O PROJETO DE CÓDIGO CIVIL E O DIREITO DE FAMÍLIA
*Por Regina Beatriz Tavares da Silva
O CÓDIGO CIVIL VIGENTE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A importância da codificação do Direito Civil acentua-se pela própria relevância desse ramo do Direito, que é o direito comum a todas as pessoas.
Dentre os ramos do Direito Civil destaca-se o Direito de Família, que disciplina as relações de ordem pessoal e patrimonial que afetam a pessoa dentro do núcleo familiar.
A importância da família, como instituição geradora e formadora de pessoas, faz dela a célula essencial para a preservação e o desenvolvimento dos membros que a integram e da nação.
O Código Civil vigente, oriundo do inesgotável saber de Clovis Bevilaqua, embora seja um diploma legal de inegável valia, entrou em vigor no início do século XX e não está adaptado aos novos valores e princípios constitucionais, além de ter sofrido a incidência de múltiplas leis, bem como ter a seu lado a vigência de tantas outras, o que dificulta a interpretação, em prejuízo da ordem jurídica.
A preocupação marcante de nossa codificação civil residiu nas relações patrimoniais, tendo como princípio basilar a autonomia da vontade – poder da pessoa de praticar ou não um certo ato, de acordo com a sua vontade.
Era preciso, quando nosso Código Civil foi promulgado, garantir a atividade econômica privada e a estabilidade nas relações jurídicas de cunho privado.
Movimentos sociais, a industrialização, duas Grandes Guerras quebraram aquela estabilidade e passou a ser inevitável a intervenção estatal na economia e nas relações privadas, com a chamada socialização do Direito Civil, que perdeu o caráter individualista e passou a voltar-se à proteção do indivíduo integrado na sociedade.
As atenções voltaram-se para a pessoa em si mesma, à tutela de sua personalidade, de sua dignidade como ser humano.
O Código Civil deixou de ser o único diploma legal a regular a matéria. Várias leis foram promulgadas.
As Constituições da República Federativa do Brasil passaram a versar sobre matérias de Direito Privado.
A Constituição de 1988, atualmente em vigor, chegou ao ápice desse movimento, estabelecendo a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e princípios que tutelam várias relações de Direito Privado, dentre os quais se destacam aqueles referentes às relações de família.
As profundas transformações ocorridas nas relações de família no decorrer deste século receberam a devida atenção no plano constitucional, tendo em vista a almejada e merecida proteção aos membros de uma família, como se verifica na consagração dos princípios da absoluta igualdade entre pessoas casadas, da total isonomia entre filhos, independentemente de sua origem, da proteção à união estável e à família monoparental (arts. 226 e 227).
Merece algumas linhas a chamada constitucionalização do Direito Civil, teoria que vem ganhando adeptos, em face da interpenetração do Direito Constitucional e do Direito Civil, da interferência do Estado nas relações privadas e dos vários dispositivos da Constituição da República que regulam relações entre particulares.
A corrente de pensamento que defende a idéia de um Direito Civil Constitucionalizado tem embasamento na nova posição que assumiu o Direito Constitucional, com vistas à defesa da posição do indivíduo não só frente ao Estado, mas, também, frente a outros indivíduos, inclusive em suas relações familiares.
Embora a Constituição da República de 1988 regulamente interesses de ordem privada, não chega a substituir o Código Civil, sendo prejudicial à uniformidade do sistema legislativo a continuidade do estado atual em que o Código Civil em vigor não está adaptado à Lei Maior e várias leis regulam, isoladamente, institutos jurídicos de ordem civil.
Não há uma constitucionalização do Direito Civil, o que ocorre é o tratamento pela Constituição Federal de institutos de Direito Civil.
Há, hoje em dia, uma unidade hermenêutica, devendo ocorrer a interpretação das regras de Direito Civil, de acordo com os princípios constitucionais, sem que isto retire a autonomia desse ramo do Direito.
Isto se verifica com facilidade no Direito de Família. A Constituição Federal, em seu art. 226, § 5º estabelece a plena igualdade entre os cônjuges e é sob esse princípio que devem sem interpretadas as regras de Direito de Família, constantes do Código Civil em vigor, com a verificação das normas que a Lei Maior recepcionou (estão em vigor), derrogou (estão parcialmente em vigor) e ab-rogou (não estão em vigor).
A Constituição da República deu as linhas mestras de alguns dos principais institutos de Direito Privado, principalmente no Direito de Família, mas não chega ao ponto de dispensar uma regulamentação mais ampla desses e de outros institutos do Direito Civil por um novo Código, que urge seja promulgado. A descodificação não é a solução adequada, em nosso modo de ver é indispensável que um diploma legal devidamente atualizado forneça as balizas mestras e regulamente as relações privadas.
Como diz Guy Braibant – vice-presidente da Comissão Superior de Codificação da França: “codifica-se nos períodos em que o direito chegou a um tal nível de dispersão e de proliferação que se torna insuportável.”.
