STJ RECHAÇA, MAIS UMA VEZ, AS UNIÕES PARALELAS

Mais um acórdão do Superior Tribunal de Justiça reconhece a impossibilidade de atribuição de efeitos de direito de família a relações paralelas ou simultâneas, que são as relações extraconjugais. O recurso é da Relatoria da Ministra Isabel Gallotti e foi divulgado pelo STJ em 11 de dezembro.
Não se trata de caso isolado, já que amantes têm pleiteado os mesmos direitos dos cônjuges no Poder Judiciário, ou seja, querem receber pensão alimentícia, bens em partilha e até mesmo indenização quando a relação de mancebia termina. O STJ já julgou inúmeros recursos rechaçando tais pleitos contrários ao ordenamento jurídico brasileiro.
Certamente aos olhos dos leitores esses pleitos não têm o menor cabimento, no que estão com toda a razão.
E estariam a perguntar como um amante ou uma amante tem o desplante de promover uma ação judicial para buscar direitos similares aos das pessoas casadas.
Lastimavelmente, há quem defenda a equiparação entre as relações de casamento e as relações de mancebia, contrariando o pensamento da sociedade brasileira. E o atrevimento dessa “doutrina” chegou ao ponto de propor Projeto de Lei, que tramita no Senado Federal, para que os amantes tenham direito à pensão alimentícia e à indenização por danos morais e materiais, denominando esse projeto de “Estatuto das Famílias” (PLS n. 470/13).
Esse projeto tem a desfaçatez de pretender revogar toda a regulamentação do direito de família que vigora no Código Civil, cujas normas preveem que somente quando houver total afastamento entre os cônjuges, ou seja, separação de fato, é possível a constituição de uma relação familiar com outra pessoa, com a atribuição dos direitos de pensão alimentícia, divisão de patrimônio comum e indenização. É o que dispõe o art. 1.723, § 1º, do Código Civil: somente diante de comprovada inexistência de comunhão de vidas no casamento, é possível reconhecer a união estável de pessoa com estado civil de casado.
Aquelas ideias, por óbvio, incentivam os amantes a pleitear direitos de família no Poder Judiciário.
No recurso em tela, julgado pelo STJ, a ação foi promovida por uma mulher, residente na cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, que pretende o reconhecimento de união estável com um homem casado. O demandado defendeu-se, dizendo que mantinha, na época, a comunhão de vidas no seu casamento, estabelecido no Ceará, na cidade de Fortaleza, e que a relação com aquela mulher era de adultério.
Como bem decidido no acórdão, o reconhecimento de união estável de pessoa casada depende da comprovação da inexistência da comunhão de vidas no casamento, ou seja, da existência de separação de fato, sendo indispensável, por isso, o exercício da ampla defesa por parte do cônjuge na ação em que se pretende aquele reconhecimento.
Assim, o julgado recorrido, oriundo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que reconhecera a união estável e atribuíra à autora da ação direitos sobre um imóvel adquirido pelo demandado enquanto ainda era casado, foi anulado pela falta de citação da esposa, à qual deve ser preservado o direito de comprovar a convivência matrimonial, tendo em vista o seu direito patrimonial sobre os bens adquiridos no curso do casamento.
Embora a decisão do STJ esteja relacionada a matéria processual, a mensagem da Corte Superior é clara: o art. 1.723, do Código Civil, está em pleno vigor, porque o reconhecimento da união estável depende da inexistência de comunhão de vidas no casamento. Aliás é de evidência solar que não há como constituir família concorrentemente a um casamento em que haja comunhão de vidas.
Com esse julgado, o STJ descarta, novamente, o reconhecimento de uniões estáveis paralelas a um casamento. A união estável não pode ser confundida com adultério, ainda que duradouro, sob pena de desvirtuamento do instituto.
A união estável, assim como o casamento, tem natureza monogâmica, sendo incabível o reconhecimento de duas uniões familiares concomitantes. A própria Constituição, no art. 226, § 3º, estabelece o requisito da monogamia para as uniões estáveis, ao determinar que ela pode existir somente entre duas pessoas.
Anote-se que o Código Civil, no art. 1.727, apresenta nomenclatura própria para as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar e que não estejam separados de fato: trata-se de “concubinato”, que não recebe a proteção do direito de família. Quando muito, diante de comprovada e direta contribuição financeira ou laboral, o concubinato pode ser considerado sociedade de fato, com efeitos do direito das obrigações e não do direito de família, para fins de vedação ao enriquecimento ilícito.
O legislador não cria essas diferenciações por acaso, mas em virtude dos costumes, da moralidade pública e de uma constelação de princípios importantíssimos, como a segurança jurídica e a autonomia da vontade.
Com essa decisão, felizmente o STJ reafirma a importância de respeitar as normas vigentes sobre direito de família, que estão de acordo com o pensamento social.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.
Publicação original: Blog do Fausto Macedo – Estado de São Paulo (13/12/2017).

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