SEPARAÇÃO JUDICIAL OU DIVÓRCIO: A MANUTENÇÃO DA POSSIBILIDADE DE ESCOLHA JURÍDICA PARA CASAIS EM DISSOLUÇÃO CONJUGAL
Por José Weidson de Oliveira Neto*
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O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral e em breve julgará a matéria discutida no Recurso Extraordinário (RE) 1167478, qual seja: a manutenção da separação judicial como instituto autônomo no ordenamento jurídico brasileiro, após a Emenda Constitucional n. 66/2010.
A Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010, originada da PEC n. 413/2005, de autoria do deputado Antonio Carlos Biscaia (Partido dos Trabalhadores – Rio de Janeiro), deu nova redação ao §6º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, passando a prever que: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
O texto constitucional, antes de sofrer a EC n. 66/10, estabelecia que: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”
Neste sentido, a nova redação constitucional retirou a menção expressa aos requisitos de “prévia separação judicial por mais de um ano” ou de “separação de fato por mais de dois anos”, possibilitando o que se convencionou chamar de “divórcio direto”.
Entretanto, a EC n. 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, limitando-se apenas a suprimi-lo como requisito ao divórcio. Convém destacar que, no Brasil, a figura da separação judicial sempre existiu como instituto independente, uma vez que guarda características únicas, tais como: realiza apenas a dissolução da sociedade (e não do vínculo) conjugal, possibilitando a reconciliação; altera o estado civil para “separado judicialmente”; mantém a possibilidade de discussão da culpa com repercussões patrimoniais, sendo algo útil, por exemplo, em processos que envolvem a violência doméstica.
Com isso, de rigor, a EC n. 66/2010 apenas serviu para intensificar as diferenças entre os institutos do divórcio e da separação judicial, uma vez que dissociou o elo de requisito ou exigência de um para com o outro, tornando-os completamente independentes.
Ademais, em tempos de (super)valorização da autonomia privada, é um retrocesso retirar a liberdade de escolha de um casal que pretende separar-se judicialmente, forçando-o à apenas uma possibilidade: o divórcio. As razões que levam ao casal a decidir por isto são de ordem privada, e não importam ao Estado. Entretanto, convém destacar que, ainda que sejam religiosas, isto não constitui motivo relevante à retirada desta opção.
Veja: Um casal de jovens está passando por uma situação difícil. Ela passou para um doutorado na Alemanha, curso de tempo integral, por longos 04 anos. Ele, por sua vez, não pode deixar seu trabalho no Brasil. Para tanto, visando organizar as questões patrimoniais e até as de cunho social-afetivo, resolvem-se separar judicialmente para interromper vigência de regime de bens e demais deveres conjugais, resguardando a possibilidade de reconciliação. Há razão para o Estado impossibilitar esta opção? Logicamente que não. E, neste caso, nem há viés religioso.
Sobre a questão, há julgados em diversos tribunais do país. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, editou a Súmula n. 39, no seguinte sentido:
A Emenda Constitucional 66/2010, que deu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, não baniu do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, dispensados, porém, os requisitos de um ano de separação de fato (quando litigioso o pedido) ou de um ano de casamento (quando consensual).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também decidiu sobre a questão, em Recurso Especial nº 1247098/MS, em 2017, sob a relatoria da Ministra Isabel Galotti. Ali, consignou-se a faculdade dos cônjuges em optar pela separação judicial ou divórcio, por razões de ordem privada, dada a diferença entre os institutos e a interpretação teleológica, histórica e sistemática sobre todo o ordenamento jurídico brasileiro.
No âmbito do Tribunal de Justiça do Tocantins, ainda que a matéria não tenha sido enfrentada como objeto principal da ação, verifica-se a sobriedade da manifestação do desembargador Moura Filho, em AP 0009975-63.2016.827.0000, julgada em 2017:
Pois bem. Em princípio é preciso deixar claro que os dispositivos da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77) foram quase que na sua totalidade derrogados pelo Código Civil de 2002, por força do disposto no art. 2.043 do CC/20021 , estando o instituto da separação e do divórcio regulados exclusivamente na lei civil, ressalvados apenas alguns poucos dispositivos de ordem estritamente processual, lembrando que, em que pese divergência doutrinária e jurisprudencial, este Julgador comunga do entendimento de que a Emenda nº 66/2010 não extirpou do ordenamento jurídico a possibilidade de dissolução do casamento pela separação judicial, tendo apenas afastado a exigência prévia temporal da separação judicial ou de fato para a decretação do divórcio, até porque a separação judicial não dissolve totalmente o vínculo conjugal, podendo ser ele restabelecido a qualquer tempo, conforme os precisos termos do art. 1.577 do CC, o que não é possível após a decretação do divórcio
No mesmo sentido, a comunidade acadêmica jurídica, que preza pela correta técnica, espera decisão sóbria dos ilustres ministros do Supremo Tribunal Federal, ao considerar a manutenção da separação judicial como instituto existente, válido e autônomo (em relação ao divórcio) no ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo.
*Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito e Processo de Família e Sucessões. Professor de Direito Constitucional e Civil. Advogado. Presidente da Seção Estadual da ADFAS-TOCANTINS.
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