A POLÊMICA DO NOVO TIPO DE USUCAPIÃO
A possibilidade de um dos cônjuges perder o direito à propriedade do imóvel, por ter saído de casa, tem criado controvérsias, desde que a nova norma que prevê esta medida entrou em vigor. A Lei 12.424, de junho de 2011, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos em área urbanas, tornou-se polêmica ao instituir um novo tipo de usucapião, que requer um prazo menor para se concretizar: apenas dois anos.
A nova lei acrescentou ao Código Civil o artigo 1.240-A, com a previsão de que quando um cônjuge ou companheiro exerce “por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
Críticos deste novo tipo de usucapião consideram que esta possibilidade pode levar ao aumento do número de divórcios. Ao sair de casa no que poderia ser apenas um “tempo para pensar”, um dos cônjuges pode se preocupar em fazer logo a partilha com receio de perder os direitos sobre o imóvel por meio da usucapião.
O professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo considera que a usucapião não deve existir dentro dos conflitos conjugais. Ele ressalta que, na prática, muitos casais divorciam-se e esperam mais algum tempo antes de fazer a partilha dos bens, esperando um estado psicológico melhor para realizar a divisão. “Isto é norma de gabinete, é norma de quem não conhece a vida”, critica Xavier, ao referir-se ao dispositivo da nova lei.
A coordenadora do curso de especialização em Direito de Família da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Regina Beatriz Tavares da Silva, por outro lado, defende que dois anos não é um período curto para se aplicar este tipo de usucapião por se tratar de uma situação em que as pessoas já se conhecem e viviam juntas. “É um prazo mais do que razoável para que aquele que deixou a casa tome uma medida judicial no sentido de querer legalizar a situação.”
Segundo Xavier, entretanto, já existiam mecanismos legais para resolver litígios quando um dos cônjuges saía de casa, como pretensões indenizatórias por benfeitorias realizadas no imóvel e, inclusive, as hipóteses de usucapião que já existiam na legislação anterior, em que aquilo que é uma posse comum passaria a ser uma posse exclusiva.
Xavier destaca também que há diversas situações em que um dos companheiros se afasta do lar por questões de segurança, seja a própria segurança ou para evitar cometer ação violenta em um momento de descontrole. Esta é justamente outra crítica recorrente à lei: na prática, as vítimas de violência doméstica teriam menos garantia para proteger seu patrimônio ao sair de casa.
Abandono
Para o professor de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Carlos Eduardo Pianovski, a nova lei é interessante desde que seja aplicada de acordo com os limites compatíveis com o Direito de Família contemporâneo. Na opinião dele, a intenção do legislador não foi ressuscitar a discussão sobre o abandono de lar, que era previsto no Código Civil de 1916 e se referia à violação da obrigação de residir no domicílio conjugal. “O abandono a que se refere a lei é efetivamente um abandono moral e material e, mais do que isso, trata-se do tipo de circunstância em que ocorre por parte do cônjuge um afastamento sem qualquer tipo de contato com a vida da família.”
Pianovski defende que a lei 12.424/2011 simplifica a situação para aquele que permanece no imóvel em caso de desaparecimento do cônjuge. Na prática, para se levar a efeito a partilha, aquele que ficou precisaria fazer a ação de divórcio, com citação por edital do cônjuge cujo paradeiro é desconhecido e, por fim, a pessoa ficaria em condomínio com o ex-companheiro desaparecido. “Isso gera graves dificuldades para administração do bem e, sobretudo, para a sua disposição.”
Regina Beatriz Tavares da Silva observa que o casamento ou a união estável trazem deveres e que os deveres só existem se houver sanções. A usucapião conjugal, como ela chama a nova modalidade, seria justamente uma sanção.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo de Curitiba