Associação de Direito de Família e das Sucessões

PL SOBRE “FAMÍLIA MULTIESPÉCIE” ABORDA TEMAS COMO: DIREITOS PATRIMONIAIS E ACESSO À JUSTIÇA A ANIMAIS

Proteção aos animais de estimação está em debate no Congresso Nacional

O Projeto de Lei nº 179 de 2023, proposto pelos Deputados Delegado Matheus Laiola e Delegado Bruno Lima, entrou na pauta da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) da Câmara dos Deputados no dia 19/06/2024, mas foi retirado por solicitação da Relatora Deputada Franciane Bayer.

No texto original, os animais são tratados como membros plenos da família, com termos como “pais humanos” e “família multiespécie”. No entanto, o parecer da Relatora sugere modificações. Em vez de “pais humanos”, o termo “tutores” é utilizado, e “família multiespécie” é substituída por “núcleo de convivência multiespécie”.

Mas outras inadequações permanecem no Projeto de lei.

Inobstante os animais de estimação não sejam equiparáveis às coisas, como um carro ou uma bicicleta, sendo seres que se classificam na atualidade como sencientes, efetivamente não são equiparáveis às pessoas humanas e, por isto, não têm personalidade jurídica.

O inciso VIII do art. 2º propõe que o animal de estimação tenha acesso à justiça, proposta incongruente com o fato de que animais, como os de estimação, não terem personalidade jurídica. Quem tem acesso à justiça é o seu tutor ou outra pessoa que tenha legitimidade para defender os diretos do pet.

No mesmo sentido, o Projeto de lei propõe que animais de estimação tenham renda ou patrimônio (art. 14), quando não têm personalidade jurídica. As rendas ou o patrimônio pertencem ao tutor do animal de estimação, que deve administrar seus recursos para garantir o bem-estar do animal.

Outras expressões que também deveriam ser eliminadas do Projeto são “guarda” no inciso IV do art. 9º, porque pode gerar confusão com a guarda de filhos, sendo “custódia” uma expressão mais adequada. Além disso, o termo “convivente” constante do art. 8º é inadequado, pois é utilizado para pessoas em união estável.

A proposta apresentada no art. 7º, visa garantir a circulação dos animais de estimação em áreas comuns do condomínio, infringindo o direito de outros condôminos, que podem ser receosos de ficar perto de animais. A legislação não pode invadir, mesmo que em proteção aos animais de estimação, os direitos a convivência das pessoas num condomínio, o direito de ter respeitado o uso do elevador social ou uma recepção social de seu prédio. Respeitados os direitos dos animais de estimação e dos seus tutores, igualmente devem-se ser respeitados os direitos dos condôminos.

Em casos nos quais um dos cônjuges registra o “pet” e o outro cônjuge promove uma ação para obter a custódia do animal quando há a separação de corpos, qual das partes deve ser o tutor? Este questionamento levantado deve levar em conta não apenas o registro, mas também quem é próximo e efetivamente destinava os cuidados ao pet, antes da separação do casal. O Projeto em tela está perdendo a oportunidade de conceituar claramente quem é o tutor do animal – quem o registrou em seu nome ou quem dele cuida – e os direitos e deveres relacionados, especialmente em casos de litígio numa separação do casal. Em Portugal, a Profa. Dra. Cristina Dias escreve sobre o tema no livro “Família e Pessoa: Uma Questão de Princípios”, organizado pela ADFAS e publicado pela YK, analisando o Lei nº 8/2017, em que se recomenda que os animais de estimação fiquem sob a custódia do membro do casal que tem a guarda dos filhos em caso de disputa.

Esta seria uma excelente oportunidade para ouvir especialistas e inserir na legislação normas que efetivamente se coadunem com o sistema jurídico e tragam soluções para as questões práticas e que surgem constantemente nas relações entre as pessoas humanas e seus animais de estimação.

 

Essas alterações visam refletir uma abordagem mais prática e jurídica, preservando os direitos e o bem-estar dos animais de estimação, mas dentro de um contexto que respeite as diferenças entre humanos e animais.

 

Confira a entrevista concedida pela Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da ADFAS, e pelo Dr. Marcel Edvar Simões, Diretor de Jovens Acadêmicos da ADFAS, ao Jornal Gazeta do Povo.

 

Um projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados, concede privilégios – no mínimo curiosos – aos animais, como acesso à Justiça para reparação de danos morais. Se aprovado como está, os pets poderão até receber herança e deixar seus bens para sua respectiva prole. A proposta, que agrega direitos a animais domésticos até então restrito a pessoas, compôs a pauta da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) na última semana.

Termos como “família multiespécie” e “pais humanos”, que davam um toque quase cômico ao texto inicial do PL 179/2023, foram retirados pela relatora Franciane Bayer (Republicanos-RS). Apesar da melhora, o parecer da deputada ainda necessita de ajustes, segundo especialistas em Direito Civil ouvidos pela Gazeta do Povo. Um dos pontos críticos está relacionado à aplicação da expressão “guarda”, termo jurídico usado exclusivamente para filhos menores.

