AUTORIDADE DOS PAIS NA REFORMA DO CÓDIGO CIVIL
Neste conteúdo é reproduzida a matéria originalmente veiculada na Gazeta do Povo, Jornalista Leonardo Desideri, com as entrevistas do Professor Venceslau Tavares Costa Filho, Presidente da Seção Estadual de Pernambuco da ADFAS e da Professora Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da ADFAS.
O Relatório Geral, em análise na matéria jornalística, foi elaborado pela Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, cuja relatoria está a cargo da Professora Rosa Nery e do Professor Flavio Tartuce.
É pertinente ressaltar que a proposta relativa ao artigo 1.691, que estimula a litigiosidade entre pais e filhos, não conta com a autoria nem o respaldo da Professora Rosa Nery, conforme o Relatório Geral.
Leia a matéria na íntegra:
“O relatório do anteprojeto do novo Código Civil – elaborado por uma comissão de juristas convocada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e prestes a tramitar na Casa – traz uma série de riscos relacionados à fragilização do poder parental para fins ideológicos. Embora não façam menção explícita a ideologias de esquerda, alguns dispositivos dão brecha evidente, de acordo com juristas, à atuação ideológica de juízes, membros do Ministério Público e conselheiros tutelares interessados em subverter o conceito de família.
Um dos riscos está na adoção do conceito de autonomia progressiva de crianças e adolescentes, prevista em um novo artigo que diz:
“É reconhecida a autonomia progressiva da criança e do adolescente, devendo ser considerada a sua vontade em todos os assuntos a eles relacionados, de acordo com sua idade e maturidade.”
Para juristas, a expressão “autonomia progressiva” abre espaço para interpretações amplas e subjetivas. “São pessoas em desenvolvimento, que não têm, muitas vezes, experiência de vida para poder decidir sobre si, sobre os seus próprios interesses. Me parece temerário o reconhecimento dessa autonomia progressiva e o recurso a expressões vagas”, afirma o advogado Venceslau Tavares Costa Filho, Professor de Direito Civil da Universidade de Pernambuco e Presidente da Seção Estadual de Pernambuco da ADFAS.
Outra expressão nebulosa relacionada à relação dos pais com filhos é a de “violência psíquica”, presente no artigo 1.638 do relatório da comissão de juristas. O dispositivo afirma que perderá o poder familiar o pai ou a mãe que:
“Submeter o filho a qualquer tipo de violência, de modo a comprometer sua integridade física, moral ou psíquica.”
“Não deixar a criança assistir à televisão seria uma violência psíquica? Não deixá-la passar um tempo no celular seria violência psíquica?”, questiona Costa Filho. “Seria necessário definir o que é que caracteriza violência psíquica, violência moral, para que se pensasse em aplicar esse tipo de sanção aos pais”, complementa.
Ele recorda ainda que “nosso sistema precisa de anterioridade para estabelecer uma pena”. “É necessário a gente definir as condutas que ensejam a aplicação dessa pena, e [na proposta] a gente tem praticamente uma lei penal em branco, uma norma que cria um tipo de punição em branco, sem definir com clareza o que seria essa violência psíquica”, afirma.
Litigiosidade entre pais e filhos é estimulada pela proposta do novo Código Civil
Outro ponto controverso da proposta para o novo Código Civil é um inciso do artigo 1691 proposto pelo advogado Flavio Tartuce, um dos relatores da proposta, que não foi acatado pela outra relatora, Rosa Nery. O dispositivo afirma:
“Ao término da autoridade parental os filhos podem, no prazo de dois anos, exigir de seus pais a prestação de contas da administração que exerceram sobre os seus bens, respondendo os pais por dolo ou culpa, pelos prejuízos que sofreram.”
Juristas veem nesse texto uma brecha para que, quando alcancem a maioridade, alguns filhos demandem dos pais uma prestação de contas pela forma como administraram seus bens. A inovação é especialmente perigosa em casos nos quais os pais decidiram antecipar a herança aos filhos.
Para a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) e Doutora em Direito Civil pela USP, o dispositivo parece inspirado no caso da atriz Larissa Manoela, e é preocupante por seu potencial de incentivar conflitos judiciais entre pais e filhos.
Costa Filho também enxerga a chance de que o dispositivo proposto por Tartuce cause prejuízo às relações familiares. “É uma regra que estimula a litigiosidade entre pais e filhos. Eu não acho uma regra bem-vinda. Se uma outra pessoa administra um patrimônio que é meu, já existe a ação de prestação de contas para isso. Realmente não entendo por que prever esse direito especificamente para os filhos em relação aos pais. Eu acho que isso termina estimulando a litigiosidade entre pais e filhos, o que não é interessante, especialmente num contexto como o de hoje, em que o Judiciário e o CNJ estimulam tanto a pacificação, a autocomposição e o diálogo entre as partes para reduzir essa intervenção do Judiciário, enquanto representante do Estado, nas relações privadas”, comenta.
Ideologia de gênero já se beneficiou da fragilização do poder parental em outros países
A proposta da comissão criada por Pacheco, se aprovada, poderia ter implicações no que se refere à influência da ideologia de gênero no Brasil. Em países onde as teorias desse tipo mais avançam, a ameaça ao poder parental costuma abrir caminho, por exemplo, para facilitar cirurgias de redesignação sexual em menores de idade.
Embora o relatório não trate abertamente do tema nem faça menção direta a ele, o texto deixa margem a um contexto em que a recusa dos pais em consentir com o desejo dos filhos nesse ponto poderia resultar na perda do poder parental, com a influência do Ministério Público, das escolas e de conselheiros tutelares, como já ocorre em nações mais ricas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Departamento de Serviços Infantis de Indiana decidiu retirar o filho do casal Mary e Jeremy Cox de sua casa, alegando preocupações com o bem-estar da criança. Em 2019, de acordo com o New York Post, o filho dos Cox passou a dizer que se identificava como menina. Os pais não concordaram em se referir a ele usando pronomes e um nome inconsistentes com sua biologia. Em 2021, após uma denúncia, as autoridades de Indiana começaram a investigar os Cox e removeram o adolescente de sua custódia.
Caso semelhante já ocorreu no Canadá, onde, em 2021, um juiz da Suprema Corte da província de Colúmbia Britânica emitiu um mandado de prisão contra um pai que chamou sua filha de sexo feminino usando pronomes femininos depois que ela começou a fazer tratamento para mudar de gênero. O tratamento foi feito com injeções de testosterona sem o consentimento do pai.
A previsão de que os filhos teriam “autonomia progressiva” e de que os pais poderiam perder o poder sobre eles em caso de violência psíquica, presente no relatório do anteprojeto do novo Código Civil, seria uma porta aberta para que o mesmo ocorresse no Brasil. Membros do MP e de conselhos tutelares influenciados por orientações ideológicas do mesmo tipo poderiam usar as novas regras para afastar os pais do cuidado de seus filhos.”