DIVÓRCIO POR NOTIFICAÇÃO NA REFORMA DO CÓDIGO CIVIL

Proposta elaborada por comissão de 38 juristas prevê ainda exclusão do cônjuge da herança legítima, entre outros

Presidente da ADFAS, Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, concede entrevista sobre divórcio por notificação ao Valor Econômico.

Apresentado recentemente ao Plenário do Senado, o anteprojeto de reforma do Código Civil traz diversas alterações polêmicas na área de família. O texto prevê novidades jurídicas como o divórcio unilateral, a exclusão do cônjuge como herdeiro necessário e a partilha da valorização de quotas da empresa em caso de separação do casal.

Com a intenção de modernizar a lei, o texto institui também o fim da menção a “homens e mulheres” para configurar um casal, herança digital e a sucessão na reprodução assistida após a morte de um dos genitores.

O relatório final do anteprojeto foi elaborado por uma comissão com 38 de juristas, criada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e liderada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em oito meses, foram analisados mais de 2 mil artigos sobre contratos, família, sucessões e Direito Digital.

O professor Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), um dos juristas que participou da elaboração do texto, afirma que muitas das propostas da comissão foram pensadas, tomando como exemplo o que já se pratica no Brasil. Apesar disso, especialistas apontam que algumas inovações não vão no sentido do que diz, hoje, a jurisprudência dos tribunais.

Uma das polêmicas é o divórcio unilateral ou por notificação (artigo 1582-A). Se aprovado, a pessoa que quiser se separar ou dissolver uma união estável poderá ir ao cartório de registros e pedir a separação. A outra pessoa será notificada pelo cartório. Após a notificação, em cinco dias já sairá a averbação do divórcio.

Hoje em dia, no cartório, os dois precisam assinar os papéis primeiro. Em relação a bens, guarda de filhos e pagamento de pensão pode ser definido pela Justiça.

De acordo com Madaleno, o divórcio está entre os direitos que independem da vontade do outro. “Ninguém pode continuar casado para satisfazer o capricho do outro”, diz. Na prática, caso queiram, por exemplo, cada um já pode se casar de novo. Mas guarda, alimentos e divisão de bens continuam sendo resolvidos pelo Judiciário.

Na opinião da Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), a Advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, de escritório que leva seu nome, contudo, essa disposição, que ela chama de “divórcio surpresa” pode ser perigosa. Isso porque, por exemplo, o outro poderia ser automaticamente excluído do plano de saúde ou até mesmo ter que deixar a casa onde vive em questão de dias.

Outra previsão considerada controversa é o marido, a mulher ou companheiro em uma união estável não entrar mais na herança legítima. A legítima são 50% da herança que vão obrigatoriamente para cônjuge ou companheiro, pais e filhos de quem morreu. Para a comissão do anteprojeto, a ideia é dar mais autonomia sobre a disposição dos próprios bens (artigo 1.845).

Para Fernanda Haddad, do Trench Rossi Watanabe, porém, esse seria o ponto mais crítico do texto. “Porque poderia deixar pessoas desassistidas, principalmente as mais vulneráveis”, diz.

Outra inovação é a possibilidade de autorizar que um quarto desses 50% da herança, reservados então a pais e filhos, sejam direcionados a algum deles que seja hipossuficiente ou vulnerável (artigo 1846). “Isso pode ser bom para proteger a pessoa que mais precisa, só teria que ser feito em testamento”, diz Giuliana Schunck, também do escritório Trench Rossi Watanabe.

Há também um dispositivo que permite que quem se separou receba, na divisão de bens, a valorização das quotas patrimoniais ou participações societárias até a data de separação de fato (artigo 1660).

De acordo com Rolf Madaleno, isso é bom porque são comuns fraudes como incluir bens na empresa para ficar com esse patrimônio blindado.

“Porém, enquanto ele trabalhou na empresa, a mulher, em geral, se sacrificou, trabalhou pela família e, por isso, é justo que também receba a valorização desse patrimônio”, diz Madaleno. A atual jurisprudência, contudo, afirma, tem sido contrária à medida.

Nesse mesmo sentido, o texto institui uma indenização por alimentos compensatórios (artigos 1709-A, 1709-B e 1709-C). A ideia é que, se a separação gerar um desequilíbrio econômico que desencadeie uma queda brusca do seu padrão de vida, exista direito a receber um valor, por prazo determinado ou não, pago em dinheiro ou bens. Ou poderá gerar a prisão civil do devedor.

“Não é uma pensão alimentícia para poder sobreviver. Mas uma compensação pela dedicação de um desses cônjuges que não pôde trabalhar, para se dedicar à vida familiar”, diz Madaleno. Esse pagamento, diz, já foi reconhecido em jurisprudência.

Até mesmo a situação dos animais de estimação após uma separação foi analisada pelos juristas (artigo 1566). O anteprojeto assegura o direito de compartilhar sua companhia, mas também o dever de arcar com as despesas destinadas à manutenção desses animais.

O novo texto ainda permite que mães solo registrem seus filhos, apontando quem é o pai, que será notificado pelo cartório para registrar a criança ou fazer o exame de DNA. Se o suposto pai se recusar, o oficial incluirá o seu nome no registro, encaminhando a ele cópia da certidão, e enviará o caso ao Ministério Público ou à Defensoria Pública para propor ação de alimentos e a fixação do regime de convivência (artigo 1609-A). Hoje em dia, só se registra o nome do pai, se ele está no momento do registro, ou deve ser proposta uma ação judicial.

Para Rolf Madaleno, a mudança é importante porque o Código Civil atual, segundo ele, acaba por discriminar os filhos, enquanto a Constituição diz que todos os filhos são iguais.

O direito à herança de filhos gerados por embriões congelados após a morte do pai também passará a estar regulamentado (artigo 1798): “aos filhos gerados após a abertura da sucessão, se nascidos no prazo de até cinco anos a contar dessa data, é reconhecido direito sucessório”. Fernanda Haddad aponta que esse tema deve ficar cada vez mais atual, já que muitas mulheres têm congelado óvulos para usar no futuro.

O direito sobre bens digitais após a morte também é abordada pelo anteprojeto (artigo 1.791-B). O texto diz que, exceto se houver expressa disposição de última vontade e preservado o sigilo, as mensagens privadas do autor da herança em ambiente virtual não podem ser acessadas por seus herdeiros. Salvo se houver decisão judicial.

A proposta ainda deixa mais clara a responsabilidade de pais que administram bens de filhos (artigo 1691). Ao completar 18 anos, os filhos poderão, no prazo de dois anos, exigir de seus pais a prestação de contas, respondendo os pais por dolo ou culpa, por prejuízos.

Dois pontos são atualizações de acordo com julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). No caso do casamento ou união estável que envolve pessoas com mais de 70 anos, o texto acaba com o regime de separação de bens obrigatório (artigo 1688), conforme o Tema 1.236. Ao permitir o casamento ou a união estável entre duas pessoas e não mais entre homem

e mulher, o novo código também fica atualizado (ADI 4277 e ADPF 132).

Agora, o anteprojeto passará por ampla discussão entre os senadores, antes de ser votado. Depois segue para a Câmara dos Deputados, onde também poderá ser alterado.

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