Nesse nível está nossa legislação civil.
A codificação é necessária, eis que sistematiza a matéria, o que facilita sua compreensão e interpretação, cabendo à legislação especial regulamentar matérias que nela não estejam previstas, sem, no entanto, substitui-la.
BREVE HISTÓRICO SOBRE A TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA DO PROJETO DE CÓDIGO CIVIL
O atual Projeto de Código Civil (634-C/75) tem sua origem no Anteprojeto elaborado por Comissão constituída em 1969, por Miguel Reale, como supervisor, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro.
No ano de 1975 foi encaminhado ao Congresso Nacional. Teve sua redação aprovada pela Câmara dos Deputados, onde recebeu várias emendas, e foi remetido ao Senado no ano de 1984, sob o nº 118/84.
No Senado foi arquivado, até que em 1991 foi constituída Comissão, para reapreciá-lo, com a nomeação do Senador Josaphat Marinho como Relator Geral.
No Senado Federal recebeu inúmeras emendas, sendo 140 delas referentes ao Livro do Direito de Família.
Teve sua redação aprovada pelo Senado Federal, publicada no respectivo Diário, em 11.12.1997.
Quando o Projeto encontrava-se no Senado, realizamos, em co-autoria com o Professor Álvaro Villaça Azevedo, sugestões legislativas no que se refere ao Livro do Direito de Família, publicadas na Revista dos Tribunais, volumes 730/11-49 e 731/11-47, eis que nessa fase da tramitação legislativa caberiam inúmeras modificações e inovações. Algumas dessas sugestões foram acolhidas pelo Senado Federal, como se verifica no texto que essa Casa do Congresso aprovou e no Parecer do respectivo Relator – Senador Josaphat Marinho.
Em face do longo processo legislativo do Projeto de Código Civil, não obstante o esforço e a acuidade do Senador Josaphat Marinho, restaram, em sua redação aprovada pelo Senado Federal, lapsos e inconstitucionalidades, especialmente na parte referente ao Direito de Família.
Retornou à Câmara dos Deputados, onde foi nomeada Comissão Especial, tendo o Deputado Ricardo Fiuza como Relator Geral, para apreciar as emendas feitas no Senado.
De acordo com o processo legislativo, já que o Projeto de Código Civil estava aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional, competiria, nesta fase, à Câmara dos Deputados, na qual se iniciou a tramitação, a votação para o exame da admissibilidade e do mérito da proposição inicial e das emendas aprovadas pelo Senado Federal.
No entanto, também caberia a apresentação de emenda substitutiva formal, com vistas ao aperfeiçoamento da técnica legislativa, na conformidade do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, então em vigor.
Nessa fase, ainda seria possível realizar emendas ou subemendas de redação, para sanar vício de linguagem ou lapso manifesto.
Existente, também na conformidade daquele Regimento, o instituto da prejudicialidade, de modo a ser declarada prejudicada a matéria pendente de deliberação, por haver perdido a oportunidade.
O Deputado Antonio Carlos Biscaia, Relator Parcial da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, realizou, então, profícuo trabalho, quanto ao Livro do Direito de Família, em que se utilizou dos expedientes regimentais e procurou suprir falhas do Projeto, de modo a sanar defeitos de redação e lapsos manifestos, bem como reconhecer a prejudicialidade de dispositivos cuja oportunidade não se faz presente, principalmente no que concerne à sua adequação à Constituição da República de 1988.
Conforme apontado em seu Parecer, a simples aprovação ou rejeição das emendas realizadas pelo Senado Federal, por parte da Câmara dos Deputados, importaria em grave omissão dessa Casa do Congresso Nacional, sendo indispensável a utilização dos citados instrumentos regimentais, especialmente para sanar evidentes inconstitucionalidades.
Enviamos, por meio do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família -, presidido pelo Professor Rodrigo da Cunha Pereira, à Comissão Especial da Câmara dos Deputados, destinada a apreciar e proferir Parecer sobre as Emendas do Senado Federal ao Projeto de Lei nº 634, de 1975, outras sugestões, apontando lapsos evidentes, a legislação promulgada durante a tramitação do processo e as inconstitucionalidades ainda existentes, inobstante o esforçado trabalho do Deputado Antonio Carlos Biscaia, em seu Relatório Parcial.
Foi, então, aprovada relevante alteração no Regimento Comum do Congresso Nacional, por meio da Resolução nº 01, de 2000, pela qual foi possibilitada a adequação do Projeto de Código Civil às alterações constitucionais e legais promulgadas no curso de sua longa tramitação.
Essa alteração inserida no Regimento Comum do Congresso Nacional é de suma importância, eis que possibilita a adequação do Projeto de Código Civil às alterações legais, e não só constitucionais, que estão em vigor desde sua apresentação.
