DETENTO QUERIA TER DUAS MULHERES
Por Regina Beatriz Tavares da Silva*
A 3.ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF) negou por unanimidade, no dia 17 de maio de 2018, pedido de preso para autorizar visita íntima de duas mulheres (Agravo de Execução Penal nº 0002293-44.2018.8.07.0000, Relator Desembargador Jesuino Rissato).
No caso, o detento, que responde a acusação por tráfico de drogas, já possuía mulher cadastrada no rol de visitantes quando outra mulher tentou ser inclusa também para “visitas conjugais”. Não sendo reconhecido tal pedido por juízo monocrático, o detento recorreu ao TJ-DF para que as duas mulheres constassem da lista de visitas.
Em sua defesa, sustentou que não cabe ao Estado interferir nas relações particulares dos internos de estabelecimentos prisionais e colacionou, inclusive, cópia não autenticada e sem firma reconhecida de escritura com declaração de união estável.
A Turma, ao analisar o caso, sublinhou que o direito às visitas ao preso não se mostra absoluto ou ilimitado, ponderando-o com o princípio da monogamia, basilar no Direito pátrio, e com a ordem nos presídios. Baseou-se, ainda, no Código Penitenciário do Distrito Federal que, estando em harmonia com todo ordenamento jurídico, permite catalogar apenas um indivíduo – e não dois, nem três, nem quatro, etc. – para fins de visitas regulares, como cônjuge ou pessoa em situação análoga (art. 67, caput).
Importa observar que o argumento central do acórdão para reconhecer a impossibilidade de detento receber visita de duas mulheres como se fossem companheiras na prisão vai no mesmo sentido que o defendido pela ADFAS em seu pedido de providências no CNJ para que seja vedada a lavratura de escrituras de poligamia por Tabelionatos de Notas, e o defendido também pela ADFAS em sua posição de amicus curiae nos Recursos que tramitam no Supremo Tribunal Federal sobre o concubinato ou relação de mancebia e a inexistência de efeitos de Direito de Família e, por conseguinte, de Direito Previdenciário, como tenho exposto em meus últimos artigos (aqui e aqui).
O que se conclui da decisão é que o relacionamento poligâmico do interno com duas mulheres não pode ser tido como união estável por não atender aos regramentos que disciplinam a matéria, como bem delineado no seguinte trecho:
“Significa dizer que o requisito da lealdade (fidelidade) entre os conviventes deve ser observado para a configuração da união estável, pois o princípio da monogamia, até o presente momento, ainda norteia o nosso ordenamento jurídico pátrio, não se admitindo a concomitância de relacionamentos amorosos para fins de constituir família. Não seria possível equiparar ao casamento, a união entre três, quatro, cinco ou mais pessoas.”
Ademais, a restrição de visitas íntimas para apenas uma única companheira diz respeito à segurança no meio prisional, bem como à isonomia entre os custodiados.
Como bem destacou o relator, os desdobramentos advindos de uma regulamentação de visitas de duas, três, quatro companheiras, com direito, inclusive, a visitas íntimas com todas elas, seriam imprevisíveis, “podendo gerar perda do controle das visitas conjugais, situação que, sem sombra de dúvidas, fragilizaria o sistema penitenciário, inclusive com a facilitação de deflagração de revoltas internas”.
Mais uma vez a monogamia aparece, portanto, como fundamento próprio da estrutura social brasileira. Se antes já destacamos seu papel no Direito de Família, de Sucessões e Previdenciário, agora fica patente, também, sua importância na salvaguarda do funcionamento do sistema carcerário.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: O Estado de São Paulo Digital – Blog do Fausto Macedo (06/06/2018)
Imagem: Pixabay