STF OUVE ARGUMENTOS EM AÇÃO SOBRE REPATRIAÇÃO DE CRIANÇAS EM CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu nesta quinta-feira (6) diversos pontos de vista sobre a norma internacional que trata da repatriação imediata de crianças e adolescentes com menos de 16 anos a seu país de origem, caso tenham sido trazidas irregularmente ao Brasil. O tema é o centro do debate da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7686, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

De acordo com a Convenção da Haia, em casos de violação de direito de guarda, a criança ou adolescente deve ser devolvido imediatamente ao país de origem. A exceção são os casos em que ficar comprovado o risco grave de, no retorno, ela ser submetida a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável. Na ação, o partido pede que essa exceção seja estendida aos casos de suspeita de violência doméstica, mesmo que as crianças ou adolescentes não sejam vítimas diretas dos abusos.

A relatoria da ADI 7686 é do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. A sessão desta quinta foi dedicada à leitura do relatório (resumo do caso) e às manifestações do PSOL, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). Também se manifestaram seis representantes de diferentes órgãos e entidades admitidos no processo.

Convenção e Constituição

A advogada Luciene Cavalcante, deputada federal pelo PSOL, falou em nome da legenda. Ela afirmou que 57,6% dos casos relacionados à Convenção da Haia envolvem violência doméstica contra mulheres, mas em apenas 7% deles há o reconhecimento do risco aos menores trazidos ao Brasil e o impedimento de sua repatriação. “Essa ADI trata da entrega de crianças e adolescentes a genitores abusadores e agressores”, sustentou, defendendo que a convenção seja aplicada a partir dos princípios da Constituição.

Prova efetiva

Em nome da AGU, o advogado da União Rodrigo Carmona defendeu que decisões contrárias à repatriação sejam baseadas na comprovação efetiva da violência, por meio de laudos periciais, prints de conversas, testemunhas e depoimentos pessoais. “Se o Brasil seguir uma linha interpretativa isolada, correremos o risco de os demais países entenderem que não estamos cumprindo a convenção”, ponderou. “Se isso ocorrer, passarão a aplicar a reciprocidade e deixarão de atender aos nossos pedidos de cooperação ativa”.

Fundada suspeita

Para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a evidência clara de que a violência familiar é o motivo da mudança de país não deve ser requisito obrigatório. A seu ver, a fundada suspeita (indícios e circunstâncias objetivamente apuráveis) pode ser suficiente, mas a simples alegação da mãe não basta para impedir o retorno do menor. Para a PGR, a Convenção deve ser interpretada com base na Constituição, que diz que os interesses do menor devem ter absoluta prioridade.

Outras manifestações

O ministro Barroso admitiu no processo órgãos e entidades que apresentaram seus pontos de vista no julgamento para fornecer informações e dar melhor base à decisão do Plenário.

A procuradora da mulher da Câmara dos Deputados e deputada federal Soraya Santos (PL-RJ) discordou do argumento da AGU sobre a necessidade de comprovação de violência. Ela argumentou que as leis brasileiras já garantem o direito à proteção das crianças e dos adolescentes diante do simples risco ou indício de violência doméstica.

O defensor público da União Leonardo Cardoso destacou a dificuldade que algumas mulheres brasileiras enfrentam no estrangeiro para registar ocorrências contra seus agressores, por dificuldades com a língua ou por enfrentarem misoginia e xenofobia. “Esses aspectos precisam ser considerados”, afirmou.

A advogada Maria Cláudia Bucchianeri, do Instituto Nós por Elas, lembrou que a Convenção da Haia se refere a “risco grave de perigo” nos casos em que o retorno dos menores não é obrigatório. “Exigir um juízo de certeza, especialmente diante de provas inequívocas de difícil obtenção, é banalizar situações de sofrimento”.

O advogado Alexandre de Serpa Pinto, do Grupo de Apoio a Mulheres no Exterior, sustentou que o Brasil deve garantir às mães acionadas pela Convenção da Haia a força de sua palavra, conforme previsto pela Lei Maria da Penha. “A celeridade não pode ter como preço a injustiça”, ressaltou. “Se as crianças saírem, não voltam”.

Para Janaína Gomes, advogada que falou em nome do Instituto Maria da Penha, é importante relativizar a comprovação da violência contra mães brasileiras no exterior. “Até mesmo um boletim de ocorrência pode ser uma prova inalcançável, o que dirá uma sentença condenatória ou uma medida protetiva”, afirmou.

A advogada Maria Berenice Dias, do Instituto Brasileiro de Direito da Família, questionou a obrigatoriedade imediata do retorno de crianças e adolescentes trazidos ao Brasil pelas mães sem considerar a vontade dos menores, sua verdadeira relação com o pai e sua adaptação ao novo lar.

Após as manifestações, o julgamento foi suspenso. Os votos serão apresentados em uma sessão futura, em data a ser definida.

Fonte: STF

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