Como afirmou o Deputado Ricardo Fiuza, o texto do Projeto de Código Civil continha, ainda, além de inconstitucionalidades, dispositivos superados pela legislação que entrou em vigor durante sua longa tramitação, sendo que a rigidez regimental anterior dificultava a sua atualização.
Observamos em artigo anterior, publicado na Revista Qualimetria, nº 103, ano XII, março 2000, p. 22 a 28, que chegara a oportunidade da qual deveria utilizar-se o Poder Legislativo, para aprimorar, ainda mais, o Projeto de Código Civil, especialmente na matéria do Direito de Família, que ainda carecia de aperfeiçoamentos.
Foram realizadas pelo Relator Geral do Projeto na Câmara dos Deputados – Deputado Ricardo Fiuza – importantes alterações no Projeto de Código Civil, com a finalidade de adequá-lo às alterações constitucionais e legais aprovadas no curso de sua tramitação, especialmente no que se refere ao Direito de Família.
Consoante estabelece a referida Resolução 01/2000, o Relatório do Deputado Ricardo Fiuza, contendo aquelas adequações, foi encaminhado ao Senado Federal, onde foi submetido à respectiva Comissão de Constituição e Justiça, que ofereceu Parecer votado e aprovado pelo Plenário do Senado.
Os Pareceres conclusivos da Câmara dos Deputados foram votados e aprovados pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em 29.11.2000.
Na presente fase, aguarda-se a votação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Código Civil, cujo texto atual, no que se refere ao Direito de Família, acolheu algumas de nossas sugestões e será a seguir analisado.
O PROJETO DE CÓDIGO CIVIL EM SUA FASE ATUAL
ADEQUAÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA
Nas Disposições Gerais sobre casamento, foram eliminadas todas as referências à legitimidade da família oriunda de matrimônio civil, em respeito à Constituição da República de 1988.
Enquanto a Constituição anterior previa, em seu art. 175, que “A família é constituída pelo casamento”, a atual Lei Maior estatui, no caput do art. 226, que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, e o mesmo artigo, em seus §§ 1° e 2°, trata do casamento civil e religioso, reconhecendo, no § 3°, a união estável como entidade familiar para efeito de tutela do Estado, e considerando, também como tal, a família monoparental, em seu § 4°.
Dessa forma, tanto a união estável como a família monoparental perderam o caráter da ilegitimidade, em face do que a criação da família deve ser havida como efeito do casamento, sem qualquer qualificação.
Além disso, o art. 227, § 6°, da atual Constituição da República, veda as designações discriminatórias no âmbito da filiação, atribuindo iguais direitos e qualificações aos filhos oriundos ou não da relação matrimonial.
Não pode mais haver na família a qualificação de legítima ou ilegítima. A família tanto pode ser constituída pelo casamento, como pela união estável, como, ainda, por um dos genitores e sua prole.
Assim, ao invés de estabelecer, como ocorria na redação anterior, aprovada em 1984, que “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima”, o Projeto, em sua redação atual, suprimiu a parte final do dispositivo.
Para o casamento é necessário o preenchimento de requisitos, dentre os quais está a idade núbil, que no Projeto, em sua redação anterior, continha desigualdade entre os sexos, sendo, então, de dezesseis anos para a mulher e de dezoito anos para o homem.
Insistimos, em nossa sugestões, que deveria ser estabelecido o mesmo limite de idade para o casamento de homens e mulheres, em face da igualdade entre os sexos, imposta pelo art. 5º, inciso I da Constituição da República.
O texto atual do Projeto de Código Civil foi devidamente adequado à Constituição Federal, estabelecendo que: “O homem a e mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.”.
Apontamos a necessidade de modificação do dispositivo que previa o casamento de quem não alcançou a idade núbil, o qual utilizava a expressão “menor incapaz”, cujo significado trazia dúvida sobre essa idade, se dezesseis ou dezoito anos.
O texto atual contém a seguinte regra: “Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil, par evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez da mulher.”. Verifica-se, ainda, que foi substituída a inadequada referência à honra da mulher, como causa do suprimento judicial de idade, pela hipótese de gravidez da mulher, em atendimento ao princípio constitucional de proteção à família.
É adequado possibilitar não só à mulher, mas também ao homem, a adoção do sobrenome do outro nubente, pelo casamento, como consta do Projeto de Código Civil, em consonância com o princípio constitucional da absoluta igualdade entre os sexos. Sugerimos, em substituição ao termo “patronímico”, a utilização da expressão sobrenome, de conhecimento popular, em consonância com os almejos da legislação mais moderna, que tem em vista a utilização de linguagem acessível a todos e não só à pessoas com elevado padrão de cultura e aos operadores do Direito.
O texto atual estabelece a seguinte regra: “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer aos seus o sobrenome do outro.”.
A possibilidade de modificação do regime de bens, após o casamento foi sugerida por nós e acolhida pelo Senado Federal (v. “Sugestões ao Projeto de Código Civil – Direito de Família”, em co-autoria com Álvaro Villaça Azevedo, RT 731/17 e 18).
