos, na prática, à aplicação da referida Súmula 309. A ação de execução é proposta, o devedor é citado, não é acolhida sua justificativa, de modo que seu inadimplemento é havido como voluntário e inescusável. Até aí mais algum ou alguns meses de débito passaram a existir. Sua decretação de prisão deverá incluir todos os meses em atraso ou somente aqueles dos quais recebeu citação? Segundo a Súmula 309 todas as prestações que se vencerem no curso do processo sujeitam o devedor à pena de prisão, mas se ele não teve oportunidade de apresentar justificativa sobre débitos vencidos após a citação, poderá, mesmo assim, ser decretada a sua prisão sobre a totalidade do débito?
Bem, esperamos que o bom senso impere e que soluções sejam encontradas para que não deixe de ser aplicada a referida súmula, como, por exemplo, a intimação do devedor, por meio de publicação no Diário Oficial dirigida ao seu advogado, de débitos vencidos no curso do processo, para dar-lhe a oportunidade de defesa.
No entanto, a Súmula 309 tem um desacerto, ao considerar que somente os três débitos anteriores à citação conservam a força executiva da pena de prisão. Isso porque é preciso existir débito, pensão vencida, ao menos uma, para que a ação de execução seja promovida. Se a citação demorar mais de três meses, o que ocorre muitas vezes, mesmo que somente um mês seja objeto da execução, aqueles valores vencidos antes da propositura da ação não poderão ser exigidos sob pena de prisão.
Imaginem a seguinte situação: o credor espera três meses para executar a pensão – o que também é comum, já que espera que o devedor pague voluntariamente –, tem que procurar um advogado para promover a execução, o advogado precisa de documentos essenciais para fazê-lo – como o título em que foi fixada a pensão. Enfim, é comum que mais de um mês de débito exista quando a execução é promovida. Se a citação ocorrer depois de três meses da propositura da ação de execução, os débitos dos meses vencidos antes dessa propositura não autorizarão a decretação da prisão, na conformidade da referida súmula.
Se os devedores contumazes já costumam esquivar-se da citação, agora quererão ainda mais evitá-la, para que não fiquem sujeitos à pena de prisão quanto aos débitos vencidos antes da propositura da ação de execução.
Com a devida vênia, teria sido mais adequada a seguinte redação para a Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à propositura da execução e as que vencerem no curso do processo”.

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