ROMPIMENTO DE NOIVADO E DANO MORAL
Regina Beatriz Tavares da Silva
SÃO PAULO – Neste artigo examinaremos o noivado, que não se confunde com a união estável e não gera os efeitos pessoais e patrimoniais desta relação familiar, como vimos em artigos anteriores, mas tem outras conseqüências.
As conseqüências do noivado foram bem examinadas em relevante acórdão da lavra do Desembargador Antônio Elias de Queiroga, que, como sempre, transforma os julgados de que é relator em verdadeiras aulas de Direito.
No caso retratado naquele acórdão, proferido na Apelação Cível nº 2000.003165-8, pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em 05/09/2000, o rompimento do noivado foi causado pela morte do noivo, em acidente de trânsito, estando a noiva grávida, o que lhe causou tristeza profunda.
A noiva, então, promoveu ação de reparação de danos morais, mas foi considerada parte ilegítima em primeira instância, por não ter vínculo de parentesco e tampouco ser casada ou viver em união estável com o falecido.
Com sabedoria, o julgado em tela modificou a decisão de primeiro grau, considerando a noiva parte legítima para a propositura da ação reparatória e determinando seu prosseguimento, já que “sofreu forte abalo moral com o falecimento repentino de seu noivo, com quem tivera um relacionamento público e duradouro, comprovado por meio de bilhetes, fotos e cartões e com quem pretendia se casar, já tendo, inclusive, adquirido alguns móveis, tudo devidamente provado…estava grávida do falecido.”
E prossegue o Desembargador Queiroga: “Induvidosamente, não se pode negar a evidência do sofrimento pelo trágico falecimento…dor esta que não é diferente da dor sofrida pelos pais da vítima. E este estado de espírito carateriza dano moral.”
A morte de ente querido pode gerar direito à indenização.
Essa indenização abrange não só os danos materiais decorrentes do tratamento da vítima, de seu funeral, do luto da família e da falta de prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, como dispõe expressamente o Código Civil, no art. 948, mas também os danos morais, o que agora tem apoio legal, pela redação do caput desse dispositivo, segundo o qual o pagamento daquelas indenizações não exclui outras reparações, ou seja, a reparação do dano moral.
Assim, nossa jurisprudência já havia reconhecido a indenizabilidade do dano moral em caso de morte, por homicídio, de filhos, do cônjuge e do companheiro/a (v. Súmula 491 do Supremo Tribunal Federal e STJ, 4ª Turma, RESP 194468/PB, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j. 06.05.1999, dentre outros acórdãos citados no “Novo Código Civil Comentado”, coord. Ricardo Fiuza, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 861/863).
A novidade trazida pelo julgado de que foi Relator o Desembargador Queiroga reside nos laços existentes entre o morto e a autora da ação reparatória: o noivado.
E bem foi decidida a questão, já que a reparação do dano moral pela morte de membro da família fundamenta-se na “perda das afeições”, conforme salienta Roberto H. Brebbia, na obra “El daño moral”, 2ª ed., Rosario, Orbir, 1967, p. 281-287. E pode também fundar-se na teoria do dano reflexo, chamado pelos franceses dano “par ricochet”, em que alguém sofre o reflexo do dano causado a outra pessoa, como ensina Mário Moacyr Porto, em “Algumas notas sobre o dano moral”, publicadas na Revista de Direito Civil, 37/13.
Como observei em comentários ao art. 948 do Código Civil (Novo Código Civil Comentado, coord. Ricardo Fiuza, 3ª ed. atual., São Paulo, Saraiva, 2004, p. 862), é preciso que o dano reflexo tenha o elemento da certeza para ser indenizável, do que decorre a seguinte indagação: que laços afetivos autorizam a indenização desses danos morais?
A resposta no julgado em análise foi a seguinte: laços de noivado, em que a dor pela morte do ente querido chega a ser presumida, embora admita, no curso da ação, prova em contrário.