DRA. REGINA BEATRIZ, PRESIDENTE DA ADFAS, FALA SOBRE O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS AOS MAIORES DE 70 ANOS AO JORNAL VALOR ECONÔMICO
A ADFAS requereu o ingresso como amicus curiae no ARE 1309642 que formou o Tema nº 1.236: Regime de bens aplicável no casamento e na união estável de maiores de setenta anos.
A ADFAS fundamenta a constitucionalidade do regime da separação obrigatória, no seu pedido de ingresso como amicus curiae, especialmente em razão da maior autonomia da vontade da pessoa idosa existente por meio desse regime.
Leia abaixo a entrevista completa, com destaque para a entrevista da Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva:
STF decidirá sobre regime de casamento para maior de 70 anos
Ministros vão analisar se é constitucional disposição legal que obriga pessoas nessa faixa etária a se unirem sob separação total de bens
Por Bárbara Pombo
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem pela frente um julgamento polêmico que pode impactar a autoestima e a repartição de patrimônio daqueles que se casam com mais de 70 anos. Os ministros vão analisar se é constitucional uma disposição legal que obriga pessoas nessa faixa etária a se unirem sob o regime de separação total de bens.
Nos bastidores, a questão tem gerado debates acalorados entre especialistas em direito de família. Para alguns, a exigência é positiva para evitar o famoso “golpe do baú”. Outros defendem que a regra acarreta em discriminação contra os idosos.
A Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) fez, a pedido do Valor, um levantamento de matrimônios celebrados por pessoas maiores de 60 anos em todo o país. Em cinco anos, a quantidade mais que dobrou. Foram 6,2 mil em 2017. No ano de 2022, 14,5 mil. Neste ano, já somam 5,8 mil.
No regime de separação total de bens, que é imposto pelo Código Civil para os maiores de 70 anos e em outras situações, não há, em regra, divisão do patrimônio entre o casal em caso de divórcio ou morte.
“Existe uma presunção legal de que os acima de 70 anos estão num grau de vulnerabilidade. Seria uma forma de evitar relacionamentos com prejuízos econômicos ao idoso ou aos seus herdeiros, como os filhos de casamentos anteriores”, explica Alexandre Ricco, sócio do escritório Alexandre Ricco Advogados.
Os reflexos do julgamento do STF poderão ser significativos. Como a Corte vai analisar a questão em repercussão geral, a decisão vai impactar processos de divórcio ou inventário em andamento que envolvam casamentos celebrados por pessoa com mais de 70 anos.
Os ministros também terão que bater o martelo se a imposição da separação obrigatória de bens vale igualmente para as uniões estáveis. O relator do caso é o ministro Luís Roberto Barroso (RE 1.309.642).
“A sistemática atual visa preservar o patrimônio de terceiros, mas não pensa no próprio dono dos bens” – Maria Luiza Póvoa
Nos bastidores, alguns entendem tratar-se de uma exigência legal para proteger os idosos com mais de 70 anos e evitar matrimônios com interesse único de abocanhar o patrimônio do cônjuge. Para outros, no entanto, a regra viola a autonomia dos idosos, especialmente com o aumento da expectativa de vida — de 40% nos últimos 60 anos. No Brasil atual é de 77 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A Associação de Direito de Família e Sucessões (ADFAS) e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) são algumas das entidades que pediram para entrar no STF como interessadas (amicus curiae) e tentar influenciar os ministros com argumentos. Possuem visões bem diferentes sobre o assunto.
A juíza aposentada e hoje advogada Maria Luiza Póvoa, presidente da Comissão do Idoso do IBDFAM, classifica como “odioso” o regime de separação obrigatória para maiores de 70 anos. “Devemos extirpar esse regime que gera discriminação e preconceito contra o idoso”, afirma.
O problema, diz, é que a sistemática atual visa preservar o patrimônio de terceiros — notadamente dos filhos do maior de 70 anos de casamentos anteriores —, mas não pensa no próprio dono dos bens. “E parte do pressuposto que o novo parceiro está preocupado apenas com o dinheiro, como se essa pessoa não pudesse despertar amor e desejos.”
Segundo a advogada, a imposição do regime — previsto no artigo 1641, inciso II do Código Civil — agride a dignidade e a autonomia do maior de 70 anos. “O Estado não pode tutelar um direito de uma pessoa maior e capaz de gerir o próprio patrimônio”, afirma.
A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da ADFAS, entende diferente. Para ela, a regra legal é uma proteção do patrimônio familiar, especialmente no momento em que a paixão toma a cena.
Ela classifica como “erro crasso” o argumento de violação da autonomia do idoso. Isso porque, explica, os casados sob o regime de separação total têm mais liberdade na venda do patrimônio sem consentimento do cônjuge.
No demais regimes, em várias situações, é preciso ter a autorização do cônjuge para alienar e dispor dos bens. “A adoção desse regime para pessoas maiores de 70 anos termina por assegurar maior liberdade na administração e na alienação de seus bens”, diz.
De acordo com Regina, a liberdade também seria assegurada com a possibilidade do dono do patrimônio fazer doações ao parceiro ou mesmo atribuir a ele, por meio de testamento, a cota disponível da herança. “São decisões tomadas com mais calma. A paixão tira muito da racionalidade das pessoas”, diz.
A discussão chegou ao STF a partir de um processo de inventário em andamento na Justiça de São Paulo. Tratava-se de união estável formada quando uma das partes tinha mais de 70 anos.
A Justiça, em primeiro grau, entendeu inconstitucional a imposição do regime de separação obrigatória de bens, uma vez que viola os princípios da dignidade e da igualdade. Considerou ainda que a imposição valeria apenas para o casamento e não para a união estável.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença. Entendeu válida a norma do Código Civil. No caso específico, os desembargadores deram direito à companheira ter metade dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.
Ainda não há data marcada para o julgamento no STF. Atualmente, o processo está sob análise da Procuradoria-Geral da República (PGR) para elaboração de parecer.
Fonte: Valor Econômico (19.06.2023)