Associação de Direito de Família e das Sucessões

A MORALIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL

Regina Beatriz Tavares da Silva

SÃO PAULO – A união estável, desde 1988, é reconhecida pela Constituição Federal como uma entidade familiar (art. 226, § 3º).

Esse reconhecimento constitucional foi devido à evolução da nossa jurisprudência, que atendeu às necessidades sociais.

Há muitos anos a relação familiar entre um homem e uma mulher, mesmo sem celebração de casamento civil, por ser aceita socialmente, passou a ser protegida nas decisões judiciais.

As duas leis que regulamentaram a união estável após a Constituição Federal – Lei 8971/94 e Lei 9278/96 – embora tenham demonstrado preocupação na atribuição de direitos aos companheiros, esqueceram-se de que essa relação deveria receber da lei a moralização que exigem todas as relações de família.

Até o advento do novo Código Civil, não havia relação de parentesco civil entre os parentes de um dos companheiros e a sua companheira, ou vice-versa.

Por outras palavras, embora social e moralmente, já se entendesse que a mãe da companheira era sogra do companheiro, que a filha de uma mulher era enteada de seu companheiro, a lei nada estabelecia a respeito.

Somente no casamento civil existia essa relação de parentesco, chamado parentesco por afinidade, trazendo o impedimento de que a sogra se casasse com o genro ou o padrasto se casasse com a enteada (Código Civil de 1916, artigos 334, 335 e 183, II).

Assim, se dissolvido o casamento que havia gerado aquele tipo de parentesco, a sogra não poderia casar-se com o genro, o padrasto não poderia casar-se com a enteada, mas poderiam eles viver em união estável.

Lembremos de caso em que, segundo divulgou a imprensa há alguns anos, Wood Allen passou a relacionar-se com a filha adotiva de Mia Farrow, sua esposa.

No Brasil, antes do novo Código Civil, se Wood Allen tivesse sido casado com Mia Farrow, ele e a enteada de sua ex-esposa não poderiam casar-se civilmente, mas poderiam viver em união estável.

Ainda, em nosso país, se a relação de Wood Allen e Mia Farrow tivesse sido de união estável, ele poderia não só viver em união estável como, ainda, casar-se civilmente com a filha da ex-companheira.

Lembro-me de que, como noticiou programa dominical televisivo, uma sogra queria casar-se com o genro, sendo que a solução apresentada, de acordo com a legislação da época, foi a seguinte: vivam em união estável.

Tal solução era aquela que realmente existia em face da lamentável omissão da legislação anterior.

E a Constituição Federal ainda elevaria tais relações, social e moralmente reprováveis, ao patamar de entidade familiar, por grave omissão das leis que vigoravam antes do advento do novo Código Civil.

Ao verificar que o Projeto do atual Código Civil não alterava esse quadro, social e moralmente inaceitável, realizei sugestão legislativa, que foi adotada na fase final de sua tramitação, com a modificação do art. 1.595, caput, desse diploma legal, nos seguintes termos: “Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade”. Assim, o companheiro foi inserido nesse artigo 1595, dispondo os seus parágrafos 1º e 2º que “O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro” e “Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável”. Essas alterações estão detalhadas nos comentários que realizei aos artigos citados no Novo Código Civil Comentado, coord. Ricardo Fiuza, São Paulo: Saraiva.

Desse modo, os parentes afins em linha reta – sogro e nora, sogra e genro, padrasto e enteada, madrasta e enteado – passaram a existir juridicamente na união estável, ficando impedidos não só de casar, mas, também, de conviver numa união estável, conforme dispõem o artigo 1.521, II e o artigo 1.723, § 1, do novo Código Civil (v. Washington de Barros Monteiro: Curso de Direito Civil, v. 2: direito de família, 37ª ed. revista e atualizada por Regina Beatriz Tavares da Silva, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 298).

Em suma, passaram a existir, no plano jurídico, as figuras dos sogros, das noras, das sogras, dos genros, dos padrastos, das enteadas, das madrastas e dos enteados.

Os padrões morais devem inspirar as leis e os julgados sobre as relações familiares.

Agora, sim, o Direito deu as mãos à Moral na matéria exposta.

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