O STF JULGA QUE AMANTES NÃO TÊM DIREITO À PENSÃO PREVIDENCIÁRIA: A TESE PROPOSTA PELO MINISTRO RELATOR ALEXANDRE DE MORAES

Por Regina Beatriz Tavares da Silva [1], originalmente publicado no Migalhas

1.Entenda o caso

O plenário virtual do STF concluiu pela impossibilidade de reconhecimento de Direitos Previdenciários ao concubinato no Recurso Extraordinário (RE) 1.045.273/SE, por 6 votos a 5.

A maioria, formada pelos ministros Alexandre de Moraes, relator, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e Luiz Fux, firmou-se no sentido da prevalência da monogamia e da vedação legal ao reconhecimento de duas entidades familiares simultâneas. Não predominou a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin, seguida pelos Ministros Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Marco Aurélio.

O julgamento, que teve início em 25/9/19, foi suspenso por pedido de vista formulado pelo Ministro Dias Toffoli, tendo sido concluído em dezembro de 2020, por meio de sessão virtual.

2. O tema de repercussão geral na decisão relatada pelo ministro Ayres Brito no RE 1.045.273/SE

A decisão relatada pelo Ministro Ayres Brito, quando da atribuição de repercussão geral, teve a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. UNIÕES ESTÁVEIS CONCOMITANTES. PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS DISCUTIDAS.

Possuem repercussão geral as questões constitucionais alusivas à possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável homoafetiva e à possibilidade de reconhecimento jurídico de uniões estáveis concomitantes. (STF, Pleno, ARE 656.298-SE, Rel. Min. Ayres Britto, j. 01.03.2012).

Daí adveio o tema 529: “Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte”, no RE 1.045.273/SE.

No entanto, o debate não poderia versar sobre o reconhecimento de união estável entre duas pessoas do mesmo gênero, em razão do posicionamento que o STF já assumiu anteriormente ao incluir os casais homossexuais na interpretação do art. 1.723, caput do Código Civil, que regula a união estável. O STF já havia reconhecido, em 5 de maio de 2011, que dois homens ou duas mulheres podem viver em união estável, constituindo entidade familiar, desde que essa relação seja monogâmica, conforme acórdãos proferidos na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ e na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4.722/DF.

Da redação do tema 529 partiram as distorções do tema efetivamente em pauta. Isto porque foram colocados os holofotes sobre um tema muito sensível, que conta com o apoio da sociedade brasileira, que é o reconhecimento das uniões homoafetivas como uniões estáveis.

A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) ingressou como amicus curiae nesse Recurso Extraordinário, quando esclareceu que o tema em discussão não versava sobre as uniões estáveis entre duas pessoas do mesmo gênero, mas, sim, sobre o reconhecimento ou não de direitos previdenciários numa relação de concubinato, popularmente chamada de relação entre amantes.

3. O voto do relator ministro Alexandre de Moraes

O ministro relator salientou, logo no início de seu voto, que a matéria do reconhecimento de entidades familiares formadas por pessoas de mesmo gênero já estava pacificada pela Suprema Corte e, portanto, não caberia novo debate. Frisou, em seu elogiável voto, que o STF, na ADPF 132/RJ e na ADIn 4.722/DF “não chancelou a possibilidade de bigamia, mas sim conferiu a plena igualdade, independentemente da orientação sexual”.

Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes:

“A questão constitucional a ser decidida está restrita à possibilidade de reconhecimento, pelo Estado, da coexistência de duas uniões estáveis paralelas e o consequente rateio da pensão por morte entre os companheiros sobreviventes, independentemente de serem hétero ou homoafetivas.”

