SEPARAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL: A RETOMADA DE ARGUMENTOS FALSOS

Regina Beatriz Tavares da Silva
 
No artigo desta semana voltarei a um tema de suma importância diante das reiteradas tentativas de falsos progressistas de iludir e desinformar a sociedade. Tratarei da manutenção do instituto da separação no direito brasileiro como uma das formas de dissolução conjugal.
A Emenda Constitucional n. 66 de 14 de julho de 2010, alterando a Constituição Federal, eliminou o prazo de um ano que era imposto para a conversão da separação em divórcio. O que é preciso enfatizar, no entanto, é que referida emenda constitucional, como nos parece óbvio, não extinguiu a separação do direito brasileiro, tendo apenas eliminado referido prazo.
Entender que a separação estaria extinta simplesmente pela eliminação da palavra “separação” do texto constitucional significaria entender, igualmente que a separação de fato também estaria excluída de nosso direito, o que, por óbvio, é insustentável.
Importante mencionar que a separação continua regulada pelo Código Civil e, agora, também pelo Novo Código de Processo Civil, que em vários dispositivos previu a separação, graças ao meu trabalho, dando o legislador sinais claros de sua intenção de manter o instituto em nosso direito. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a manutenção do instituto da separação em nosso direito em acórdão de relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrighi.
Em âmbito doutrinário, além de consagrados autores, como Rosa e Nelson Nery, e Yussef Said Cahali, diversos enunciados da V Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) também entenderam subsistir, no sistema jurídico nacional, o instituto da separação.
Tampouco é possível argumentar, como fazem alguns, que a eliminação da separação traria maior responsabilidade para os cônjuges ao afastar desta seara conjugal a atuação do Estado. Muito pelo contrário, a supressão da separação traria a total irresponsabilidade dos cônjuges ao transformar os deveres conjugais em meras faculdades, ao arrepio do Direito brasileiro, sem qualquer sanção pelo seu descumprimento.
Como afirma José Antônio Saraiva, o Estado deve dar sinais claros e corretos à sociedade. Indicar que os cônjuges podem violar os direitos conjugais a seu bel prazer sem que isso lhes imponha qualquer consequência é sinalizar a favor da irresponsabilidade, o que não é adequado.
Diante do que foi aqui sucintamente exposto, não é possível afirmar, como pretendem alguns, que a defesa da manutenção da separação no direito brasileiro seria uma atitude de caráter religioso. Mas não bastasse isso, mencione-se, ainda, que, ao contrário do que se afirma, a manutenção da separação é consequência, justamente, da laicidade do Estado e não o contrário.
O Brasil, desde a Constituição Republicana de 1891 possui a laicidade como princípio constitucional. A laicidade impõe a separação entre a Igreja e o Estado e, portanto, reconhece o direito de todos à liberdade de religião, de consciência e de culto e à igualdade em matéria de crença.
O laicismo, por outro lado, é a ideologia anticlerical que preconiza o desprezo ou ignorância por tudo que seja religioso, o que gera, no limite, a efetiva destruição ou mitigação do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença. O laicismo, ao combater ao invés de conviver com as mais diversas religiões, nega o pluralismo.
É incompatível com o Estado Democrático de Direito e, portanto, com a Constituição Federal, a imposição do laicismo e, consequentemente, da supressão do instituto da separação do ordenamento jurídico nacional.
O direito à liberdade de consciência, crença religiosa, convicção filosófica ou política e escusa de consciência está consagrado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, incisos VI e VIII.
A eliminação da separação importaria em violação a esse direito fundamental, já que há religiosos que não admitem o divórcio e somente podem regularizar seu estado civil pela separação que não dissolve o vínculo conjugal.
Como já afirmei em outra oportunidade, a prevalecer a tese da supressão da separação, uma de duas situações ocorreria. Numa, o cônjuge que professa religião que não admite o divórcio se divorciaria e ficaria irregular perante sua crença, privado, assim, do livre exercício religioso. Noutra, o cônjuge que professa essa religião manter se ia sempre em separação meramente de fato e estaria irregular perante o Estado, vivendo em situação híbrida, que nunca é recomendável.
Diante deste quadro, pergunta-se: o que pretendem aqueles falsos progressistas ao interpretarem de forma equivocada a mencionada emenda constitucional? Qual o motivo de tamanho esforço para a eliminação da separação de nosso direito? Seria mero preconceito com o instituto da separação? Quem é prejudicado com a manutenção da separação em nosso ordenamento jurídico ao lado do divórcio?
O real objetivo desses engodos que alguns pretendem realizar é eliminar as sanções pelo descumprimento dos deveres conjugais, pois no Código Civil, em princípio, somente na separação cabem pedidos cumulados de aplicação das sanções pelo descumprimento de tais deveres. Por óbvio, tais deveres, como o próprio nome já indica, não são meras faculdades ou recomendações e sua violação deve acarretar a imposição de sanções, quais sejam: a perda do direito à pensão alimentícia plena, a perda do direito de utilização do nome do cônjuge e, se houver dano, seja moral, seja material, a imposição de indenização.
São óbvias, até aos leigos em direito, as respostas paras as perguntas a seguir enunciadas. É justo que o cônjuge traído tenha que pagar pensão plena ao cônjuge infiel durante o processo e após, sabendo que essa verba irá servir, muito ou pouco, para gastos com o/a amante? É justo que uma mulher que sustenta a casa pague pensão plena ao cônjuge agressor, sabendo-se, ademais, que é na parcela menos favorecida da população que se encontra nas mãos das mulheres o sustento do lar e é essas famílias onde residem os maiores índices de violência doméstica? É justo que o cônjuge que maltrata os filhos tenha direito à pensão alimentícia, sem ficar com as guarda das crianças em caso de dissolução conjugal?
É de evidência solar que a resposta para todas estas perguntas deve ser negativa, mas a prevalecer a tese da supressão da separação, todas essas situações podem vir a ocorrer.
Portanto, muito embora aqueles falsos progressistas pretendam, com argumentos falaciosos, a supressão da separação de nosso direito, afirmando que sua manutenção seria atitude conservadora e religiosa, o que ocorre é exatamente o contrário. O instituto da separação é plenamente consentâneo à concepção laica de Estado consagrada pela Constituição Federal de 1988, concepção esta que respeita o direito fundamental à liberdade de consciência e de crença, estando, ainda, respaldada pela melhor doutrina e pela jurisprudência de nossos tribunais.
 
Fonte: O Estado de São Paulo

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