CONSTELAÇÃO FAMILIAR SISTÊMICA: O BRASIL COMEÇA A ENXERGAR

Por Verônica A. M. Cezar-Ferreira*

Família é um grupo de pessoas que se relacionam e se influenciam, reciprocamente, formando um todo único. É um lugar de enfrentamento em que os problemas se instalam facilmente e em que as soluções são mais difíceis de serem encontradas. Daí, a importância de nos preocuparmos com todos, quando um evento atinge qualquer de seus membros.

Crises são parte da vida. Uma crise não é mais que a situação em um período de mudança iminente, o ponto em que as coisas poderiam melhorar ou piorar, mas, inevitavelmente, mudarão, assim como o conflito é um vínculo que satisfaz instâncias profundas, que não podem ser preenchidas pela separação física.

Enquanto parte de um processo de mudança inevitável, crises familiares, como a separação, fatalmente trarão desestabilização e desorientação aos parceiros e a sua família.

Os efeitos da separação são distribuídos, injustamente, uma vez que sofrem a interferência das mais diversas variáveis: idade, sexo, tempo de casamento, situação econômica, autoimagem, recursos emocionais, filhos e suas idades, relacionamento com a família extensa e com amigos e recursos da rede social, dentre outras.

Eduardo Cárdenas, ex-juiz de Família portenho, afirma: “Cada processo em uma Vara de Família constitui a manifestação de uma crise”[1]. (t.a.). E, ainda: “O que a família necessita do sistema judicial é uma resposta estruturante frente ao desafio da crise”.

Da maneira como forem superadas essas crises, os indivíduos poderão sair fracassados ou fortalecidos. Esta segunda alternativa supõe mudança na qualidade das relações a partir de uma superação criativa da crise e possibilidade de uma nova equilibração psíquica num estágio de maior desenvolvimento.

A família sofrerá mudanças em sua dinâmica relacional e precisará mudar a qualidade de suas relações. O equilíbrio emocional de seus membros será afetado, as pessoas ficarão fragilizadas, tenderão a regredir, emocionalmente, a infantilizar-se, e seus impulsos tenderão a exacerbar-se.

Frequentemente, os recursos internos da família são insuficientes para enfrentar tão aguda situação. A eles devem aliar-se os recursos da rede social – família extensa, amigos, profissionais e Estado – no sentido de prevenir desastre maior e propiciar o levantamento de novas paredes.

Como propõe Peluso (1997), é tarefa quase desumana esperar que os profissionais do Direito possam compreender o Homem em “estado de sofrimento”, nos conflitos que advêm de sua inserção na família, uma vez que a ninguém é dado ser detentor da verdade absoluta e, uma vez que, para tanto, não bastam delicadeza de espírito e disposição de ânimo, mas há exigência de “preparação intelectual e técnica tão vasta e apurada, que já não entra no cabedal pretensioso de algum jurista solitário”[2].

Pois bem, em passado não muito remoto, o Direito pouca consideração prestava à Psicologia. Apenas a perícia psicológica existia como meio de auxílio à família na Justiça, e, assim mesmo, não levada muito a sério. A partir da Visão Psicojurídica, que introduzimos na área do Direito de Família, o olhar começou a mudar, existindo, hoje vários instrumentos de auxílio, sendo a perícia o principal.

Dentre os vários instrumentos, a maioria bastante útil, surgiu a constelação familiar sistêmica, prática que se diz terapêutica, sem sê-lo, sistêmica, sem sê-lo, e que não traz fundamento científico.

Em 03 de março de 2023, o Conselho Federal de Psicologia emitiu a Nota Técnica nº 1/2023, proibindo os psicólogos brasileiros de aplicar tal prática.

A esse respeito, leia-se o APOIO DA ADFAS À NOTA TÉCNICA DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA SOBRE A CONSTELAÇÃO FAMILIAR SISTÊMICA, no site da Associação.

Agora, em 30 de março pp., a deputada Andrea Werner, de São Paulo, apresentou o PL nº 293/2023, proibindo a prática da constelação familiar no âmbito do Estado de São Paulo com base na determinação do CFP, explicitando no

Artigo 1º – Fica proibida a prática da Constelação Familiar nos órgãos públicos de: saúde, educação, assistência social e administração pública, bem como nos demais órgãos não especificados do Legislativo, Executivo e Judiciário no âmbito do Estado de São Paulo.[3]

E diz em sua Justificativa:

A compreensão de família na Constelação Familiar é assentada na naturalização do vínculo biológico, sem considerar aspectos históricos, sociais e políticos que compõem as famílias, possuindo enquanto fundamento teórico o uso da violência como mecanismo para restabelecimento de hierarquia violada, inclusive atribuindo a meninas e mulheres a responsabilidade pela violência sofrida. A responsabilidade de atuar na prevenção, atenção e punição dos atos praticados com violência de gênero contra as mulheres é dever exclusivo do Estado que não pode privatizar suas atribuições para soluções “domésticas” e curandeiras como adotadas pela prática de Constelação Familiar”.

No Judiciário, são incontáveis as situações de respostas desestruturantes frente ao desafio da crise e de afronta à dignidade humana provocadas por tais procedimentos.

É momento, parece-nos, de o Conselho Nacional de Justiça atentar para o desserviço ou serviço pernicioso dessa prática, e impedir seu uso pelo Judiciário nacional.

A ADFAS – Associação de Direito de Família e das Sucessões – apoia o Projeto de Lei n º 293/23 da ALESP.

O Brasil está abrindo os olhos! O Brasil começa a enxergar!

 

[1]   Cárdenas, Eduardo. J. – Crisis Familiares: Un modelo experimentado de abordaje ecologico y transdisciplinario en un Jusgado de Família de la Ciudad de Buenos Aires. p.3.

[2] Peluso, Antonio C. – Apresentação, in Direito de Família e Ciências Humanas. Caderno nº 1 p.7.

[3] https://www.al.sp.gov.br/spl/2023/03/Propositura/1000485548_1000622831_Propositura.pdf

 

* Diretora Nacional de Relações Interdisciplinares da ADFAS. Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Professora da Escola Paulista Magistratura (EPM) e da PUC/SP. Psicoterapeuta individual, de casal e de família. Mediadora, perita e consultora psicojurídica de família. Advogada e Psicóloga.

Fale conosco
Send via WhatsApp