O princípio da irrevogabilidade do regime de bens não pode ser absoluto; assim como os nubentes podem estabelecer o regime de bens que lhes aprouver antes do casamento, deve-se-lhes possibilitar a alteração do regime patrimonial durante o casamento, com a fiscalização do Poder Judiciário e a preservação dos interesses de terceiros.
Essa sugestão já havia sido acolhida pelo Senado, anteriormente, sendo que constava falha redacional, por nós apontada, com a previsão da irrevogabilidade do regime de bens, corrigida pelo texto atual, nos seguintes termos: “O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento”, sendo “admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”
No que se refere à administração dos bens comuns do casal, alertamos para a necessidade de melhores reflexões.
Há atos que podem ser praticados unilateralmente pelos cônjuges, sem a necessidade de prática conjunta, como a alienação de bens móveis, os atos de mera administração de bens do casal, a celebração de contrato de locação etc.
Obrigar o casal a praticar todos os atos de direção da sociedade conjugal em conjunto, como sugeria o Parecer do Relator Parcial, engessaria as atividades mais comuns das pessoas casadas.
Não se pode pretender que os cônjuges devam praticar conjuntamente todos os atos de administração dos bens comuns. Se a prática conjunta viesse a ser exigida, até mesmo a venda de um carro e a mera transferência de numerário de uma conta bancária para outra, exigiriam a outorga conjugal.
O texto atual do Projeto de Código Civil contém regra adequada a essas reflexões: “A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.”, que já era o texto aprovado anteriormente pelo Senado Federal.
Discordamos da eliminação, proposta anteriormente pelo Senado e pelo Parecer do Relator Parcial na Câmara, de dispositivo, que constava da proposição original da Câmara dos Deputados, sobre a administração dos bens comuns, segundo o qual “Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, desde que as questões sejam essenciais e não se trate de matéria personalíssima.”.
A inexistência desse dispositivo poderia conduzir à idéia do não cabimento da intervenção do Poder Judiciário para solucionar contenda sobre a administração de bens, embora vigore o princípio geral de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
O texto atual retomou a proposição original, nos seguintes termos: “Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.”.
Lembramos, em nossas sugestões anteriores, que consta do Projeto regra pela qual É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida constituída pelo matrimônio. Então, se suprimido o dispositivo antes referido, poderia surgir a interpretação de que ao Poder Judiciário estaria vedada a intervenção para solucionar conflitos na esfera da direção da sociedade conjugal.
O Projeto de Código Civil, em sua redação anterior, previa a medida cautelar de separação de corpos como medida obrigatória antes da propositura das ações de nulidade do casamento, de anulação ou de separação judicial.
Acentuamos que tal medida deveria ser facultada aos cônjuges e não ser-lhes imposta, conforme doutrina e jurisprudência pacífica de nossos tribunais, em face da desnecessidade, em inúmeros casos, da cautela de separação de corpos. A imposição da medida cautelar, quando desnecessária, serviria apenas para onerar os cônjuges.
O texto do Projeto de Código Civil, em sua redação atual, dispõe que “Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade.”.
Em sua redação original, o Projeto de Código Civil, na separação judicial com fundamento no descumprimento de dever conjugal, ao mesmo tempo em que reproduziu a norma constante do art. 5º, caput, da Lei do Divórcio: Qualquer dos cônjuges poderá propor ação de separação judicial, imputando ao outro cônjuge ato ou conduta que importe em violação grave dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum, voltou ao antigo sistema do Código Civil, das causas taxativas, ao estabelecer que Considerar-se-á impossível a comunhão de vida se ocorrer algum dos seguintes motivos: I – adultério; II – tentativa de morte; III – sevícia ou injúria grave; IV – abandono voluntário do lar conjugal durante um ano contínuo; V – condenação por crime infamante; VI – conduta desonrosa.
Já alertávamos, em trabalho publicado em 1990, sobre as falhas desse sistema híbrido: uma norma genérica e uma regra limitativa, a gerar dúvidas de interpretação, além de constituir um retrocesso ao antigo e revogado sistema do Código Civil e implicar a perda da evolução alcançada, na matéria, pela Lei do Divórcio, sob a inspiração do Código Civil francês (Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos: Dever de Assistência Imaterial entre Cônjuges, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p. 100 e 101). Nas Sugestões ao Projeto de Código Civil feitas em co-autoria com o Professor Álvaro Villaça Azevedo, renovamos esse alerta (RT 730/34). E também reiteramos esse posicionamento in “Reparação Civil na Separação e no Divórcio”, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 97.
O sistema das causas genéricas é o melhor, eis que o juiz, diante do fato ou causa concreta da separação, enquadra-o na causa legal.
No sistema das causas taxativas, o Julgador fica atado ao que está determinado em lei, a causa concreta da separação judicial será obrigatoriamente uma daquelas elencadas na disposição legal.
