É POSSÍVEL RECONHECER FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ENTRE AVÓS E NETOS MAIORES DE IDADE, DECIDE TERCEIRA TURMA
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade jurídica de declarar a filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade, desde que a relação entre eles ultrapasse a mera afetividade tradicional do vínculo avoengo. Essa declaração, que gera efeitos diretos no registro civil, não encontra impedimentos legais.
O caso analisado envolveu um neto que buscava ser reconhecido como filho socioafetivo de seus avós maternos, mantendo, porém, o nome de sua mãe biológica no registro civil, com quem também possuía convivência.
Nas instâncias inferiores, o processo foi extinto sem julgamento do mérito. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que o pedido estaria sujeito à vedação prevista no artigo 42, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que proíbe a adoção de netos pelos avós. No entanto, a ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, esclareceu que tal dispositivo se aplica exclusivamente à adoção, e não ao reconhecimento de filiação socioafetiva. Ela ressaltou que esses institutos possuem naturezas distintas, especialmente em relação aos maiores de idade, uma vez que o reconhecimento da filiação socioafetiva não extingue os vínculos biológicos pré-existentes, como ocorre na adoção de menores.
A ministra destacou que o reconhecimento da filiação socioafetiva reflete uma situação de fato consolidada, que demanda apenas a oficialização por meio do Poder Judiciário. Além disso, ela enfatizou que a filiação socioafetiva pode coexistir com a paternidade ou maternidade biológica já registrada, em conformidade com o princípio da multiparentalidade, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral.
Nancy Andrighi também mencionou que o Provimento 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permite o reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva em cartórios de registro civil, conforme previsto no artigo 505, parágrafo 3º. Sobre o interesse processual no caso, a ministra explicou que ele deve ser avaliado com base na teoria da asserção, ou seja, a partir das alegações iniciais apresentadas pelo autor. Basta que haja indícios suficientes sobre a existência do vínculo de socioafetividade para autorizar o prosseguimento da ação.
A relatora reforçou ainda que a filiação socioafetiva está prevista no artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e no artigo 1.593 do Código Civil, abrangendo não apenas os vínculos biológicos, mas também aqueles originados da socioafetividade, um elemento de forte caráter cultural. Com a decisão, o STJ determinou o retorno do processo à origem para que seja retomada a fase de instrução probatória, incluindo a citação da mãe biológica e a produção de provas sobre a relação de socioafetividade.
O número do processo permanece sob sigilo judicial.
Fonte: STJ