ANIMAIS SÃO SERES SENCIENTES (OBJETO DE DIREITO) E SÃO TRATADOS ASSIM NO PROJETO 4/2025

Por Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery

A respeito do tratamento jurídico que o PLS 4/2025 (Projeto de reforma do Código Civil) dá aos animais é importante fazer algumas considerações.

A Subcomissão de Teoria Geral entendeu, em dois dispositivos específicos, de classificá-los como seres sencientes, objeto de direito, passíveis, entretanto, de tratamento “físico e ético adequado” e seres capazes de despertar a afetividade humana, com expressões de cuidado e de proteção, fato que deve merecer institucionalização jurídica:

“Art. 19. A afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa.

Art. 91-A. Os animais são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial. § 1º A proteção jurídica prevista no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequado aos animais. § 2º Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis, subsidiariamente, aos animais as disposições relativas aos bens, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza, considerando a sua sensibilidade.

Ao considerar esses aspectos, a Comissão levou em conta elementos colhidos de prestigiosa doutrina e de sabedoria imemorial do direito civil.

É sempre bom lembrar, como ensina António Menezes Cordeiro que “a fundamentação ético-cultural da proteção dos animais pode considerar-se adquirida” e que as institutiones, em texto geralmente tido como inspirado em Ulpiano, previa queo direito natural é o que a natureza inculca em todos os animais: De facto, o Direito não é próprio apenas do género humano, mas de todo o animal, quer tenha nascido no céu, quer na terra, quer no mar.” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, v. III, Parte geral – Coisas, 1.ª Reimpressão da 3.ª Edição, Coimbra: Almedina, § 22.º, n. 100, p. 277: I 1.2.pr: Ius naturale est quod natura omnia animalia docuit nam Ius istud nom humani generis proprium est, sed omnium animalium, quae in coelo, quae em terra, quae in mari nascutur.).

Por que o texto sobre cuidado e proteção dos animais está no artigo 19 da proposta de reforma? Simplesmente porque os artigos de número 11 a 21, da parte geral do Código Civil cuida de aspectos da humanidade do ser e a afetividade é uma potência do ser humano, segundo ensinou Tomás de Aquino. A afetividade humana não é socioafetividade, evidentemente, pois isso tem outro sentido jurídico na doutrina brasileira. Não se há fazer confusão entre esses dois termos jurídicos: afetividade e socioafetividade.

A propósito, é interessante que se diga que socioafetividade é um termo jurídico cunhado pela doutrina para preencher um conceito legal indeterminado, que pode ser causa de parentesco, “outra origem”, constante do artigo 1.593 do CC vigente, com a seguinte redação: “Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Outra origem é cláusula aberta, componente do sistema vigente do direito civil e este conceito não foi inventado pela Comissão: está no texto do vigente Código Civil, repita-se, desde sua entrada em vigor, em 2.003.

Evidentemente, quando se fala de animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa, está-se a falar sobre certos bens (seres sencientes) que se ligam de maneira especial às pessoas: o cão guia de cego; o cão que dá suporte emocional a idosos; o cavalo que é utilizado como recurso terapêutico para pessoas com deficiência motora; ou, em sentido ainda mais amplo, o animal treinado para o exercício de atividades laborais de sustento da família, como é o caso dos que são treinados para atividades circenses ou teatrais; ou ainda para guarda da casa, de crianças e de idosos.

São animais, com valor especial e com características próprias, que despertam interesse singular daqueles a quem eles servem. Não se cuida, evidentemente, da capivara que frequenta amiúde o lago da propriedade de alguém, tampouco da raposa que lhe rouba os ovos.

A expressão “entorno sociofamiliar” foi lançada para o fim de precisar essa característica especial que alguns animais têm, justamente por causa de seu adestramento.

Mas, qual seria a razão de ser do proposto artigo 19?

Muito simples. Vamos a um exemplo. Se o fazendeiro perde uma peça de seu rebanho por imperícia do caçador que erra o tiro e a mata, tem ele direito à indenização por danos materiais, nos limites do que for contabilmente apurado. Se o dano atinge um outro animal, desses que, próximos de alguém e de uma família, se prestam a uma finalidade que se liga muito proximamente ao bem-estar da pessoa, muitas vezes em especial estado de vulnerabilidade, o prejuízo alcança outro significado e a indenização, outra extensão.

 

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