Buscando, então, remediar aquele erro, o Senado, na redação anterior, acrescentou regra pela qual O juiz poderá considerar outros fatos, que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.
E o texto atual do Projeto de Código Civil, tendo em vista a eliminação de interpretações que possam considerar taxativo aquele elenco de causas, substituiu a expressão “Considerar-se-á impossível a comunhão de vida…” nos seguintes termos: “Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida…”
Observamos que nossa sugestão legislativa original era de possibilitar a separação judicial com base na impossibilidade de manutenção da comunhão de vidas, independentemente de grave violação de dever conjugal ou de separação de fato, embora deva ser sempre facultado ao cônjuge o pedido de declaração da responsabilidade do consorte, pelo descumprimento de dever matrimonial, inclusive pela via reconvencional, com vistas às conseqüências que daí derivam, incluindo a possibilidade do pedido de reparação de danos morais e materiais decorrentes do ato ilícito praticado (v. “Sugestões ao Projeto de Código Civil – Direito de Família”, antes referidas, RT 730/32 e 33, e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos: “Reparação Civil na Separação e no Divórcio”, antes referida, p. 159/175).
Na separação fundada em separação de fato prolongada, o texto atual do Projeto corrigiu o lapso temporal, que na redação anterior do Senado era de dois anos, estabelecendo, em adequação à Lei 6.515/77, o prazo de um ano de separação de fato.
Discordamos da proposta anterior, constante do Parecer do Relator Parcial na Câmara dos Deputados, que sugeria a supressão de outra causa da separação judicial, pela qual O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de cinco anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.
A idéia de que esse dispositivo teria perdido a razão de existir, em face do divórcio direto, baseada em comentário do festejado anotador Theotonio Negrão, não levava em conta as conseqüências daquela separação remédio, que devem ser diferenciadas dos efeitos do divórcio direto.
Enquanto o cônjuge mentalmente doente merece proteção especial, inclusive de benefícios de cunho patrimonial na partilha de bens, como a seguir é visto, as partes na ação de divórcio direto, que é fundamentada na pura e simples separação de fato prolongada, devem ser tratadas sem qualquer proteção especial ao requerente ou ao requerido.
Em razão do prazo estabelecido constitucionalmente para a dissolução do vínculo conjugal, consideramos possível a apresentação de emenda para diminuir o prazo de duração da doença, de 05 (cinco) para 02 (dois) anos, sugestão que foi acolhida no texto atual, nos seguintes termos: “O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.”.
Outra importante alteração constante do texto atual do Projeto de Código Civil foi a correção de lapso manifesto, que apontamos no dispositivo sobre a reversão de bens levados ao casamento e remanescentes, que, no texto anterior, aplicava-se, indiscriminadamente, ao cônjuge enfermo e ao cônjuge que pleiteia a separação judicial com fundamento na separação de fato prolongada (cf. “Reparação Civil na Separação e no Divórcio”, cit., p. 120 a 122).
Observamos as notórias diferenças entre essas duas causas de separação judicial: grave doença mental do cônjuge e simples separação de fato prolongada, que devem ter, por conseguinte, conseqüências diversas. Aquela inadequada conseqüência de modificação do regime de bens, em benefício do cônjuge demandado e com prejuízo ao cônjuge autor da ação de separação judicial “ruptura”, precisava ser eliminada.
O texto atual estabelece aquela alteração do regime de bens somente em benefício do cônjuge enfermo.
Outro lapso evidente eliminado no texto atual, que constava da redação anterior, era a manutenção de dispositivo pelo qual a separação judicial pode ser negada se constituir causa de agravamento das condições pessoais ou da doença do cônjuge, ou determinar conseqüências morais, mesmo que graves aos filhos menores.
Quando a desunião se instala, pela separação de fato ou pela doença mental de um dos cônjuges, não pode haver mal maior à prole do que a manutenção forçada do casamento de seus pais.
Se a separação de fato ou enfermidade mental desfaz a comunhão física e espiritual entre os cônjuges, é precisamente em face do desequilíbrio que passa a existir no conjunto familiar que deve haver a possibilidade do desfazimento desse casamento, resguardando-se o doente mental, conforme antes salientado (v. “Sugestões ao Projeto de Código Civil – Direito de Família”, antes citadas, RT 730/33).
Como já dizíamos em trabalho anterior, os prejuízos acarretados ao cônjuge, desde que oriundos do descumprimento de dever conjugal, em face da ilicitude desse ato, são reparáveis, mas por outra forma, que não a da manutenção forçada do casamento (v. Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos: “Reparação Civil na Separação e no Divórcio”, antes citada).
O nome é direito da personalidade, que na expressão do saudoso Professor Carlos Alberto Bittar opera a “ligação entre o indivíduo e a sociedade em geral”, identificando a pessoa em suas relações profissionais e sociais (v. Carlos Alberto Bittar: “Os Direitos da Personalidade”, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1999, 3ª ed. Revista por Eduardo C. B. Bittar).
