ATO PROCESSUAL ANTERIOR À INTERDIÇÃO SÓ PODE SER ANULADO QUANDO JÁ EXISTENTE INCAPACIDADE
Atos processuais anteriores à decretação judicial de interdição – como nos casos de citação da pessoa posteriormente interditada – podem ser anulados quando reconhecida a incapacidade para os atos da vida civil. Porém, o reconhecimento não ocorre como um efeito automático da sentença de interdição. Para tanto, deve ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, com a comprovação da existência da incapacidade anterior.
Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, por unanimidade, recurso que pedia anulação de citação. A Defensoria Pública – curadora especial da recorrente – alegou ter ocorrido citação indevida de incapaz e falta de intimação do Ministério Público para atuar em processo onde a recorrente estaria incapacitada para atos da vida civil.
Como a citação da recorrente aconteceu em data anterior à declaração da situação jurídica da interdição, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, entendeu ser válido o ato processual. O relator destacou que, no momento do ajuizamento da ação de rescisão contratual, ainda não havia sido decretada a interdição da interessada na ação. Portanto, não havia interesse de incapaz e obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público no caso.
Segundo Salomão, a sentença de interdição produz efeitos ex nunc – a partir do momento em que é proferida, não se limitando a declarar uma incapacidade preexistente da pessoa, mas, também, a constituir uma nova situação jurídica de sujeição do interditado à curatela.
Interdição
Segundo os autos, a recorrente foi citada em 2003, em processo movido por construtora que pedia rescisão contratual e reintegração de posse de imóvel pelo não pagamento de prestações. Após perder a ação, a recorrente apresentou recurso, alegando ser incapaz para o exercício dos atos da vida civil, e requereu a nulidade da citação e de todos os atos dela procedentes.
Em fevereiro de 2004, a recorrente foi judicialmente interditada. Em novembro de 2005, recurso que buscava a anulação do processo foi rejeitado sob o argumento de que não existia decreto judicial da interdição alegada no momento da citação. O trânsito em julgado do acórdão se deu em maio de 2008.
O ministro explicou que os atos praticados anteriormente à interdição, quando já existente a incapacidade, até poderiam ser reconhecidos nulos, mas não como efeito automático da sentença de interdição. Para tanto, segundo ele, deve ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, em que deve ser demonstrada que a incapacidade já existia ao tempo de sua realização.
“Ressalte-se que não consta do acórdão recorrido – sequer das alegações da recorrente ou do Parecer do Ministério Público Estadual ou Federal – referência a que tenha havido qualquer observação na sentença de interdição acerca do estado anterior da interditada, no sentido da determinação da retroação dos efeitos da decisão. Desta feita, vale para a hipótese a regra geral do efeito ex nunc da sentença de interdição”, ressaltou.
Nulidade processual
O segundo argumento da defesa para solicitar a anulação da decisão judicial era de que a não intervenção do Ministério Público no feito, tendo em vista a alegada incapacidade da recorrente, seria passível de anular a decisão.
Ainda de acordo com o ministro Salomão, a jurisprudência do STJ entende que, mesmo nas causas em que a intervenção do MP é obrigatória, por envolver interesse de incapaz, seria necessária a demonstração de prejuízo para que houvesse o reconhecimento da nulidade processual.
O relator explicou que, no caso concreto, no momento do ajuizamento da ação de rescisão contratual, não havia sido decretada a interdição da interessada na ação. Portanto, como não estava sendo questionado interesse de incapaz não haveria obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público.
Mesmo assim, o ministro verificou que o Ministério Público participou dos autos do caso em análise, por três vezes, após denúncia feita por terceiro, de supostas irregularidades no processo.
“Penso que a não intimação do Ministério Público, no caso dos autos, não conduz à nulidade do processo, tendo em vista sua efetiva participação, consubstanciada nas inúmeras manifestações apresentadas, aqui referidas”, afirmou.
Para Salomão, somente após ter sido declarada a incapacidade, por sentença proferida nos autos da ação de interdição, é que foi nomeada a curatela definitiva, e a partir daí, a intimação do Ministério Público se faria, em tese, necessária, para proteção dos interesses da interditada.
Estatuto
O ministro analisou, também, a matéria sob a perspectiva da Lei 13.146 de 2015 – o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Segundo Salomão, devem continuar vigorando as decisões judiciais referentes às interdições anteriores à vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, no que diz respeito aos aspectos patrimoniais e negociais, “em adequação ao novel diploma e como medida necessária à garantia da segurança jurídica e social, sendo imprescindível a atuação dos legitimados para promoção da extinção total dos efeitos da interdição”.
Publicação original: STJ (06/12/2017)