Associação de Direito de Família e das Sucessões

NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL: CONFUSÕES

Regina Beatriz Tavares da Silva

SÃO PAULO – As confusões entre o namoro e a união estável são tremendas em nossos dias.

Tais confusões, no entanto, ocorrem muito mais no plano do direito do que no plano dos fatos.

As pessoas, via de regra, têm plena consciência sobre a relação que vivenciam, se caracteriza um namoro, mesmo que tenham planos de formação de uma família no futuro, ou se configura uma união estável, com a constituição de família no presente.

Mas, já que a legislação não exige expressamente convivência ‘more uxorio’ entre as duas pessoas envolvidas na relação afetiva, isto é, não estabelece de forma explícita que os partícipes de uma união estável devem viver como se casados fossem, sob o mesmo teto, no plano do direito o namoro pode ser confundido com a união estável.

Note-se que, embora o ordenamento legal não exija convivência como se casados fossem para que se configure a união estável, os companheiros têm praticamente os mesmos direitos e deveres oriundos do casamento.

Vigora na união estável, salvo pacto escrito em contrário, o regime da comunhão parcial de bens (CC/2002, art. 1725), com a comunicação dos bens adquiridos onerosamente no curso da relação, diante de presunção absoluta do esforço conjunto. Na sua dissolução há direito à pensão alimentícia, desde que preenchidos os requisitos da possibilidade do prestador e da necessidade do beneficiário (CC/2002, art. 1694). Estas conseqüências jurídicas, dentre outras assemelhadas às do casamento, decorrem da união estável.

Quem milita na advocacia, na área do direito de família, certamente já acompanhou a angústia e o justificado inconformismo da pessoa que não chegou a constituir uma família e vê-se no polo passivo de uma demanda em que a outra parte almeja um enriquecimento indevido, transfigurando uma relação de namoro em união estável.

Outra situação não menos comum, vista em processos judiciais em nossos dias, é a daquele/a que, por espírito de vingança e para obter vantagens indevidas, vem pleitear o reconhecimento da união estável de forma retroativa, desde o primeiro encontro das tuas taças de champagne, desde o dia em que conheceu o seu par. Se ocorreu aquisição patrimonial no início da relação afetiva pelo ex-par amoroso, uma vez reconhecida retroativamente a existência de união estável, aquele patrimônio será dividido injustamente com aquele/a que então não passava de namorado/a.

Já que o namoro, via de regra, antecede uma união estável, cujo início, salvo se existir um pacto escrito, é de dificílima apuração, pode-se imaginar a confusão que pode ocorrer entre essas duas situações nos autos de um processo judicial. A título de exemplo, ao considerar-se a nota de compra de alianças como prova da data inicial de uma união estável, olvida-se que namorados e noivos também trocam esses anéis.

Portanto, é no âmbito do direito que nem sempre resta clara a distinção entre uma situação que não gera qualquer conseqüência jurídica, sendo ato que se limita ao plano afetivo – o namoro – e outra que tem efeitos jurídicos relevantes, sendo instituto que se enquadra como entidade familiar – a união estável.

Tais confusões se devem à Lei 9278/96, que, elaborada sem o apreço técnico necessário, estabeleceu que o mero objetivo de constituição de família é suficiente à configuração de união estável, se a relação for duradoura, pública e contínua (art. 1º).

Tal falha foi repetida no Código Civil de 2002 (art. 1723), não porque estivesse desatento o legislador na elaboração deste diploma legal, mas em razão das limitações regimentais, na tramitação do Projeto de Código Civil, que determinavam, em sua fase final de tramitação, a possibilidade de modificações restritas àquelas que já constassem da legislação em vigor desde o início da tramitação desse Projeto de lei.

Ainda, as confusões entre namoro e união estável pretendem apoiar-se na Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, que, elaborada em meados do século passado, foi editada nos seguintes termos: “A vida em comum sob o mesmo teto, ‘more uxorio’, não é indispensável à caracterização do concubinato.”.

Mas a riqueza do direito revela-se na possibilidade de interpretação do ordenamento jurídico por seu operador.

Veremos no artigo da próxima semana como distinguir o namoro de uma união estável, no plano do direito, de modo a possibilitar aos namorados manterem uma relação sem os medos que os assolam hoje em dia, como o de serem obrigados a partilhar o patrimônio ou a pagar pensão alimentícia.

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