Sentença como sentimento: ruína do Direito e caos na sociedade
Professores expressivos em nosso País manifestam-se contra a destruição do Direito que está sendo realizada pela ideia de que sentença é sentimento e não acatamento das normas legais. Se a sentença é proferida com base em sentimentos e não com fundamento no ordenamento jurídico, o caos se instala na nossa sociedade.
O jurista Lênio Luiz Streck salienta: “E quando o professor abriu a palestra dizendo “sentença vem de ‘sentir’ e foi aplaudido de pé, o império do Direito já ruíra. De há muito.”.
E o jurista Ives Gandra da Silva Martins, expressamente no que se refere à Corte Suprema, enfatiza o seguinte: “como operador do Direito há quase 60 anos, não me habituo ao atual protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF), cujos ministros, reconhecidamente eminentes juristas, em vez de “guardiões da Constituição” (artigo 102), não poucas vezes a alteram, criando novas normas”, lembrando que não cabe ao STF criar normas ou legislar, mas, sim, interpretar e aplicar as normas legais brasileiras.
O caos se instalará por meio do Recurso Extraordinário nº 878.694, cuja continuidade do julgamento está pautada para 30/03/2017, se os 4 Ministros que ainda não votaram – Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello – seguirem o voto do Relator – Ministro Luís Roberto Barroso – e se os Ministros que já proferiram seus votos seguindo o Relator – Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia – não mudarem seus entendimentos. Espera-se que pelo menos 2 dos Ministros que já votaram mudem seus posicionamentos, lembrando que o Ministro Alexandre de Moraes não votará no lugar do Ministro Teori Zavascki, porque o voto de Ministro falecido, segundo o Regimento do STF, é imutável.
O alerta é geral, a população toda será prejudicada, porque realmente, embora seja um paradoxo, o tal afeto em que se baseou o Ministro Roberto Barroso, Relator naquele Recurso, acabará com o afeto nas relações entre duas pessoas que queiram constituir uma união estável sem os mesmos efeitos sucessórios do casamento.
Nenhuma pessoa, com patrimônio e algum bom senso, viverá uma relação afetiva diante do seguinte dictamen que passará a vigorar se forem equiparados os efeitos da união estável aos do casamento: em seu falecimento, o seu companheiro/a fará jus ao seu patrimônio, dividindo-o com os filhos, inclusive os exclusivos, do morto, ou, na ausência destes, com os pais do falecido.
E, recordemos, esses direitos estão na pauta do STF quando uma relação de união estável tem natureza, via de regra, duvidosa nos processos judiciais, já que pode existir até mesmo se as duas pessoas vivem em casas separadas e há alguns meses, porque a lei não estabelece o requisito da convivência sob o mesmo teto e tampouco um prazo mínimo de duração para que se considere a existência de entidade familiar.
Isto quer dizer o seguinte: namorados poderão concorrer na herança do falecido com os filhos exclusivos deste; supostos companheiros com algum tempo de relação afetiva poderão concorrer com os pais do falecido; supostos conviventes estarão à frente dos parentes colaterais, ou irmãos, na herança do falecido.
E, para piorar, quem tem patrimônio e vier a ser alertado desses efeitos sucessórios indesejados, ao realizar testamento, terá de reservar 50% dos seus bens para a legítima do suposto companheiro.
Caos efetivamente, pessoas evitando as relações próximas e tão saudáveis aos seres humanos. Isto em razão da confusão que tem sido realizada entre afeto como sentimento e afeto como valor jurídico no direito de família. Isto porque as sentenças ou ditames, segundo um pensamento turvo, passaram a ser sentimentos e deixaram de ser decisões fundamentadas nas formas seguras de expressão do Direito.
Nem mesmo no Supremo Tribunal Federal, aliás, muito menos nessa Corte Superior, os ditames poderiam em nosso ordenamento jurídico desacatar ou violar a Lei Maior, que é a principal e mais segura forma de expressão do Direito. É o que será feito se o STF equiparar os efeitos da união estável aos do casamento, porque a Constituição Federal não manda igualar tais efeitos, muito ao contrário! Em dois artigos que escrevi para este mesmo blog (disponíveis aqui e aqui) examinei com profundidade este tema.
A única opção para quem não quiser que os bens que amealhou com muito esforço durante toda a sua vida não sejam destinados ao suposto companheiro será a seguinte: rompa essa relação afetiva logo no início, ou, se já existente e consolidada, rompa antes de morrer, para evitar esses efeitos sucessórios.
Ruína do afeto, ruína do Direito, ruína das pessoas, por meio de uma equiparação única no mundo, já que nos outros países, como a vizinha Argentina, o irmão Portugal e outros tantos países, a união estável não tem nem mesmo os efeitos patrimoniais que aqui no Brasil existem na dissolução da relação em vida, muito menos na dissolução por morte, afinal o morto sequer poderá reagir e defender-se num processo de inventário, terá de olhar de onde estiver para a Terra e apenas lastimar.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.