BIGAMIA VOLTA À PAUTA DO STF. FALTA UM VOTO PARA O TRIBUNAL ACEITAR DUPLA UNIÃO ESTÁVEL
O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a incluir em sua agenda, para o próximo 11 de dezembro, o julgamento de ação que, caso seja considerada procedente, permitirá o reconhecimento de dupla união estável para efeitos de Direito Previdenciário. Na prática, o provimento da ação significaria a aceitação da bigamia no Brasil, tese que fere a Constituição, o Código Civil e o Código Penal.
O caso em análise no tribunal é o Recurso Extraordinário 1.045.273 que trata de uma disputa por pensão iniciada no estado de Sergipe. Após o falecimento do homem com quem vivia e havia tido um filho, uma mulher conseguiu o reconhecimento da união estável e, consequentemente, o direito à pensão. No entanto, esse homem também mantinha um relacionamento homossexual, e o amante pleiteou o mesmo direito de pensão, que lhe foi concedido na primeira instância e negado na segunda. Os recursos chegaram até o STF, que começou a julgar o assunto em 2019.
Até agora, no julgamento pelo STF, o caso recebeu três votos contrários à divisão da pensão (do relator, Alexandre de Moraes, e dos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes). O ministro Edson Fachin, no entanto, abriu uma divergência e votou favoravelmente ao rateio da pensão – três outros ministros acompanharam o entendimento de Fachin. Em seguida, Dias Toffoli pediu vista, suspendendo temporariamente o julgamento.
Conforme o artigo 226 da Constituição Federal e o artigo 1.723 do Código Civil, a união estável é monogâmica, entre duas pessoas. “O STF reconheceu a possibilidade de constituição de união estável para casais homossexuais, mas os ministros, em seus votos, acentuaram a monogamia quando marcaram que a relação de dois homens ou duas mulheres, para produzir efeitos jurídicos, precisa ser assemelhada à uma união estável heterossexual”, observou a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), em entrevista para a Gazeta do Povo.
“A matéria atualmente em debate no STF é previdenciária, porém o direito previdenciário utiliza os conceitos de família para a atribuição dos benefícios da previdência. No caso em julgamento, há um concubinato que não é reconhecido pelo direito de família, e, portanto, a relação não pode ser reconhecida pelo direito previdenciário”, explica.
Paulo Roque, advogado especialista em Direito Civil e Familiar lembra ainda que o Código Penal, em seu artigo 235, tipifica a bigamia como crime. “A bigamia é um crime [artigo 235 do Código Penal], então como pode haver o reconhecimento de duas uniões estáveis?”, questiona o jurista.
Regina Beatriz ressalta ainda que a divergência aberta pelo Ministro Fachin também desobedece à Súmula 279 do próprio STF, de jurisprudência inquestionável, que impede que a Corte volte à analise de fatos e provas apresentados nos autos para julgar um recurso extraordinário.
Os votos dos ministros até agora:
Ao votar pelo desprovimento ao recurso, em setembro de 2019, o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, declarou que a existência de declaração judicial definitiva de uma união estável, por si só, impede o reconhecimento de outra união concomitante e paralela, independentemente de esta ser heteroafetiva ou homoafetiva. Moraes fundamentou seu voto na equiparação da união estável ao casamento e, consequentemente, na impossibilidade de reconhecer direitos em relação paralela a uma união estável. “A união estável foi equiparada ao casamento para que tenha todos os direitos do matrimônio, adquirindo os ônus e os bônus, ou seja, os ônus da fidelidade e os bônus do reconhecimento de todos os direitos”, afirmou o relator, que foi acompanhado por Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Ao abrir divergência favorável ao rateio da pensão, o ministro Edson Fachin sustentou que o caso não se trata de uma discussão de Direito de Família, mas de Direito Previdenciário pós-morte. Fachin afirmou que, ainda que exista jurisprudência rejeitando efeitos previdenciários a uniões estáveis concomitantes, é possível haver o rateio da pensão por morte desde que haja boa-fé objetiva, isto é, desde que a pessoa não soubesse que seu parceiro possui uma união estável simultânea. Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio acompanharam a divergência.
Em seu voto, o ministro Roberto Barroso afirmou que, para ele, o caso não pode estar restrito ao direito previdenciário e que é possível decidir a favor do parceiro homossexual sem atropelar o direito de família. Apesar de o STF ter equiparado o casamento à união estável, Barroso alegou que a monogamia se aplicaria apenas ao casamento e que a lei não proibiria ninguém que viva em união estável de manter outra união estável simultânea.
A presidente da ADFAS discorda desse entendimento. “O STF equiparou a união estável ao casamento em efeitos, inclusive sucessórios, em julgamento ocorrido com repercussão geral em maio de 2017. Agora, nos votos divergentes, estão buscando desequipará-la em impedimentos. Isso é uma contradição gravíssima”, afirma Regina Beatriz.
O ministro Roberto Barroso, em seu voto, fez uma declaração notadamente inconstitucional. “Nenhuma lei diz que você vivendo em união estável não possa ter outra união estável”, afirmou. O parágrafo terceiro do artigo 226 da Constituição Federal diz claramente que, para efeito da proteção do Estado, “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”, ou seja, a união entre duas pessoas, em monogamia.
“Esse argumento foi repetido, em outras palavras, pelos Ministros Rosa Weber e Marco Aurélio, segundo os quais se fosse casamento a relação paralela não poderia ter efeitos previdenciários, mas como se trata de união estável a relação simultânea pode gerar benefícios. A partir do momento em que a união estável foi igualada pelo STF ao casamento em seus efeitos, inclusive sucessórios, em tese de repercussão geral, por óbvio não podemos nem imaginar que a relação paralela em debate agora no STF possa ter efeitos previdenciários. Afinal, se os dois institutos, o casamento e a união estável, tivessem impedimentos de constituição diferentes, não poderiam ser havidos como entidades familiares na Constituição Federal e ter os mesmos efeitos segundo o STF”, observa a Presidente da ADFAS.
Fonte: Gazeta do Povo (04/12/2020)