CNJ: ASCENDENTES NÃO PODEM RECONHECER A PATERNIDADE OU A MATERNIDADE SOCIOAFETIVA EXTRAJUDICIALMENTE

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em resposta à Consulta 0009179-50.2021.2.00.000, reconheceu a impossibilidade do reconhecimento voluntário de filiação socioafetiva de neto por ascendentes (avós) pela via extrajudicial.

Na Consulta em tela, questionou-se a compatibilidade entre dispositivos que constam do Provimento nº 63/2017 do CNJ, após sofrer alterações pelo Provimento nº 83/2019.

Segundo o consulente, estariam em conflito o artigo 10, § 3º e o artigo 14, § 1º do Provimento, que dispõem o seguinte:

Art. 10, § 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

Art. 14, § 1º Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno (incluído pelo Provimento nº 83/2019)

O conflito foi apontado no sentido de que,  enquanto o primeiro dispositivo mencionado não permite o reconhecimento extrajudicial da paternidade ou da maternidade socioafetiva por ascendentes, o segundo dispositivo, também acima citado, permite a inclusão de um ascendente socioafetivo, gerando dúvidas.

A questão foi esclarecida pela Conselheira Relatora Jane Granzoto, que acolheu o parecer do Desembargador Marcelo Martins Berthe, Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, por meio de sua Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR).

Conforme decidiu a Relatora em seu voto: “(…) o § 1º do art. 14, acrescentado pelo Provimento nº 83/2019, não alterou a redação do § 3º do art. 10 do Provimento CNJ nº 63/2017, permanecendo vedado aos avós biológicos o reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva de netos(as) pela via extrajudicial.

Ao fundamentar a decisão, explicou que o parágrafo acrescido ao artigo 14, ao utilizar o termo “ascendente”, refere-se à pessoa que ainda não possua vínculo jurídico com aquela que se pretende reconhecer como filho(a). Portanto, esse dispositivo não abrange os avós, que são ascendentes biológicos, por natureza, e, portanto, têm vínculo de parentesco preexistente.

Isso fica ainda mais evidente quando a Relatora, brilhantemente, explica a finalidade do novo dispositivo, qual seja, esclarecer que só pode ser admitida pela via extrajudicial a multiparentalidade unilateral, isto é, a inclusão de um único ascendente socioafetivo ao lado de um ascendente biológico preexistente. A norma teve em vista limitar a inclusão extrajudicial de mais de um ascendente socioafetivo.

De acordo com o Desembargador Marcelo Martins Berthe, “A preocupação, nesse item, tem relação com a multiparentalidade, que poderia estar sujeita a abusos, como nos casos envolvendo um pai “e” uma mãe socioafetivos, hipótese que poderia encobrir uma adoção irregular.

Antes do Provimento 83/2019, pela leitura do artigo 14, era possível a interpretação de que tal dispositivo permitia a inclusão de dois ascendentes socioafetivos pela via extrajudicial, desde que por meio de procedimentos independentes. Leia-se:

Artigo 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

Essa interpretação já havia sido afastada em esclarecimentos prestados pelo Ministro João Otávio de Noronha no Pedido de Providências n.º 0003325-80.2018.2.00.0000, promovido pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Ceará para aclarar a interpretação do referido artigo.

Segundo o Ministro Noronha, o artigo 14 do Provimento nº 63/2017 nunca quis permitir o registro de multiparentalidade, tanto é que o dispositivo se vale do termo “unilateral”, sendo que a norma pretendia, tão somente, a possibilidade de reconhecimento de paternidade socioafetiva por casais do mesmo sexo.

Assim, após as manifestações da ADFAS, em 14 de agosto de 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alterou os requisitos da paternidade socioafetiva.

Dentre as novas disposições, está o acréscimo dos parágrafos 1º e 2º ao art. 14 do Provimento 63/2017, que, segundo a Conselheira Jane Granzoto aclarou na Consulta ora comentada, buscou “(…) explicitar o sentido do termo “unilateral”, empregado no caput, para limitar a inclusão, pela via extrajudicial, de apenas um ascendente socioafetivo, conferindo maior segurança jurídica ao procedimento”.

Vê-se, então, que a resposta concedida pelo Conselho Nacional de Justiça, mais do que apenas esclarecer a impossibilidade do reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva de neto por avós, pôs desfecho à discussão acerca da multiparentalidade pela via extrajudicial, afirmando que somente um vínculo de paternidade socioafetiva pode ser reconhecido dessa forma.

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