O CÓDIGO CIVIL E O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E SUCESSÓRIO
Apesar de o dispositivo legal limitar o poder familiar do pai e da mãe somente no que se refere a bens imóveis, os nossos tribunais já reconheceram, em casos com diversas especificidades, que tal regra também se aplica quanto à venda de outros bens, como veículos e participações societárias
Luís Eduardo Tavares dos Santos, Associado ADFAS, trata do impacto das mudanças no Código Civil no planejamento patrimonial e sucessório. No Blog do Fausto Macedo, no Jornal Estado de São Paulo, o articulista analisa as restrições legais sobre a gestão pelos pais dos bens pertencentes aos filhos menores de idade.
O Código Civil em vigor (artigo 1.691) estabelece que o pai e a mãe não podem, sem autorização do juiz, alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, como uma casa, um apartamento, um conjunto comercial, um galpão e uma fazenda, dos filhos menores de 18 anos. A norma visa proteger o patrimônio do filho menor de idade, impondo limites à atuação dos genitores na administração de bens pertencentes a seus filhos, ainda que detenham o poder familiar.
A norma exige que o poder judiciário analise se, de fato, a alienação do bem imóvel se faz necessária ou se traz vantagem econômica para o filho.
Apesar de o dispositivo legal limitar o poder familiar do pai e da mãe somente no que se refere a bens imóveis, os nossos tribunais já reconheceram, em casos com diversas especificidades, que tal regra também se aplica quanto à venda de outros bens, como veículos e participações societárias.
O Projeto de Lei n.º 3.914/2023 (chamado de “Lei Larissa Manoela”) pretende modificar a redação do artigo 1.691 do Código Civil, assim como propõe a inserção dos artigos 69-A e 244-C no Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de coibir o uso abusivo dos recursos financeiros de crianças e adolescentes que têm patrimônio rentável ou receitas de atividades remuneradas, impondo restrições na disposição de bens de qualquer natureza, como, por exemplo, aplicações financeiras e bens titulados por sociedade em que o filho menor seja sócio, bem como a realização periódica de auditoria e prestação de contas.
Na nova redação proposta para o artigo 1.691 do Código Civil as restrições vão alcançar a gestão e a disposição de bens titulados pelos filhos por meio de holdings, instrumento usualmente utilizado em planejamentos patrimoniais e sucessórios. Em outras palavras, a alienação de bens de propriedade de sociedades das quais o filho seja sócio dependerá de autorização judicial.
Temos que ter muita atenção e cautela ao realizar planejamentos patrimoniais e sucessórios com a transferência de participações societárias aos filhos que ainda não tenham alcançado a maioridade. Isto, porque, quando o filho alcançar a maioridade, a depender das cláusulas, passará a ter livre alcance sobre o patrimônio doado e que foi construído por seus genitores.
Alguns exemplos de cláusulas que são fundamentais na realização dos planejamentos patrimoniais e sucessórios que envolvam a doação de bens entre ascendentes e descendentes: (i) reversão das doações, caso o filho venha a falecer previamente aos pais; (ii) inalienabilidade do bem doado por prazo determinado ou indeterminado; (iii) reversão da doação caso o filho venha a contrair dívidas sem o consentimento dos pais; (iv) reserva aos pais sobre a tomada de decisões quanto ao uso e disposição dos bens, independentemente do consentimento do filho; (v) encargo ao filho de prestar alimentos, caso os pais não tenham, posteriormente à doação, condições de prover o próprio sustento. Em suma, não só em eventual mudança de nossa legislação, mas também na lei atual, é fundamental que os planejamentos patrimoniais e sucessórios sejam muito refletidos, estabelecendo-se todas as proteções necessárias ao pais, afinal foram eles que construíram o patrimônio que é objeto do planejamento sucessório e o seu objetivo é facilitação do processo sucessório.
Fonte: Estadão