DIREITO DE FAMÍLIA ESTÁ CADA VEZ MAIS MONETARIZADO
A advogada Jardelly Aguiar argumenta que o direito de família está cada vez mais patrimonializado, ou seja, que maioria das demandas que envolvem casos de família tem o foco em pedidos de indenização (dinheiro). “Embora haja uma tentativa de despatrimonialização por parte da doutrina civil constitucional, cada vez mais se monetarizado”, afirma.
De acordo com a especialista, atualmente, existe uma corrente doutrinária que diz que o direito de família está se despatrimonializando, com base na defesa de que o afeto é o que tem sustentado as relações familiares.”A tendência jurisprudencial dos tribunais superiores traz o princípio da afetividade como fundamento das relações familiares”, destaca. No entanto, o que vem ocorrendo, ainda de acordo com Jardelly Aguiar, é que a afetividade tem sido utilizado como forma para mascarar as verdadeiras intenções das partes.”
Efeito jurídico
A advogada defende que não implica dizer que o afeto não possa permear as relações familiares, claro que toda relação familiar terá como base o afeto, porém, segundo ela, não seria suficiente para gerar efeitos jurídicos. Conforme avalia, se for por esse caminho, toda relação vai produzir efeito jurídico, assim como o namoro, por exemplo. Ela analisa, ainda, que essa tendência jurisprudencial dos tribunais superiores é perigosa, visto que o princípio da afetividade não está previsto na legislação brasileira. “Por isso digo que é uma criação da doutrina, a gente perde a segurança jurídica necessária do julgamento”, alega.
Jardelly Aguiar cita um exemplo que demonstra o ‘paradoxo da despatrimonialização à patrimonialização: o dano moral em decorrência de abandono afetivo. “Muitas vezes, a reclamação que motiva esse tipo de ação se refere à falta de afeto ou carinho paterno durante qualquer fase da vida do filho lesado. Ora, se ninguém é obrigado a gostar de ninguém por força de lei ou decisão judicial, como é possível precificar essa falta de afeto de um pai com filho? Verifica-se aqui que não é a falta de afeto que fundamenta a indenização, pois ela deixou de existir quando o pai abandona o filho. A assunção de uma paternidade, que depois se pretende descartar, é o que fundamenta a condenação de pagamento pecuniário de uma indenização. Percebe-se, então, que a indenização se transforma em mais um instrumento de vingança do que um expediente de composição de danos”, afirma.
A especialista acrescenta que, na maioria das vezes, as questões familiares são sustentadas pelo descumprimento dos deveres oriundos de relações, como a omissão ou ação de uma atitude de um pai ou mãe com o filho, que tem a obrigação de cumprir seus deveres de parentalidade, ou seja, o cuidado, o sustento financeiro e outras questões que decorrem disso.
Princípio questionável
Jardelly Aguiar justifica que o princípio da afetividade existe do ponto de vista formal, mas inexiste do ponto de vista material, “isso porque o afeto e a afetividade não são fontes imediatas do direito”. De acordo com ela, entende-se que tanto o afeto como a afetividade pode até contribuir na formação moral da conduta, sendo determinantes na vontade do indivíduo, mas não correspondem ao fato jurídico em si, ações ou omissões capazes de produzir efeitos jurídicos.
“Embora haja uma tentativa doutrinária de entreleçar o princípio da afetividade ao discurso da despatrimonilização do direito de família, não é isso que tem de fato ocorrido. Na verdade, isso tem contribuído para que as portas do Judiciário se abram para demandas que envolvem casos de família que tenham o cunho quase exclusivo patrimonial”, reitera a advogado. Segundo ela, admitir esse princípio como norma implícita da Constituição Federal, quando esta sequer menciona o afeto ou afetividade como fundamento das entidades familiares, torna-se perigoso. “O que há de ser observado pelo direito é a dimensão amorosa que propicie a dignidade da pessoa humana sem a vulnerabilidade da afetividade desordenada, a qual tem servido somente para aumentar as lides jurídicas com certa confusão patrimonial. Embora os defensores da doutrina civil-constitucional queiram impor a despatrimonialização do direito de família, o que se constata é o fortalecimento do patrimonialismo”, conclui.
Fonte: O Estado 25/07/2019