CNJ JULGA IMPROCEDENTE PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS SOBRE INSEMINAÇÃO CASEIRA

Inseminação caseira ou “auto inseminação” é a utilização de sêmen de um terceiro, chamado de “doador” – encontrado em redes sociais ou por outra forma -, no domicílio da mulher que pretende engravidar, com coleta de sêmen e introdução, por meio de uma seringa, no colo do seu útero.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) pretendeu incentivar a inseminação caseira no Pedido de Providências n. 0002889-82.2022.2.00.0000 realizado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Assim, requereu a revogação da norma da Corregedoria Nacional de Justiça que estabelece a indispensabilidade da declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários (atual art. 513, II do Provimento 149/2023 – Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça).

Explica-se. A consequência que teria essa revogação seria o registro de criança oriunda de inseminação caseira por um casal de mulheres, sem que houvesse o regular procedimento de reprodução medicamente assistida e a declaração médica com indicação dos beneficiários.

É inegável que ocorreria o incentivo à realização de auto inseminação.

Entre os argumentos, dizia o requerente do pedido de providências ao CNJ que duas mulheres deveriam ter o direito ao registro civil de nascimento da criança gerada por inseminação caseira, com “doação” de sêmen de terceiro, sem a assistência e supervisão médica, em razão do conceito da filiação socioafetiva.

A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) foi instada pelo CNJ a se manifestar sobre esse pedido de providências, opondo-se, inclusive com base em laudo médico, pelas seguintes razões, entre outras:

  1. Os riscos à saúde da gestante e da criança pela utilização de material genético contaminado, gerando danos até mesmo irreversíveis.
  2. A inexistência de conhecimentos na introdução da seringa no corpo da mulher, podendo levar inclusive à sua morte.
  3. A falta, ou o perecimento, ou a inexatidão de informações relativas à origem do material genético utilizado, culminando na supressão da garantia fundamental à identidade genética do filho e aos tratamentos de saúde que necessitam dessas informações.

Realmente, na ponderação entre o direito da mulher e de sua parceira de registrar o filho como de ambas e os riscos de danos ao direito à integridade física da gestante e do ser humano gerado por inseminação caseira, deveria prevalecer o direito fundamental à saúde.

Além das razões acima apontadas, a ADFAS também observou:

  1. A insegurança jurídica quanto ao destino da criança assim gerada, afinal, o doador poderia requerer o reconhecimento de sua paternidade, com todas as consequências, inclusive o direito de conviver com o filho.
  2. A insegurança jurídica ao “doador”, que poderia ser demandado em ação judicial para o reconhecimento da filiação, com todos os efeitos da paternidade, como o dever de pagar pensão alimentícia.

E a ADFAS salientou outra consequência grave da inseminação caseira:-

– O agravamento dos riscos de relações incestuosas involuntárias entre pessoas geradas com o mesmo material genético.

Neste ponto, caso real, ocorrido na Holanda e que pode ser assistido em documentário, demonstra a imensa preocupação das mães quanto aos riscos de que seus filhos venham a se relacionar com seus irmãos, em namoro ou mesmo em casamento.

O argumento de que a parceira da mãe biológica e a criança gerada por inseminação caseira seriam discriminadas pela legislação pela impossibilidade de registro em seu nome, a ADFAS anotou que a filiação socioafetiva não pode ser presumida pelo Oficial de Registro Civil.

Não há discriminação, salientou a ADFAS, já que a prática da inseminação caseira é feita à margem da ordem jurídica e das regras sanitárias estabelecidas pela Anvisa e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O fato de casais heterossexuais se valerem de um artifício para praticar ato irregular, no caso, se valerem de uma presunção legal de paternidade em casamento, que não foi criada pelo legislador com esta finalidade, não configura discriminação aos casais formados por pessoas do mesmo gênero.

A ampliação do acesso às técnicas de reprodução assistida e o tratamento isonômico não deve ser garantido por meio de incentivo a práticas que são prejudiciais às pessoas, mas, sim, pela implementação de políticas públicas voltadas à essa demanda. O problema deve ser enfrentado com seriedade e mediante soluções reais que efetivamente ajudem os casais a realizarem um planejamento familiar livre e, sobretudo, seguro, o que, certamente, não será feito pelo incentivo à prática da inseminação caseira, concluiu a ADFAS.

A manifestação da Arpen-Brasil – à qual a ANOREG-BRASIL aderiu – também foi desfavorável ao pedido de providências.

Por fim, a Anvisa e o CFM se manifestaram desfavoravelmente ao pedido de providências.

O CNJ, sob a Relatoria do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Mauro Campbell, julgou improcedente o pedido de providências em tela, observando que, embora a auto inseminação seja utilizada em virtude do alto custo da reprodução medicamente assistida, a norma impugnada pelo IBDFAM está em consonância com todo o arcabouço jurídico e protetivo acerca da matéria.

 

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