INDENIZAÇÃO NA SEPARAÇÃO E NO DIVÓRCIO

Regina Beatriz Tavares da Silva
 
Antes do casamento terminar, caso ocorra infidelidade ou outra agressão de um dos cônjuges contra o outro, podem surgir danos morais e materiais, o que gera o direito do agredido a buscar a respectiva indenização.
Analisei esse tema em tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP, intitulada “Reparação Civil na Separação e no Divórcio”. Após essa sistematização da aplicação do instituto jurídico da reparação de danos no desfazimento da relação conjugal, os tribunais brasileiros passaram a condenar o marido ou a mulher que descumprem os deveres do casamento.
Com essa tese ficou ultrapassada a ideia de que não caberia a reparação de danos nas relações de família em razão de suas especificidades, ou que a paz familiar seria perturbada se um dos cônjuges tivesse de reparar os danos causados ao outro, ou ainda que a intimidade do casal não poderia ser perturbada pelo Poder Judiciário.
Por imperativo de coerência lógica e sistemática do ordenamento jurídico esse entendimento vetusto praticamente desapareceu porque é a própria violação dos deveres conjugais que perturba a harmonia familiar e não a condenação no pagamento de uma indenização. Ademais, corroborar aquelas ideias antiquadas significaria impedir qualquer ação judicial entre os membros de uma mesma família, como, por exemplo, uma ação de alimentos ou de guarda, já que nestas ações a intimidade das partes também é devassada no processo judicial. Acentue-se que o sigilo processual das ações de família impede o conhecimento público da intimidade familiar, que somente é revelada ao juiz da causa e a outros atores do processo judicial, como os advogados das partes e o promotor de justiça da causa.
O regramento geral do instituto da reparação de danos na separação e no divórcio está previsto no art. 186 do Código Civil segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Não sendo possível a execução forçada dos deveres conjugais, ou seja, obrigar o cônjuge a ser fiel e a respeitar e proteger todos os direitos da personalidade do seu consorte, caso fosse negada a reparação dos danos causados nessas circunstâncias, os deveres conjugais transformar-se-iam em meras recomendações ou faculdades.
Enfatize-se que somente a perda de afeto não gera o dever de quem não ama mais de indenizar e o direito do desamado de receber indenização, sendo indispensável o preenchimento dos requisitos e do fundamento previstos naquela norma geral do Código Civil. Esse é o entendimento do STJ no Recurso Especial n. 922.462/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual “deixar de amar o cônjuge ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito apto a ensejar indenização”. Nessa mesma decisão reconhece-se que “não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que devem ser observadas, destacando-se o dever de fidelidade nas relações conjugais, o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais”.
No mesmo sentido, manifestam-se outros julgadores. Em recurso especial, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, a mulher foi condenada a indenizar o marido, em valor que, atualizado, equivale a R$ 359.957,58. Na conformidade desse acórdão, “o desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados” (Resp nº 742.137/RJ). Veja-se, ainda, recurso especial, de relatoria do Ministro Nilson Naves, pelo qual “se existe um comportamento injurioso na lei brasileira, causando a ruptura do casamento, diante das atitudes dominadoras do marido que provocaram a instabilidade psíquica da mulher, a indenização é cabível” (Resp nº 37051/SP).
Em âmbito estadual o Tribunal de Justiça de São Paulo também acolhe o pensamento de que a violação de dever conjugal pode gerar dever de indenizar, Conforme recurso de apelação, de relatoria do Desembargador Ênio Zuliani, uma vez comprovada a culpa pelo término do casamento, por abuso sexual praticado contra o neto, está justificado o arbitramento de indenização por danos morais à esposa do agressor e avó do agredido (Ap. nº 552.594-4/5-00).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também acolhe a tese. Conforme recurso de apelação, de relatoria do Desembargador Nilson Reis, afirmou-se que “comprovado pelo quadro probatório que o casamento foi desfeito devido ao ciúme doentio do marido, com cenas desagradáveis no local de trabalho da mulher, as quais conduziram a tratamento de depressão na varoa, é cabível o decreto de separação do casal, com a condenação do marido em indenização por dano moral” (Ap. nº 1.0024.05.899601-8/001-1). No mesmo sentido, outros acórdãos do tribunal mineiro.
Passo à análise dos requisitos da condenação em indenização nas relações de família.
O primeiro requisito é a violação de dever conjugal, como a fidelidade, a assistência imaterial e material, o respeito à integridade física e psíquica, à autoestima e à reputação social do consorte.
O segundo requisito é a existência de dano material e/ou moral.
O terceiro requisito é o nexo causal entre a violação do dever conjugal e o dano. Note-se que o nexo causal não é visível ou tangível, resultando de uma operação intelectual de causa e efeito.
Os danos materiais consistem no prejuízo econômico causado pela violação do dever conjugal, composto pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes. O dano moral é usualmente encarado como a dor ou o sofrimento do consorte agredido, mas no seu conceito jurídico, o mais preciso até hoje elaborado, da lavra do saudoso Professor Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por Danos Morais, é entendido como o prejuízo decorrente do fato grave em si mesmo, ou seja da violação de direito da personalidade, como a integridade física e psíquica, a autoestima, a reputação social etc.
A indenização em decorrência dos danos morais é quantificável por meio da verificação das condições econômicas da vítima e do agressor, da repercussão da ofensa no ambiente social, do grau de culpabilidade do agressor, entre outros elementos que orientam o juiz a estabelecer o valor que compensará vítima e desestimulará o ofensor a praticar novas ofensas contra futuros parceiros.
Portanto, é possível que o cônjuge adúltero, por exemplo, venha a ser obrigado a reparar os danos materiais – como gastos com terapias, em valor cujo cálculo é aritmético, assim como os danos morais, que compensarão o sofrimento da vítima e desestimularão o ofensor a novas práticas desse tipo.
Por fim, é necessário avaliar se a violação do dever conjugal ocorreu culposamente, isto é, se decorreu de dolo, negligência, imprudência ou imperícia do infrator. Isso porque estamos diante do que em Direito se denomina responsabilidade civil subjetiva. Isso quer dizer que só haverá direito à reparação dos danos caso haja comportamento culposo do cônjuge que descumpre o dever conjugal. Portanto, se coração partido não gera indenização, a violação de deveres conjugais pode sujeitar o ofensor ao pagamento de indenização ao ofendido.
 
Fonte: O Estado de São Paulo

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