É, portanto, de clareza solar que o Recurso versou sobre matéria que se apoia no Direito de Família, embora tenha repercussão no Direito Previdenciário. Não se trata de questão simplesmente previdenciária, como quis fazer crer a divergência. Ainda que autônomos, o Direito Previdenciário e o Direito de Família dialogam entre si, de forma que é impossível concluir pela inclusão de concubino como beneficiário de pensão post mortem, justamente porque a união estável, assim como o casamento, é regida pelo princípio da monogamia, conforme reafirmado pelo Relator em seu magistral voto.

Assim, destacou o ministro que pouco importa a longevidade da relação de mancebia, pois tanto o STF quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm reafirmado o teor da legislação constitucional e infraconstitucional, que veda o reconhecimento de relacionamentos simultâneos para os fins de Direito (RE 397.762, j. em 3/6/2008; RE 590.779, j. em 10/2/2009, ambos de Relatoria do Ministro Marco Aurélio).

Após ter traçado o panorama jurisprudencial da Corte, o ministro relator relembra o percurso histórico da união estável que ganhou status de entidade familiar com a Constituição Federal de 1988, tendo em vista que o preconceito e a discriminação a esta forma de constituição de família “não mais faziam sentido frente à evolução da mentalidade social”. Conclui que o legislador optou por facilitar a legalização desse vínculo afetivo entre conviventes que, “livre de qualquer obstáculo”, consiste em “casamento de fato ou presumido, dependente somente da manifestação de vontades do casal para ser convertido em casamento civil.”

A união estável é, portanto, entidade caracterizada pela “aparência conjugal”, que deverá ser confirmada pelo preenchimento de pressupostos objetivos, uma vez que, ao contrário do casamento, não se constitui por ato solene, mas por fato da vida.

Atualmente, destaca o Ministro, a união estável apenas será reconhecida como tal se atendidas as disposições dos artigos 1.723, 1.724, 1.725 e 1.726 do Código Civil, constatando, dessa maneira, que, “em determinadas situações, a união não pode ser considerada estável, mas, sim, concubinato, quando houver causas impeditivas ao casamento, previstas no art. 1.521 do Código Civil.”

Repisa que subsiste no ordenamento jurídico brasileiro o ideal monogâmico, que permeia ambas as formas de constituição de família, sopesando que, em que pese a palavra “fidelidade” conste expressamente apenas dentre os deveres do casamento, a união estável rege-se pela lealdade que, nas palavras do eminente Ministro, “se traduz em compromisso de fidelidade sexual e afetiva durante toda a união, conceito mais abrangente que a fidelidade civil”, relembrando, ainda, que a fidelidade sempre foi a “principal obrigação recíproca entre os conviventes”.

Desta feita, conclui que deve prevalecer o princípio constitucional da monogamia e o dever de fidelidade, seja em casamento, seja em união estável, propondo a seguinte tese:

“A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, §1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.

4. Comentários à tese proposta pelo ministro relator Alexandre de Moraes

Logo em primeira leitura, salta aos olhos a clareza com que o ministro Alexandre de Moraes consagra os reais ideais que regem as entidades familiares brasileiras: a monogamia e a fidelidade.

Exceção considerada aos casos em que o cônjuge se achar separado de fato ou judicialmente, ou, ainda divorciado, visto que, dessa forma, já não mais subsiste a comunhão de vidas que mantinha aquela entidade familiar formada pelo casamento, ou o companheiro tiver desfeito a sua união estável, é impossível o reconhecimento de relacionamento simultâneo a gerar direitos, inclusive previdenciários, pois que são corolários do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro a monogamia e a fidelidade, frise-se.

Salutar a tese proposta pelo eminente ministro, que, por certo, haverá de impedir que novos imbróglios, inclusive em processos judiciais, sejam criados em detrimento da real família brasileira, que é aquela que a sociedade brasileira reconhece. A sociedade brasileira não reconhece o concubinato ou relação entre amantes, ainda que seja de longa duração, como relação familiar. Não haverá mais que falar em atribuição indevida de direitos a relacionamentos paralelos.

[1] Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sócia fundadora e titular do escritório de advocacia Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.

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