Sua aquisição dá-se pelo nascimento, com o respectivo registro, podendo ser modificado, com o casamento, por meio da aquisição do sobrenome marital, na conformidade da legislação em vigor e do projeto de Código Civil.
A Constituição da República, em seu art. 5º, tutela os direitos da personalidade, estabelecendo sua inviolabilidade.
Pois bem, após a aquisição do sobrenome do cônjuge, sua perda, determinada na redação anterior do Projeto, em caso de ser a mulher vencida na ação de separação judicial ou de ser dela a iniciativa da ação de separação judicial baseada na separação de fato, feria o referido direito da personalidade, e, por essa razão, o dispositivo era inconstitucional.
O texto atual corrigiu aquela inconstitucionalidade, estabelecendo que “O cônjuge vencido na ação de separação judicial perde o direito de usar o nome do outro, desde que expressamente requerido pelo vencedor e se a alteração não acarretar I – evidente prejuízo para sua identificação; II – manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III – dano grave reconhecido na decisão judicial. § 1º O cônjuge vencedor na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o nome do outro. § 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.”.
Quanto ao divórcio, direto ou por conversão, o texto atual contém o seguinte dispositivo: “Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado, salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.”.
O Projeto de Código Civil, na redação anterior, mantinha o antiquado regime da perda da guarda pela culpa na separação e a prevalência feminina na fixação da guarda dos filhos diante de culpas recíprocas dos cônjuges na separação judicial.
A culpa na separação judicial não deve ser razão determinante da perda da guarda, que deve ser estabelecida sob o princípio da prevalência dos interesses dos menores, que podem não ser preservados pelo cônjuge inocente.
Na hipótese de culpas recíprocas a outorga da guarda à mãe aplicava-se e adequava-se ao direito do início do nosso século e não aos tempos de hoje.
Essa regra fundava-se em costumes ultrapassados, pelos quais a mulher, que via de regra era senhora do lar e não exercia profissão, dedicava-se, com exclusividade, aos filhos e ao lar, razão pela qual era tida como a melhor indicada para deles cuidar.
Atualmente, grande parte das mulheres trabalha fora do lar, alteraram-se os costumes, ambos os cônjuges exercem profissão e dividem as tarefas e os cuidados para com os filhos, de modo que devem ser tidos, a princípio, em iguais condições de guardá-los, cabendo ao juiz, no caso concreto, avaliar qual deles está mais habilitado ao exercício da guarda, sem qualquer prevalência feminina (v. “Sugestões ao Projeto de Código Civil – Direito de Família”, antes mencionadas, RT 730/38).
Em suma, as normas anteriores não ofereciam proteção aos filhos, razão pela qual eram inconstitucionais, violando o art. 227 da Constituição da República, que impõe à família, à sociedade e ao Estado a tutela dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Além disso, pai e mãe devem ser tratados pela lei em absoluta igualdade de condições, sob pena de grave violação à Constituição da República, que estabelece a isonomia entre homens e mulheres (art. 5º, inciso I) e entre cônjuges (art. 226, § 5º).
Insistimos na necessidade de nova redação ao dispositivo, que foi acolhida no texto atual: Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
O texto atual também eliminou o dispositivo que atribuía à mãe a prevalência na guarda, no caso de culpas recíprocas.
E, ainda, o texto atual dispõe que “verificando que não devem os filhos permanecer em poder do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica”.
Agravava-se aquela prevalência feminina no Projeto, em sua redação anterior, ao dispor que Se houver sido homologada somente a separação de corpos, o juiz, atendendo às circunstâncias relevantes da vida dos cônjuges e de suas famílias, deferirá a guarda dos filhos preferencialmente à mãe.
Então, presumia o Projeto que a mulher é a pessoa mais adequada, sempre, ao exercício da guarda dos filhos, devendo o juiz fixá-la em seu favor, na homologação de separação de corpos.
E se a mãe não for a pessoa mais adequada ao exercício da guarda dos filhos? Mesmo assim os filhos ficarão sujeitos à guarda materna, enquanto perdurar o procedimento judicial de separação? Por quanto tempo? Certamente muito tempo, em prejuízo dos próprios filhos – crianças e adolescentes.
O filho deve ficar sob a guarda do genitor que melhor proteger seu bem estar – seja mãe ou pai.
Por essa razões, sugerimos a supressão desse dispositivo, em face de sua inconstitucionalidade.
O texto atual do Projeto corrigiu aquela inconstitucionalidade, estabelecendo que “Em sede de medida cautelar de separação de corpos, aplicam-se quanto à guarda dos filhos as disposições do artigo antecedente”, ou seja, aplica-se o princípio da prevalência dos interesses e bem estar do filho.
Em razão da demora inerente à tramitação das ações de separação judicial com pedido unilateral, é previsto na legislação atual (Lei 6.515/77, art. 25) que o prazo de um ano, para sua conversão em divórcio, pode ser contado da medida cautelar correspondente.
