STJ RECONHECE O EFEITO RETROATIVO NA MUDANÇA DO REGIME DE BENS DURANTE O CASAMENTO
Em 25/04/2023, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, pela aplicação de efeitos ex tunc, isto é, retroativos, na modificação do regime de bens do casamento, sob a relatoria do Ministro Raul Araújo.
Antes do Código Civil (CC) de 2002 o regime de bens adotado pelos noivos ao se casarem era imutável.
A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da ADFAS e sócia fundadora do escritório RBTSSA, em seus 42 anos de exercício profissional, sempre recebeu clientes inconformados com o regime de bens adotado, sendo que, até a entrada em vigor do Código Civil, não podiam mudar o que haviam escolhido.
Via de regra já chegavam em seu escritório com o errático aconselhamento de que se divorciassem e, assim, poderiam mudar o regime em segundo casamento. Trâmites judiciais e extrajudiciais, custos e, em verdade, isso equivalia a um “passa moleque” na lei.
Sempre atenta ao direito estrangeiro, Dra. Regina Beatriz levou ao Senado, quando o projeto de Código Civil estava nessa Casa do Congresso Nacional, sob a relatoria do Senador Josaphat Marinho, sugestão legislativa de dispositivo legal que autorizasse a alteração do regime de bens durante o casamento.
Assim foi alterado o sistema da imutabilidade para a mutabilidade do regime de bens durante o casamento, com a inovação do artigo 1.639, §2º, do atual CC, oriunda dessa sugestão legislativa de Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva.
A ideia da sugestão legislativa sempre foi de respeitar a vontade dos cônjuges na alteração, sua principal justificativa, assim como realizar a partilha dos bens quando de comunhão se transformasse em separação de bens. A autonomia da vontade, salvo a exceção do regime da separação obrigatória de bens em casos como o do que se casa com mais de 70 anos, deve ser respeitada. Os aspectos patrimoniais dizem respeito aos cônjuges e não ao Estado!
Para evitar qualquer prejuízo a terceiros, foi sugerida, na redação do dispositivo, que constasse expressamente, como constou, que a alteração não produz efeitos perante terceiros se os vem a prejudicar. Exemplifica-se: da comunhão se passa à separação e ao cônjuge que se endividou, embora ainda não tenha protestos de títulos impagos ou outras constrições, não são atribuídos bens ou a maior parte do patrimônio comum permanece com o outro cônjuge. Como ficariam os credores? Com a ressalva legal expressa nenhum prejuízo poderiam sofrer os terceiros com a modificação do regime de bens.
Bem assim, passaram a ser exigidas certidões negativas de ambos os cônjuges, para demonstrar previamente a inexistência de prejuízos a terceiros que eventualmente fossem credores. Nesse sentido, o Enunciado nº 113, aprovado na I Jornada de Direito Civil de 2002:
“É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”.
Não bastasse, o Código de Processo Civil veio introduzir detalhadamente essa exigência na lei (vide art. 734).
Outra questão: a modificação do regime poderia produzir efeitos desde a celebração do casamento (efeitos ex tunc ou retroativo)? Ou somente a partir do trânsito em julgado da sentença que modificou o regime de bens (efeito ex nunc, daquele momento em diante)?
A esse respeito, a Dra. Regina Beatriz já ensinava no Curso de Direito Civil, em coautoria com Washington de Barros Monteiro, e no Código Civil Comentado[1] de sua coordenação com o relator do Projeto de Código Civil na Câmara dos Deputados, em sua fase final de tramitação:
“(…) o alcance da modificação deve constar de modo preciso da sentença homologatória. Essa sentença deve deixar de modo consignado se a alteração produz efeitos a partir da sua prolação, de modo que, quanto aos bens adquiridos anteriormente, prevalecerá o regime de bens anterior. Se a modificação alcançar o patrimônio antes adquirido, deverá ser apresentada a relação de bens e estipulada a partilha, em caso de transformação de regime de comunhão em separação.”[2]
No caso em tela, recentemente julgado pelo STJ, um casal que havia contraído matrimônio sob o regime da separação de bens, regido pelos artigos 1.687 e 1.688 do CC, no qual não há comunicabilidade de bens, desejava alterá-lo para comunhão universal de bens, disciplinado pelos artigos 1.667 a 1.671 do CC, segundo o qual todos os bens do casal, adquiridos antes e depois do casamento, se comunicam, contratou Dra. Regina Beatriz, na 2ª fase do pedido de alteração, já negado em 1º e em 2º grau de jurisdição.
De acordo com a sugestão legislativa antes referida, conforme dispõe o artigo 1.639, §2º, do atual CC, “É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Nesse sentido, o casal justificou o pedido sob o argumento de que o regime escolhido anteriormente não mais atendia aos seus interesses, uma vez que a relação se consolidou e ambos construíram patrimônio em conjunto.
Em primeiro e em segundo grau foi dada procedência ao pedido, todavia com aplicação de efeito ex nunc, somente a partir do trânsito em julgado da sentença.
Representados judicialmente pela Dra. Regina Beatriz e pelos advogados do escritório RBTSSA, o casal recorreu das decisões, até o STJ, alegando a violação do artigo 1.667 do CC, o qual dispõe que “O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte”.
Vê-se, que não há sequer lógica no regime de comunhão universal de bens ter efeitos somente a partir do trânsito em julgado da sentença que o instituiu, sob pena de esvaziar o seu próprio significado, já que implica no compartilhamento dos bens adquiridos pelo casal desde antes da data do casamento.
Assim, em respeito à autonomia da vontade das partes e considerando não haver prejuízo a terceiros, o recurso foi provido, por unanimidade, pela Quarta Turma do STJ, formando relevante precedente na matéria.
O Relator, Ministro Raul Araújo, ponderou que as partes livremente e de forma conjunta escolheram alterar o regime de bens para o da comunhão universal, regime este que fortalece ainda mais o vínculo conjugal, já que todos os bens tornam-se passíveis de penhora por eventuais credores, que dificilmente seriam prejudicados pela alteração.
Ou seja, a aplicação de efeitos retroativos ao regime de bens pretendido estaria em conformidade com o que dispõe a nossa Lei Civil, visto que o pedido fora realizado mediante autorização judicial, motivadamente por ambos os cônjuges e sem prejuízo a direitos de terceiros, o que ensejou o provimento do recurso, com a admissão da retroatividade.
[1] TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz; FIUZA, Ricardo. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2016.
[2]MONTEIRO, Washington de Barros; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de Direito Civil, v. 2. São Paulo: Saraiva, 43ª ed., 2016.