DIVÓRCIO IMPOSITIVO

Por Vitor Frederico Kümpel, originalmente publicado no Migalhas

Foi editado recentemente o Provimento 06/2019, da Corregedoria Geral da Justiça do estado de Pernambuco, no último dia 29 de abril, instituindo o divórcio impositivo.

O referido provimento é inovador e autoriza, exclusivamente no Estado de Pernambuco, qualquer dos cônjuges a pleitear, diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais, onde esteja lançado o assento de casamento, a averbação do divórcio, bastando para tal preencher o formulário anexo “REQUERIMENTO DE AVERBAÇÃO DO DIVÓRCIO IMPOSITIVO”.

Segundo o provimento, ainda, faz-se necessário que o interessado não tenha filhos menores, incapazes ou nascituro, bastando que o requerimento seja assinado por advogado ou defensor público. O mais interessante é a dispensa da presença ou ciência do outro cônjuge, que poderá ser notificado pessoalmente ou por edital, após esgotadas as diligências para a sua localização. É possível que questões como alimentos e eventual partilha de bens remanesça para discussão superveniente.

Apesar de a medida ser inovadora, aliás, uma das marcas da Corregedoria da Justiça do Estado de Pernambuco – lembrando que foi pioneira ao autorizar a exclusão da súmula 377 por escritura antenupcial, convertendo a separação obrigatória em consensual, tema analisado em Registralhas já antiga –, algumas considerações devem ser feitas nesta oportunidade.

Em primeiro lugar, é bom relembrar que o nosso sistema registral civil, imobiliário, etc, é do “título e modo”, de forma que o ato de registro exige a presença de um título formal. No presente caso, não nos parece que um mero requerimento potestativo configura um título idôneo a admitir um ato averbatório que rompe a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial.

Tanto isso é verdade que o próprio CNJ, na resolução 35/2007, por força da lei 11.441 do mesmo ano, passou a admitir as escrituras de separação e divórcio, desde que observada uma série de requisitos. Verifica-se, inclusive, que a Resolução n. 220, de 26 de abril de 2016, ampliou os requisitos para a lavratura de escritura de separação consensual, na medida em que o próprio CPC atual exige a inexistência de gravidez do cônjuge virago.

O nosso CPC, lei 13.105, de 16 de março de 2015, indica em seu art. 733 a escritura pública de divórcio consensual, separação consensual, independentemente de homologação judicial, como título hábil a ser averbado junto ao Registro Civil das Pessoas Naturais. Por mais louvável que seja, não pode o Provimento “revogar” o Código de Processo Civil e criar um título que parece inábil, já em relação à sua forma constitutiva. Em resumo, dois são os títulos hábeis de averbação junto ao RCPN: a escritura pública e a sentença judicial, nenhum outro.

Em segundo lugar, os modelos de separação e divórcio existentes no sistema são os litigiosos, com caráter resilitivo (art. 1.572 e §§), e os consensuais. Para que haja consenso, é necessária a clara manifestação e vontade de ambas as partes, não havendo em nenhum dispositivo da legislação pátria qualquer autorização para um divórcio potestativo, na medida em que, inclusive, a potestatividade só pode ser reconhecida por ato da jurisdição.

Em terceiro lugar, é bom sopesar que o casamento exige uma série de liturgias constitutivas e a sua extinção por divórcio também exige cautela e até uma certa simetria com a sua constituição, para não gerar uma banalização e um ato, muitas vezes, emocional e impensado por parte de qualquer dos consortes. Tanto isso é verdade, que a resolução 35 do CNJ exige grande cautela por parte do tabelião, a começar pelo fato de ser necessário um ambiente próprio e isolado para que ocorra a profilaxia notarial. A questão é tão complexa que o art. 46 da mesma Resolução autoriza o tabelião a se negar a lavrar a escritura de separação e divórcio quando aferir prejuízo para qualquer uma das partes ou em caso de dúvida sobre a declaração de vontade.

Como dito acima, não é desarrazoado imaginar a hipótese de o casal discutir, se separar de fato e algum deles, até para chamar a atenção do outro, comparecer no RCPN e dar início ao requerimento, usando do ofício de Registro Civil como meio de fomentar uma reaproximação ou a dissolução. Também não é desarrazoado apresentar um endereço não verdadeiro, o que implicará na publicação de edital, e se apresentar divorciado perante outro contraente.

Em quarto lugar, o Provimento nada fala a respeito de emolumentos no ofício de Registro Civil. Além de suprimir a escritura do tabelião de notas, tudo faz crer que ou aplicar-se-á a gratuidade ou será remunerado apenas um ato de averbação de divórcio impositivo. Não haverá qualquer remuneração pela prática de procedimento desgastante para o oficial, que será obrigado a notificar o outro contraente ou expedir edital, além de ter que diligenciar, caso o outro cônjuge não seja encontrado (art. 2º, parágrafo único). Dessa sorte, tanto a averbação do divórcio quanto as anotações e eventuais averbações de retificação de nome, são atos gratuitos a onerar ainda mais serventia tão importante e tão mal remunerada como é o RCPN.

O Direito de Família, para muitos estudiosos, e já faz algum tempo, deixou de ser ciência e está, aos poucos, deixando também de ser técnica. É louvável que ocorram algumas mudanças e que os serviços prestados pelas serventias extrajudiciais sejam os mais adequados e céleres possíveis, porém, com parcimônia e fulcrado em lei. É o mínimo que se espera.

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