 

Para juristas, artigo que dá acesso à Justiça deve ficar mais claro

 

A proposta declara que os animais teriam assegurados o direito fundamental de “acesso à justiça, para prevenção e/ou reparação dos danos materiais, existenciais e morais, aos seus direitos individuais e coletivos”. Embora alguns tribunais já tenham adotado essa possibilidade em casos isolados, a ideia é considerada uma inovação na legislação brasileira.

“Não é o animal de estimação que tem acesso à Justiça. É a pessoa que cuida do animal, é a pessoa que zela pelo bem-estar do animal, seja dono ou não”, aponta Regina Beatriz Tavares, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões e sócio fundadora do Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados. A especialista acrescenta que o ideal seria que ficasse explícito no próprio texto que esse acesso à justiça é do tutor.

Marcel Simões, doutor em Direito Civil pela USP, concorda que a redação permite o entendimento de que o próprio animal teria direito ao acesso à Justiça, prevenção e reparação de danos. “Esses reconhecimentos trazem algumas questões que precisam ser enfrentadas, numa posição realista, que não atribua mais direito aos animais que aos seres humanos”, analisa.

Simões explica ainda que a proposta não considera expressamente que os animais sejam reconhecidos como pessoas no âmbito jurídico. Ao mesmo tempo, ressalta que há trechos que dão margem para que eles sejam reconhecidos como sujeitos de direitos. Segundo o jurista, países como França, Portugal e Argentina já adotaram mudanças jurídicas nas quais os animais deixaram de ser considerados objetos e passaram a ser sujeitos de alguns direitos.

 

Em caso de morte do animal, a prole poderá usufruir dos bens do falecido

 

Um dos incisos do artigo 9º afirma que compete aos tutores “administrar patrimônio ou rendas que possam ser atribuídos ao animal”. Ainda sobre as questões patrimoniais dos animais, a proposta pretende assegurar que os bens podem ser recebidos por testamento e devem ser usados exclusivamente com o animal.

“Os animais não têm personalidade jurídica, por isso eles não têm patrimônio ou rendas em nome próprio. Isto aqui seria uma forma de atribuir personalidade jurídica. É o tutor do animal quem tem patrimônio ou rendas, quem os administra para sustentar e cuidar bem do animal”, analisa Tavares. Hoje, o direito brasileiro considera que apenas pessoas podem receber herança.

Outra inovação jurídica que a proposta possibilita é o recebimento de herança por parte dos filhotes, em caso de morte do animal. De acordo com o texto, os bens deixados poderão ser usados “em benefício exclusivo da respectiva prole ou de outros animais pertencentes à mesma família multiespécie, mantido o dever de prestação de contas”.

“É possível uma adequada proteção jurídica aos animais seja como objeto de direito, como está na nossa lei hoje. Assim como é possível uma mudança na lei para tratá-los como sujeitos de alguns direitos patrimoniais e protetivos como já foram feitos em outros países. Parece estranho e esquisito, mas é viável tecnicamente. Precisa saber se há um desejo da sociedade”, avalia Simões.

Termo “guarda”, usado para filhos menores de idade, é usado para animais

Para os dois juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, atualmente a área de Direito de Família possui recorrentes problemas quando se trata do destino dos animais em casos de processos judiciais, como separação entre casais. Isso porque, normalmente, ambos desejam a companhia dos pets.

A utilização do termo guarda não é uma novidade do projeto de lei, já que recentemente se tornou presente na jurisprudência. Para resolver o problema da convivência com o casal após o fim da união, o Judiciário tem aplicado aos pets um sistema parecido ao da divisão de tempo dos pais com os filhos menores.

“O termo guarda tem sua origem e função jurídica voltada à proteção dos filhos menores de um casal, portanto à proteção dos seres humanos. Isso não está dignificando os animais, mas de certa forma, rebaixando, no tratamento, os seres humanos”, considera Simões. Ele explica que as soluções apresentadas pelo Judiciário, em sua visão, são adequadas, mas que a utilização do termo “guarda” deveria ser evitada. “Parece-me mais o sintoma de uma mistura de conceitos jurídicos e éticos, um mau entendimento social”, acrescenta.

Tavares complementa que a expressão “custódia” poderia substituir o termo guarda, sendo mais adequada. “Eu sou totalmente contra a utilização da expressão guarda, porque guarda é uma expressão consagradamente usada para filhos menores, crianças ou adolescentes, na hipótese de separação do casal”, reitera.

A própria relatora, Franciane Bayer, pediu a retirada do projeto de lei da pauta da Comissão. Segundo a assessoria da parlamentar, o texto já foi bem trabalhado e ela o considera maduro para votação. Apesar disso, Bayer está disposta a realizar ajustes no texto, se necessário, e está aberta a sugestões. Além da CPASF, o projeto de lei deve passar pela Comissão de Meio Ambiente e de Constituição e Justiça e pelo plenário da Câmara antes de seguir para o Senado Federal.

 

Fonte: Gazeta do Povo

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