CORTE CHINESA ATRIBUI COMPENSAÇÃO POR SERVIÇOS DOMÉSTICOS EM AÇÃO DE DIVÓRCIO

Por Luís Felipe Rasmuss de Almeida*
Em sequência ao início da vigência do novo Código Civil chinês, uma recente decisão envolvendo Direito de Família proferida pelo juiz Feng Miao da Terceira Divisão[1] da Corte Distrital de Fangshan em Pequim – especializada em matérias civis –, tem sido amplamente divulgada pela mídia local e internacional. Trata-se, em linhas gerais, da concessão de um pedido de indenização à mulher pela realização de “afazeres domésticos” no valor de 50,000 yuan (R$ 42.568,87, na cotação de 26 de fevereiro de 2021), no âmbito de uma ação de divórcio cumulada com pedido de guarda originalmente proposta pelo então marido em outubro de 2020.
De acordo com a mídia local[2], as partes (Sr. Chen e Sra. Wang) casaram-se em 2015, tendo esta relação culminado em um filho. Em julho de 2018, houve a separação de fato das partes, tendo a criança permanecido aos cuidados de sua genitora, a Sra. Wang. O divórcio inicialmente foi pleiteado pelo então marido, Sr. Chen, no ano de 2019, perante a mesma corte distrital, tendo sido formulada a desistência da ação meses depois. No mês de outubro de 2020, foi intentada nova ação pelo então marido, que pleiteou (i) o divórcio; (ii) a guarda do filho menor do casal; e (iii) a divisão da propriedade e débitos comuns do casal. Em sede de reconvenção, a então esposa posicionou-se contra o divórcio, embora a rigor não haja necessidade de concordância, e subsidiariamente requereu que na hipótese da determinação do divórcio, fosse realizada (i) a divisão da propriedade; e (ii) a compensação, pelo então marido, por danos materiais e psicológicos totalizando a quantia de 160,000 yuan (R$ 136.355,23, na cotação de 26 de fevereiro de 2021), considerando que o então marido não participava de atividades domésticas, tampouco na criação do filho.
O julgamento, proferido em primeira instância e ainda passível de apelação, decretou o divórcio, atribuiu a guarda do menor à genitora, Sra. Wang, e em virtude disto determinou o pagamento de pensão alimentícia mensal de 2,000 yuan (R$ 1.673 reais, na cotação de 26 de fevereiro de 2021) à genitora. Em relação à compensação pleiteada pela Sra. Wang, foi atribuída a indenização de 50,000 yuan (R$ 42.568,87, na cotação de 26 de fevereiro de 2021) pelos serviços domésticos realizados durante o período da relação. Na fundamentação, o juiz Feng Miao considerou que estes serviços correspondem a “bens intangíveis” no decorrer da relação, tal como a possibilidade de desenvolvimento individual dos cônjuges.
A previsão de indenização por serviços domésticos realizados não é efetivamente nova no ordenamento jurídico chinês. Anteriormente ao atual Código Civil chinês, a emenda de 2001 à Lei do Casamento de 1980 já previa, em seu artigo 40, a possibilidade de que uma parte pudesse requerer a compensação pelo divórcio e serviços domésticos realizados, desde que houvesse sido celebrado pacto antenupcial neste sentido, indicando o regime de separação de bens. Entretanto, à similaridade do Brasil, a maior parte dos casamentos chineses adota o regime legal próximo – embora não idêntico – ao da comunhão parcial de bens (joint possession)[3], o que tornava a possibilidade de pleito muitas vezes inócua.
O artigo 1.088 do atual Código Civil chinês, por sua vez, prevê expressamente a possibilidade de compensação, no momento do divórcio, ao cônjuge que possui maiores obrigações relacionadas ao cuidado com os filhos e idosos da família, assistência ao outro cônjuge no trabalho, que deverão ser negociados pelas partes e apenas em caso de discordância serão estabelecidos pela corte distrital. Neste sentido, diferentemente da antiga Lei do Casamento, não há restrição ao regime de bens em relação ao qual tal compensação poderia ser pleiteada, de modo que a tendência é a ampliação de julgamentos a serem proferidos com base neste dispositivo.


[1] De acordo com o art. 18 da Lei Orgânica das Cortes do Povo da República Popular da China, as Cortes do Povo (Distritais) podem organizar-se internamente mediante divisões criminais, civis e comerciais/econômicas. A tradução oficial desta lei para o inglês pode ser conferida em: <http://www.npc.gov.cn/zgrdw/englishnpc/Law/2007-12/13/content_1384078.htm>. Acesso em 26/02/2021.
[2] Full-time housewife gets compensation for household labor after divorce, sparks discussions over Chinese women’s status. Disponível em: <https://www.globaltimes.cn/page/202102/1216222.shtml>. Em mandarim, com mais informações: <https://mp.weixin.qq.com/s/rElkHm1WYgnknpmyppYZzA>. Acesso em 26/02/2021.
[3] O artigo 17 da antiga Lei de Casamento chinesa previa a comunhão de salários e bônus, rendas em geral (incluindo decorrentes de propriedade intelectual e produção) e heranças, exceto se expressamente excluída da comunhão em testamento.


*Luís Felipe Rasmuss de Almeida é advogado em São Paulo e Associado da ADFAS.
Contato: luis@rasmuss.com.br

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