"SEQUESTRO" DE FILHOS PELOS PAIS/MÃES
Regina Beatriz Tavares da Silva
A subtração parental é definida pela Convenção de Haia sobre sequestro de crianças como o deslocamento ilegal da criança de seu país ou sua retenção indevida em outro local que não o da sua residência habitual. Trata-se de evidente caso de alienação parental, que ocorre em decorrência de comportamentos do pai ou da mãe que desejam afastar injustificadamente os filhos do outro genitor, a ponto de afastá-los definitivamente. É a morte em vida do genitor para o filho, com nefastos efeitos sobre ambos, que podem durar para sempre.
A alienação parental é regulada pela Lei 12.318/10, que a define como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Referida lei prevê sanções ao alienador, que vão desde a advertência, passando pela estipulação de multa, pela ampliação do regime de convivência com o genitor que está sendo prejudicado pela tentativa de alienação praticada pelo outro genitor, e pela intervenção psicológica monitorada, até a alteração da guarda e a suspensão ou a perda do seu poder familiar.
Esta lei prevê rol exemplificativo de casos de alienação parental, tais como dificultar o exercício da autoridade parental, dificultar contato de criança ou adolescente com o genitor, dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar, mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós, etc. Vê-se, portanto, que os casos de subtração parental enquadram-se como uma luva nesse rol.
Ademais, o próprio Código Civil, em seu artigo 1.634, inciso V, com a modificação da Lei 13.058/14, conhecida como Lei da Guarda Compartilhada, determina que compete a ambos os pais, independentemente de sua situação conjugal, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudar sua residência permanente para outra cidade ou estado. Antes dessa alteração do Código Civil, a nossa legislação, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), somente exigia o consentimento de ambos os genitores para a mudança de domicílio quando se tratava de outro país. Daí se vê a importância da referida Lei da Guarda Compartilhada, de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá, na qual participei como consultora.
A legislação brasileira define que, quando um pai ou mãe, em conflito no relacionamento, subtrai um filho menor de idade ou que tenha necessidades especiais, o fato não é enquadrado como crime de sequestro, considerando que não haverá a exigência de pagamento para resgate. Por isso, a questão deve ser resolvida na Vara de Família e das Sucessões, desde que a fuga tenha acontecido no Brasil, sendo que será de competência da Justiça Federal caso a subtração do menor tenha ocorrido para levá-lo a outro país.
Para prevenir a subtração parental que envolva deslocamento da criança para outro país, deve-se propor ação judicial em que o genitor alienado solicita expedição de ofícios a todos os portos, aeroportos e fronteiras do Brasil, com foto e nome da criança, para impedir sua saída do território nacional, sem prejuízo do pedido de multa a ser aplicada àquele que comete esse grave ato ilícito.
A Convenção de Haia de 1980, da qual o Brasil é signatário desde 2000, estabelece regras de cooperação internacional para o combate à subtração parental (artigo 4º). De acordo com o artigo 3º da Convenção, o deslocamento de uma criança é ilícito quando tenha sido efetivado em violação do direito do genitor de ter o filho em sua companhia, ou seja, em violação ao poder familiar.
Ocorrendo a subtração, qualquer pessoa que venha a tomar conhecimento desse fato poderá comunicá-lo à autoridade central da residência habitual da criança ou à autoridade central de qualquer outro Estado contratante (artigo 8º). A autoridade central do Estado onde a criança se encontrar deverá tomar ou mandar tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a sua reposição (artigo 10).
Em recente caso divulgado pela imprensa, uma mulher brasileira casada e domiciliada com um americano nos Estados Unidos decidiu, após o divórcio, vir ao Brasil com o filho de 6 anos para passar as férias em Salvador, não mais retornando àquele país de origem e obtendo, inclusive, a guarda da criança na Justiça da Bahia.
Não é a primeira vez que o Brasil presencia um caso desta espécie. O mais famoso deles foi o do menino Sean, cuja guarda foi disputada pelo pai americano durante anos após ter sido trazido ilegalmente ao Brasil pela mãe brasileira. Neste caso, a criança só foi devolvida ao pai após a morte da mãe e de ameaças de retaliação feitas ao Brasil pelo Senado norte-americano, que suspendeu a votação de lei que tratava de isenção de tarifas para determinadas exportações brasileiras.
A subtração de crianças, para fora e dentro do país, tornou-se cada vez mais frequente diante dos conflitos conjugais e do aumento da quantidade de pessoas que cruzam as fronteiras internacionais. Nessas situações, é fundamental a participação do direito internacional para solucionar os casos, por meio da Convenção de Haia, da qual o Brasil é signatário.
No âmbito nacional, a legislação brasileira, como já apontado, garante o retorno do filho ao local de seu domicílio ou residência habitual, desde que sejam tomadas as providências judiciais cabíveis, inclusive com pedidos de tutela de urgência, pelo genitor prejudicado na convivência com o filho.
No âmbito internacional, a Convenção de Haia visa à preservação dos interesses do filho e do genitor, no plano internacional, estabelecendo procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ou do adolescente ao Estado de sua residência habitual, bem como a proteção do direito de convivência com a prole.
Fonte: Universo BH