Associação de Direito de Família e das Sucessões

A HERANÇA NA UNIÃO ESTÁVEL SEGUNDO O STF

Nesta semana foi publicado o julgamento do Supremo Tribunal Federal que atribuiu a quem vive uma união de fato, chamada união estável, os direitos sucessórios do casamento civil. Aqueles que acompanham esta coluna certamente estão familiarizados com o caso, sobre o qual já escrevi (como aqui, aqui, aqui e aqui).
O STF julgou inconstitucional a diferença de tratamento, instituída pelo Código Civil, entre união estável e casamento quanto aos efeitos sucessórios de cada uma dessas formas de entidade familiar, determinando que se aplique à união estável a mesma regra sucessória que o Código Civil previu para o casamento em seu artigo 1.829.

Assim, se antes o companheiro tinha o direito de herdar bens adquiridos onerosamente durante a união estável, agora passará a ter o direito de herdar bens exclusivos do parceiro falecido. Se antes o conceito era de atribuir ao companheiro ou à companheira direitos hereditários sobre o patrimônio que fora adquirido com o seu esforço direto ou indireto, o que tinha lógica, agora o conceito é de que o companheiro tem direitos hereditários sobre o patrimônio em cuja origem nada contribuiu.
Embora o julgamento tenha sido concluído em maio, a decisão só foi publicada agora e trouxe graves dúvidas que já pairavam no ar.
Está claro que, a partir da publicação do acórdão, o companheiro passa a ocupar a mesma posição que o cônjuge na ordem de vocação hereditária. Traduzindo: o companheiro passa a receber da herança o mesmo quinhão, sobre os mesmos bens e na mesma ordem de precedência que receberia se fosse casado civilmente com o falecido. Muito embora continue a considerar equivocada a decisão, ao menos está clara no sentido de que a ordem de vocação hereditária é aquela estabelecida pelo artigo 1.829 do Código Civil, já que o acórdão do STF é explícito quanto à aplicação deste artigo às uniões estáveis. Confira:
“No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”.
O que não está nem um pouco claro, é se o companheiro passa a integrar, tal como o cônjuge, o rol dos chamados herdeiros necessários, aqueles a quem a lei reserva o direito a metade dos bens da herança – a chamada “herança legítima” – e que não podem ser excluídos da herança nem mesmo por expressa disposição testamentária do falecido. Os herdeiros necessários (os descendentes, os ascendentes e o cônjuge) são enumerados pelo Código Civil no artigo 1.845, disposição legal esta que o acórdão do STF não cita.
Além dessa omissão, provoca incerteza o fato de mesmo entre os ministros que estavam de acordo quanto à equiparação sucessória da união estável ao casamento e a aplicação a ambos do artigo 1.829, ter havido divergência a respeito do companheiro passar ou não a ser herdeiro necessário. Enquanto o Ministro Luís Roberto Barroso defendeu a absoluta equiparação entre cônjuges e companheiros para fins sucessórios, o Ministro Edson Fachin entendeu que a equiparação se dava apenas em relação à ordem de vocação hereditária e não implicava herança necessária do companheiro.
E essa dúvida gerada pela publicação do acórdão é muito grave porque as pessoas que vivem em união estável e querem fazer um testamento não sabem se podem livremente dispor de seus bens ou não. Por exemplo se tiverem filhos, não sabem se podem atribuir todo o seu patrimônio a eles, ou se devem reservar uma parte para o companheiro. Insegurança jurídica, é o que já gerava a equiparação dos efeitos sucessórios do casamento aos da união estável, já que, como disse nos artigos anteriores, com pouco tempo de relação amorosa, até mesmo morando em casas separadas, o parceiro passou a ter os mesmos direitos como se fosse casado civilmente. Insegurança jurídica é o que também gera a inexistência de definição sobre os limites na aplicação do acórdão, ou seja, se essa decisão também atribui ou não a herança necessária ao companheiro, limitando ou não a vontade das pessoas que vivem uma união de fato ao realizar um testamento.
Regina Beatriz Tavares da Silva. Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: Estadão

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