PRESIDENTE DA ADFAS É ENTREVISTADA PELA GAZETA DO POVO
A legislação brasileira não deixa margem para dúvidas: a poligamia, ou poliamor, ou trisal, não são relações aceitas como união estável, nem consideradas válidas para efeitos jurídicos. Ainda assim, uma audiência pública sobre o tema será realizada, nesta quinta-feira (27), na Comissão de Seguridade e Família da Câmara dos Deputados.
O pedido foi apresentado pelo deputado Alexandre Padilha (PT-SP), ex-relator do chamado Estatuto das Famílias (no plural). Na solicitação de audiência, ele afirma: “Importa mencionar que a ocorrência de união poliafetiva não conduz obrigatoriamente a circunstâncias do fim da monogamia, ainda presente e válida na legislação brasileira”. E alega: “Atualmente, está em discussão no Conselho Nacional de Justiça esse tema, pretendendo apontar para a legalidade ou não do registro cartorário da união poliafetiva”.
Regina Beatriz Tavares da Silva, advogada, sócia fundadora de RBTSSA e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), relata que foi surpreendida pelo pedido de audiência, e pelos termos utilizados pelo deputado.
“A discussão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi encerrada em 2018, com a decisão de vedar a lavratura das escrituras de ‘poliamor’ como união estável. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou diversas vezes sobre o tema, sempre de forma contrária ao reconhecimento legal de qualquer forma de união que não seja monogâmica”.
Além de apresentar uma informação incorreta, diz ela, sobre os debates a respeito do tema no CNJ, a lista de participantes convidados para a audiência, formada por defensores da poligamia chama a atenção. Afinal, o pretexto declarado da reunião é debater um projeto de lei apresentado há cinco anos, o PL 4302/2016, que “proíbe o reconhecimento da ‘união poliafetiva’ formada por mais de um convivente”. O projeto está na Comissão de Seguridade e Família desde março de 2016.
Constituição proíbe poligamia
Procurado, Padilha não se manifestou. Mas em sua proposição para formar a audiência pública ele também afirma: “O tema trazido pela proposição em questão merece a realização ampla de debates antes da deliberação por esta Casa”.
Como lembra a presidente da ADFAS, o projeto que acrescenta a proibição da “união poliafativa” na Lei da União Estável nem sequer é necessário, pois já é vedado pela Constituição Federal. Em seu artigo 226, parágrafo 3º, a Carta Magna já define a monogamia como única união legal válida no Brasil. O parágrafo em questão estabelece: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Desde 2011, a união entre pessoas do mesmo sexo é reconhecida por decisão do STF, mas na ocasião todos os ministros, em seus votos, reforçaram que a união estável continua sendo definida pela monogamia. Em dezembro passado, o STF julgou improcedente um pedido de divisão da pensão de um homem entre sua esposa e seu amante. A solicitação foi negada pela justiça estadual de Sergipe, mas o solicitante recorreu e seu pedido foi negado também em Brasília.
Críticas à legislação
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que é favorável à poligamia, também vai participar da audiência. Para o presidente da entidade, Rodrigo da Cunha Pereira, a legislação precisa mudar e reconhecer outras formas de união estável. “Essa é mais uma intervenção do Estado na vida privada do cidadão. O Estado não pode ser o censor da moralidade. Se alguém quer viver junto com mais de uma pessoa, qual é o problema? Por que essa ideia incomoda tanto as pessoas?”, afirmou.
Sobre o julgamento do STF sobre o caso de Sergipe, Pereira afirma: “Não foi jurídico, foi moral. E gera como resultado a informação de que a pessoa pode ter quantas famílias quiser, que não vai precisar se responsabilizar por isso. Existem no Brasil poucas famílias poliafetivas, mas famílias simultâneas são milhares, e elas não podem continuar invisíveis”.
Em contrapartida, Regina Beatriz ressalta que “a monogamia está na base da legislação nacional e a sociedade brasileira não incorporou a ‘união poliafetiva’ como forma de constituição de família”.
Fonte: Gazeta do Povo