O CONTRATO DE COPARENTALIDADE E A FINALIDADE (IR)RESISTÍVEL: A (DES)CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
Esse artigo é de autoria de Danilo Porfírio de Castro Vieira, associado da ADFAS.
Na IX Jornada de Direito Civil, promovida em 19 a 22 maio de 2022, foi proposto o seguinte enunciado sobre artigo 1565 do Código Civil:
É admissível o Acordo de Coparentalidade, fundado no direito ao planejamento familiar, em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
A justificativa do proponente foi a seguinte:
“O ‘Acordo de Coparentalidade” nasce de um consenso mútuo de levar a cabo um projeto parental, sem que haja, necessariamente, um vínculo conjugal entre os envolvidos, tampouco o intuito de constituir família conjugal. Estabelece-se uma corresponsabilização quanto à educação, criação e sustento do menor. (PAMPLONA FILHO, Rodolfo. VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. Coparentalidade: a autonomia privada …). Esses acordos estariam em consonância com o direito ao planejamento familiar, previsto no art. 226, § 7º, da Constituição Federal. Naturalmente, a palavra “casal”, inserida no texto constitucional, deveria ser compreendida na sua visão funcional, que poderia abranger tanto o casamento, a união estável, como também pessoas solteiras que queiram se tornar pais (TEPEDINO, Gustavo. Fundamentos …).
Na coparentalidade, não há qualquer prejuízo à formação psíquica dos filhos, diante do pressuposto de responsabilidade de ambos os pais no processo de criação da prole (FARIAS, Cristiano Chaves de. Da produção independente à coparentalidade….). Assim, verifica-se que a coparentalidade atende ao melhor interesse da criança e do adolescente, bem como ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois apesar de a prole a ser gerada não preencher os critérios da definição clássica de pessoa, ainda assim é merecedora de tutela, por ser valor intrínseco do ser humano (SARLET, Ingo Wolfang…)
A Presidente, Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, e os demais Associados da ADFAS ali presentes, entre os quais: Grace Regina Costa, Laura Souza Lima e Brito e Venceslau Tavares Costa filho, foram contrários a essa proposta de enunciado, o que foi acolhido pelo colegiado da Jornada.
Primeiramente, há um equívoco na proposta em referir-se ao “acordo de coparentalidade”, como um instrumento de planejamento familiar.
O planejamento familiar é, acima de tudo, um planejamento reprodutivo, que dá autonomia a quem quer ter filhos, transformando o espaço familiar em um ambiente de decisões plurais, racionais e razoáveis, primando pela igualdade/comutatividade entre os componentes de uma relação afetiva.
Contrariamente ao que se expôs na justificativa de proposta do enunciado, o planejamento familiar é um conjunto de ações de regulação da fecundidade, que auxiliam as pessoas na prevenção e controle na geração de filhos. Ações comprometidas com os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas, por meio de medidas clínicas, preventivas e educativas, conforme a Lei nº 9.263/1996.
Mesmo na dita era da ressignificação no Direito de Família, o “acordo de coparentalidade” nada tem a ver com o objeto do planejamento familiar. O que há na verdade é uma forma de descaracterizar a união estável com fins patrimoniais, o que é absurdamente contraditório ao modelo “plural, eudemonista, afetivo e despatrimonializado” de família. A coparentalidade é uma monstruosidade oriunda de outra expressão teratológica, a excessiva fluidez da união estável, destituída de imprescindíveis critérios objetivos e sujeita ao império do ato-fato.
A ADFAS considera acertadamente que o tal acordo atenta contra o princípio do direito fundamental da criança, na forma da CF, art. 227. A monoparentalidade dupla poderia afetar a criança, que é pessoa que merece proteção integral.
O contrato de coparentalidade, dispõe do indisponível, a paternidade/maternidade e suas atribuições. Consequentemente os direitos de personalidade de seus filhos. Há a confusão entre conjugalidade e parentalidade.
Por fim, agradeço a ADFAS por fundamentar seu parecer em artigo de minha autoria e replico o trecho exposto no parecer vitorioso:
Especificamente sobre o contrato de coparentalidade, não só há um problema de eficácia, pela natureza das relações jurídicas, mas, no afã de se distanciar da união estável e de seus efeitos patrimoniais (intervivos ou sucessórios) e extrapatrimoniais (como o dever de alimentos), a declaração é inválida, pois busca dispor daquilo que é simplesmente indisponível, intangível e personalíssimo: os direitos e deveres de filiação e o direito de personalidade do filho.
No afã da família eudemonista, na pregação de relações afetivas e despatrimonializadas, o que se observa é o desencantamento e a instrumentalização das relações familiares! Rememorando Axel Honneth, o que se observa é a reificação (coisificação) das relações e de seus agentes, sob a justificativa contraditória e rasa da defesa da dignidade e felicidade O CONTRATO DE COPARENTALIDADE E A FINALIDADE (IR)RESISTÍVEL: A (DES)CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
Danilo Porfírio de Castro Vieira
Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000), mestrado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003), doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2018) e Pós-doutorado em Letras Orientais pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor titular de Relações Internacionais e Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e professor de Direito no Instituto de Direto Público do Distrito Federal (IDP). Tem experiência na área de Teoria Geral do Direito, Direito Civil, Direito Internacional e Filosofia do Direito. Associado da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).