O DANO MORAL NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Por Regina Beatriz Tavares da Silva*
Em artigo que escrevi para este blog, comentei que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estava por decidir se, nos casos de violência doméstica contra a mulher, poderia ser fixada indenização mínima por danos morais, sem a necessidade de sua comprovação, ou seja, sem a produção de provas sobre o sofrimento que a violência causou na vítima.
Conforme esclareci naquele artigo, o Relator, Ministro Rogério Schietti Cruz, do Recurso 1.675.874 – MS, já havia proferido o seu voto no sentido de que, nos casos de violência contra a mulher praticada no âmbito doméstico, a indenização por dano moral prevista pelo art. 387, IV, do Código de Processo Penal independe de prova do prejuízo sofrido, havendo necessidade, apenas, de pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia.
Neste último mês de março, a Terceira Seção do STJ, em decisão unânime, acompanhou o entendimento do Relator e estabeleceu a tese, fixada sob o rito dos recursos repetitivos (tema 983), que orientará os tribunais de todo o país no julgamento de casos de violência doméstica. Segundo essa tese: “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não indicada a quantia, e independentemente de instrução probatória específica.”
Conforme o art. 387, IV do Código de Processo Penal, o Juízo Criminal, na sentença de condenação, seja por violência doméstica ou outros crimes, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Mas esse artigo não esclarece se, por ser mínimo, o dano independe de sua comprovação.
De acordo com a decisão do STJ, o dano moral na violência doméstica passa a ser tido como presumido, ou seja, dispensa a prova do sofrimento da vítima para ser fixado em patamar mínimo pelo Juiz da Vara Criminal, desde que a vítima tenha realizado o pedido indenizatório. Isso porque, na violência doméstica, o dano moral decorre de um fato grave e objetivo, que é a violação aos direitos da personalidade da vítima, entre os quais estão a sua integridade física e psíquica.
Caso a vítima não se sinta compensada pelo valor mínimo da indenização fixado pelo Juízo Criminal, como observa a decisão do STJ, é possível promover pedido complementar em Juízo Cível, que é a sede própria para a instrução probatória dos parâmetros da fixação da indenização por dano moral compatível com as condições econômicas da vítima e as do agressor, o grau de sua culpa e a repercussão da ofensa.
E a razão é a seguinte: sem a demonstração no processo criminal desses parâmetros que balizam o valor da indenização por dano moral, efetivamente não há como estabelecer um valor indenizatório que efetivamente compense a vítima do seu sofrimento e desestimule o ofensor em relação à prática de outros atos semelhantes. Por isto o valor da indenização será mínimo, por não haver elementos para quantificá-lo de outra maneira no processo criminal.
Deve-se ter cuidado, contudo, para que não se interprete equivocadamente o posicionamento do STJ. Da desnecessidade de instrução probatória para o estabelecimento do quantum indenizatório mínimo no Juízo Criminal não resulta que a própria violência doméstica dispense comprovação. Ao contrário, para que a vítima faça jus à indenização e para que o infrator seja condenado, é imprescindível que seja comprovada a existência da violência doméstica.
Os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil permanecem os mesmos, na conformidade do art. 186 do Código Civil, que norteia o instituto da reparação de danos: ação que viola um direito (a violência doméstica, que precisa ser provada) e dano (se for moral, ou seja, se a vítima quiser indenização pela humilhação, constrangimento ou sofrimento, será presumido, resultando do fato em si, devendo ser comprovados os elementos de sua quantificação para que a indenização não seja apenas mínima).
Além de aplicar a doutrina civilista a respeito do dano moral defendida pelo saudoso Professor Carlos Alberto Bittar (obra Reparação civil por danos morais), de que o dano moral surge do fato em si, da própria violência doméstica, devendo ser presumida a sua existência, o grande mérito da decisão do STJ é fornecer ao Poder Judiciário mais um instrumento de combate à prática de violência doméstica.
*Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (05/04/2018)
Imagem: Unsplash