O dispositivo constante do Projeto de Código Civil, em sua redação anterior, incidia em lapso evidente, que foi por nós apontado, ao eliminar a medida cautelar como início da contagem daquele prazo.
O texto atual corrigiu aquela falha, fazendo a devida adequação à legislação promulgada durante a tramitação do Projeto de Código Civil, nos seguintes termos: Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.”.
Quanto ao divórcio direto, foi modificada a redação do dispositivo, que previa a conversão da separação de fato por dois anos em divórcio, estabelecendo-se que: O divórcio poderá ser requerido por um ou por ambos os cônjuges, comprovada a separação de fato durante dois anos.
Tanto no divórcio-conversão como no divórcio-direto, foi eliminado o requisito da prévia partilha de bens, já que não há razão para impor-se àquela primeira forma de dissolução do vínculo conjugal um maior rigor do que na segunda, lembrando-se que a Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça considera desnecessária a partilha prévia no divórcio direto.
O Projeto, em sua proposição original, por ter sido votado anteriormente à Constituição Federal de 1988, continha dispositivos que estabeleciam designações discriminatórias e desigualdades entre os filhos. Apontamos essas inconstitucionalidades em “Sugestões ao Projeto de Código Civil – Direito de Família”, antes citadas, RT 730. O Senado Federal já havia corrigido a maior parte dessas desigualdades. No texto atual foram realizadas mais adequações ao princípio constitucional da absoluta igualdade entre os filhos.
Em busca da obtenção da verdade real nas relações de filiação, em adequação ao princípio constitucional da igualdade entre os filhos e ao ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente -, cujo art. 27 prevê que o direito ao reconhecimento da filiação é direito personalíssimo, imprescritível, a ser exercido sem qualquer restrição, consoante nossas sugestões, foi estabelecida a imprescritibilidade da ação contestatória da presumida paternidade no casamento.
Pelas mesmas razões foram suprimidos vários dispositivos que restringiam a possibilidade de alcance da verdade real em relações de filiação, tratando-se de pessoas casadas.
Assim, foi eliminada a vedação ao reconhecimento da maternidade, quando tivesse por fim atribuir à mulher casada filho havido fora do casamento, disposta na redação anterior do Projeto de Código Civil. Diante dessa vedação, contrária aos princípios constitucionais da absoluta igualdade entre homens e mulheres e entre filhos, como observamos anteriormente, uma mulher solteira, que tivesse um filho e não o reconhecesse, não poderia fazê-lo se viesse a casar com pessoa que não fosse o pai de seu filho, o que é patente absurdo.
Do texto atual também consta a supressão de artigo que previa a impossibilidade de contestação da paternidade de filho nascido cento e oitenta dias antes de estabelecida a convivência conjugal, se o marido tinha ciência, antes do casamento, da gravidez da mulher ou se assistira pessoalmente a lavratura de termo de nascimento sem contestar a paternidade.
Também foi suprimido dispositivo que limitava a contestação da paternidade às hipóteses de impossibilidade de coabitação durante o estimado período de fecundação.
Já tendo sido suprimido o vetusto dispositivo que estabelecia como efeito jurídico do casamento a criação da família legítima e a legitimação dos filhos comuns antes dele nascidos ou concebidos, na votação anterior do Senado Federal, esse artigo fora substituído por outro, nos seguintes termos: “o casamento importa o reconhecimento dos filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”.
O reconhecimento de filhos, que, em nossa opinião, não deveria ser presumido pela lei, em razão do casamento, é incabível se o casamento dos pais é posterior à sua concepção ou ao seu nascimento.
Na redação atual, o Projeto de Código Civil suprimiu o dispositivo, acolhendo nossas sugestões.
A união estável, como forma de constituição de família, reconhecida pela Lei Maior, em seu art. 226, § 3º, deixou de ser regulamentada pela lei por longos anos, recebendo apenas a proteção das duas outras formas de expressão do Direito: doutrina e jurisprudência.
Após a Constituição da República, duas Leis (8971, de 29.12.1994 e 9278, de 10.05.1996) passaram a versar sobre a união estável.
A matéria da união estável, que não era tratada na redação original do Projeto de Código Civil, recebeu emenda senatorial, pela qual era estabelecido o prazo de cinco anos para sua existência, reduzido a três anos diante de filho comum.
Como dissemos, em sugestões anteriores, as uniões estáveis formam-se e desenvolvem-se de maneira natural e espontânea (v. Sugestões ao Projeto de Código Civil – Direito de Família, antes referidas, RT 730), de modo que não deve ser estabelecido prazo para que passe a gerar efeitos jurídicos.
Relações estáveis, com a formação de família e patrimônio comum, podem ocorrer antes do decurso do prazo de cinco anos, que era estabelecido no Projeto. Cabe ao legislador somente estatuir seus requisitos, conforme faz a Lei atual – 9276/96: união duradoura, pública e contínua, com a constituição de família.
