COMPANHEIRA SOBREVIVENTE NO INVENTÁRIO DO SOGRO: HERANÇA DO COMPANHEIRO E VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
A notícia publicada originariamente sob o título “STJ confere a companheira sobrevivente a habilitação no inventário do sogro” causa estranheza, uma vez que com o falecimento do companheiro extingue-se a união estável, não havendo que se falar em participação de uma nora na sucessão de seu sogro.
Temos de ler o acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido no REsp n. 1844229-MT, a seguir acessível, para constatarmos que, no caso, ocorreram os seguintes eventos, na seguinte ordem: 1º evento: falecimento do sogro da companheira e 2º evento: falecimento do companheiro.
Portanto, o companheiro adquiriu a herança de seu pai antes da dissolução de sua união estável, de modo que a companheira sobrevivente passou a ser herdeira do consorte posteriormente falecido na parte correspondente àquela herança, nos termos da ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do Código Civil.
Não houve, portanto, direito à herança do sogro, mas, sim, foi reconhecido o direito à herança do companheiro falecido, no que se refere aos seus bens particulares, oriundos da herança de seu pai, previamente falecido.
Além disso, na leitura do acórdão em tela, constata-se que a sua ementa não tem congruência com a matéria ali julgada. A ementa do acórdão refere-se à herança necessária, mas o acórdão versa somente sobre a ordem de vocação hereditária, aplicando o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), fixado em tese de repercussão geral, resultante do tema 809, que fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil”.
Realmente, em face da tese fixada, aplicam-se aos companheiros as mesmas regras atinentes aos cônjuges, no que tange apenas à ordem de vocação hereditária (CC, art. 1.829), como julgou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso em tela.
No entanto, além do julgado não adentrar na análise da herança necessária (CC, art. 1.845), esta não se aplica na união estável, em razão da tese fixada e da decisão proferida em sede de embargos no mesmo processo recursal que tramitou no STF e deu origem à referida tese de repercussão geral, segundo a qual somente se aplica o art. 1.829 do Código Civil aos companheiros.
Aliás, a leitura da referida decisão proferida em sede de embargos é fundamental para que os julgados não se equivoquem e ampliem indevidamente o entendimento do STF na matéria sucessória:
DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APLICABILIDADE DO ART. 1.845 DO CÓDIGO CIVIL ÀS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. 1. Embargos de declaração em que se questiona (i) a aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas e (ii) o marco temporal de aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas. 2. A repercussão geral que foi reconhecida pelo Plenário do STF diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis homoafetivas. Não há omissão a respeito da aplicabilidade do art. 1.845 do Código Civil a tais casos. 3. A decisão recorrida é clara em estabelecer que “o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública”. Ausência de contradição. 4. Embargos de declaração rejeitados.
Afinal nada há no acórdão sobre herança necessária, porque não havia testamento e sequer se debateu a respeito de legítima e de cota disponível.
Em suma, em decorrência da tese de repercussão geral do STF e do que prevê o artigo 1.829, I, do Código Civil, os bens deixados pelo pai ao companheiro pós-falecido são os seus bens particulares aos quais a companheira sobrevivente fez jus em concorrência com os seus descendentes.
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