O texto atual do Projeto de Código Civil retirou o requisito temporal, adaptando o dispositivo aos pressupostos da legislação vigente, com a seguinte redação: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”.
Pelas regras do Projeto, na redação da referida emenda senatorial, somente haveria união estável se os companheiros não tiverem impedimento matrimonial. Isto significa que as pessoas separadas judicialmente não poderiam constituir união estável.
União estável não pode existir se os conviventes forem casados, eis que haverá, neste caso, a prática de adultério. Mas com a separação judicial deixa de existir a sociedade conjugal, extingui-se o dever de fidelidade, não havendo razão para vedar a produção de efeitos à união estável de pessoas separadas judicialmente, como observamos em sugestões anteriores.
O texto atual do Projeto passou a possibilitar a existência de união estável às pessoas com estado civil de separadas judicialmente.
No entanto, segundo o texto atual, “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1520 (art. 1521 na proposição original), não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato”. Ao mesmo tempo, logo a seguir, o texto atual dispõe que “Poderá ser reconhecida a união estável diante dos efeitos do art. 1581”, artigo este que na proposição original está numerado como art. 1580 e prevê a extinção do dever de fidelidade somente com a separação judicial.
Diante dessa remissão, parece-nos não ser possível a existência de união estável às pessoas casadas, já que o dever de fidelidade conjugal extingue-se somente com a separação judicial.
Caso contrário, estaremos diante de um avanço excessivo, que não se coaduna com o princípio constitucional de proteção à família, já que a situação de uma pessoa casada, que apenas deixe de coabitar com o cônjuge e não regularize seu estado civil, passando a conviver com terceira pessoa, não deve gerar efeitos de união estável, sob pena de haver grave turbação familiar e patrimonial, sem que se possa concluir qual é a relação que deve gerar efeitos e delimitar qual é o patrimônio pertencente ao cônjuge ou ao convivente.
A título de exemplo do que dissemos, imaginemos a seguinte hipótese: uma pessoa casada, no regime da comunhão parcial de bens, que deixe de coabitar com o cônjuge e no dia seguinte passe a conviver com terceira pessoa, realizando a compra de um bem logo após a separação de fato. A quem se comunicaria esse bem? Ao cônjuge ou ao convivente?
Lembramos que o regime de bens, na conformidade do art. 1581 da redação original, não alterada na fase atual, prevê a vigência do regime de bens no casamento até a separação judicial. E recordamos, ainda, que na situação acima apresentada, desde que provada a participação do companheiro na aquisição de bens, em razão da vedação ao enriquecimento ilícito, ficam resguardados os seus direitos, com base nos princípios da sociedade de fato.
Como efeitos da união estável, consoante redação anterior da emenda senatorial, são efeitos pessoais da união estável os deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos, e efeitos patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens, salvo convenção válida em contrário.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO DIREITO DE FAMÍLIA E O PROJETO DE CÓDIGO CIVIL NA FASE ATUAL
Nossa Constituição elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III).
Todos os princípios constitucionais referentes à família, antes analisados, têm vista a preservação da dignidade de seus membros.
Embora as relações familiares tenham conteúdo principalmente afetivo, sua preservação e a preservação de seus membros pelo Direito é indispensável e decorre do princípio da tutela da dignidade da pessoa humana, devendo ter como base a isonomia entre os cônjuges, a igualdade entre os conviventes, a igualdade entre os filhos e a proteção de todas as uniões familiares, oriundas ou não de casamento, que hoje têm a garantia constitucional.
Na família, a dignidade da pessoa humana, em todo o alcance dessa expressão, deve ser assegurada tanto no curso das relações familiares como diante de seu rompimento, cabendo ao Direito oferecer instrumentos para impedir a violação a esse valor maior.
Na conformidade da exposição feita pelo Deputado Ricardo Fiuza – nobre Relator Geral da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, nomeada para proferir Parecer sobre as Emendas do Senado Federal ao Projeto de Código Civil – o Livro de Direito de Família recebeu especial atenção, da qual resultou a formulação de artigos que preservam a dignidade dos membros de uma família.
Observe-se que, uma vez aprovado um novo Código Civil, inclusive durante o período que antecederá a sua entrada em vigor – vacância – poderão ser apresentados novos projetos de lei com a finalidade de inserir dispositivos nesse diploma legal ou alterar artigos dele constantes.
Note-se, ainda, que, se não aprovado o atual Projeto de Código Civil, embora seja possível a apresentação de outro Projeto de Lei, enquanto se aguardar sua tramitação, que não terá curta duração em razão da importância e abrangência do Direito Civil, este relevante ramo do Direito estará sujeito à regulamentação atual, repleta de graves dificuldades de interpretação, já que, evidentemente, o Código Civil em vigor não está adaptado aos novos valores e princípios constitucionais.