MULHERES COM O PODER DE DECIDIR

O medo da covid alterou rotinas e projetos, seja no trabalho ou em casa. No planejamento reprodutivo das mulheres não foi diferente. Assim que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia, em 11 de março de 2020, o que se viu foi uma grande reflexão sobre qual seria a melhor decisão sobre os planos de engravidar. Mais do que nunca, as mulheres exerceram o direito reprodutivo, ou seja, de decidir se querem ter filhos e em que momento de sua vida.
Num cenário como o que se vê hoje, a reprodução assistida se tornou uma alternativa ainda mais relevante na vida de casais com dificuldades de engravidar, mulheres mais velhas e com menor fertilidade ou ainda as que enfrentam algum tipo de tratamento médico, como os oncológicos. Para esses grupos, esperar a pandemia passar pode não ser uma alternativa.
No Brasil, as clínicas de reprodução assistida têm registrado não apenas a volta de quem já estava em tratamento para engravidar, mas também de novas interessadas.
O País tem bons índices de sucesso nessa área da medicina. Em 2019, a média da taxa de fertilização in vitro (FIV) nos bancos de células e tecidos germinativos (BCTG) do País atingiu 76%, de acordo com o 13º relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O número é superior à média internacional, que prevê resultados a partir de 65%.
Mas, assim como há uma parte das mulheres que deseja antecipar os planos de gestação, há aquelas que decidiram adiar. O grupo italiano Observatório Giovani fez uma pesquisa entre o final de março e o fim de abril de 2020 na Alemanha, na França, na Itália, na Espanha e no Reino Unido. O resultado apontou que cerca de dois terços das entrevistadas que planejavam ter filhos no ano passado decidiram adiar ou desistir dos planos ao longo de 2021.
Já nos Estados Unidos, outra pesquisa, conduzida pelo Instituto Guttmacher, mostrou que um terço das mulheres entrevistadas entre o fim de abril e o início de maio queriam adiar os planos de engravidar ou planejavam ter menos filhos por causa da pandemia. Planejar a vida reprodutiva nunca foi tão importante.
No Brasil, especialistas viram um movimento diferente. Passados os primeiros meses de distanciamento social, a mudança de dinâmica na vida trouxe para muitas mulheres a vontade de formar ou aumentar a família.

A vez do planejamento reprodutivo

Da reprodução assistida à postergação da gravidez, mulheres repensam alternativas
Mulheres que faziam tratamento para engravidar foram diretamente impactadas pela pandemia. No começo de 2020, com o novo vírus em circulação pelo mundo, foi preciso ser ágil. De uma hora para outra, clínicas especializadas em fertilização fecharam as portas para preservar a saúde de pacientes e funcionários, enquanto gestores, médicos de clínicas especializadas e pesquisadores passaram a fazer uma intensa troca de informações na tentativa de definir um protocolo seguro para a volta das atividades, como conta Maria do Carmo Borges de Souza, diretora médica da Clínica Fertipraxis e presidente da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA).
Com a retomada das atividades, voltaram às clínicas não apenas as pacientes que interromperam os tratamentos, mas também mulheres que viram na pandemia, com muitas das atividades profissionais transferidas para casa, o momento mais adequado para engravidar.  “Quem ficou em casa e não tinha filhos decidiu ter. ‘É agora, vamos formar uma família.’ As clínicas viram um boom nas solicitações de tratamento. As que congelaram os óvulos querem engravidar. Já aquelas mulheres que não têm parceiro estão em busca do congelamento de óvulos”, detalha a presidente da REDLARA.

Momento de decisão

Fernanda Yamamoto é uma dessas mulheres que manteve os planos de engravidar mesmo com a pandemia. Aos 38 anos, ela vive em São Paulo e tem dois filhos. Em 2018, a administradora de empresas se casou novamente e decidiu com o marido que teriam o primeiro filho juntos. Desde então, aconteceram três abortos. O casal passou por uma série de exames até descobrir que, segundo Fernanda, uma questão genética dificulta o desenvolvimento do feto. Agora, sob tratamento, o casal retomou as tentativas de engravidar. “Por causa da minha idade decidi não esperar”, diz.
Enquanto Fernanda segue com a decisão de engravidar o quanto antes, Juliana Fegies Ianni, de 37 anos, dona de uma agência de turismo, preferiu adiar a segunda gestação. Mãe de uma menina de 3 anos, ela vive com a família em Campos do Jordão (SP) e passou a administrar de casa uma agência de turismo. “Só vamos retomar os planos de engravidar depois da vacinação contra a covid. Não consigo nem pensar em ter um filho nesse caos. Reproduzir? Agora não”, avisa a empresária.
Assim como Juliana, a catarinense Paola Corrêa, de 33 anos, mãe de um menino de 4, decidiu adiar os planos de aumentar a família. A pandemia levou a administradora de empresas a rever os planos para a carreira e a procurar um curso sobre educação consciente. Agora, ela se prepara para, aos poucos, investir em uma nova área de trabalho.
Nesse período de adaptações por causa da pandemia, Paola descobriu ter síndrome dos ovários policísticos, o que dificultaria a gravidez. Hoje ela segue com acompanhamento médico e passou a cuidar da alimentação e a fazer atividade física. Ainda assim, engravidar pode ser difícil, o que traz insegurança. “Ao mesmo tempo em que eu gostaria de uma segunda gestação, tem a minha idade e a idade do filho. Tem ainda o problema de saúde e a transição de carreira, que seria adiada por uma possível gravidez; tudo sob a influência da pandemia. É um momento em que o planejamento reprodutivo ficou em evidência”, detalha Paola.

‘Meu corpo, meu tempo’

Histórias como a de Fernanda, Paola e Juliana mostram o papel do planejamento reprodutivo na vida das mulheres, ou seja, o plano de querer ter filhos ou não, e, em caso positivo, quantos e quando ter.
Ginecologista e obstetra, Ana Teresa Derraik, que ocupa os cargos de diretora médica e responsável técnica do Nosso Instituto e de diretora do Hospital da Mulher Heloneida Studart, explica o novo contexto. “O papel do planejamento reprodutivo é primordial e ganhou ainda mais importância na pandemia. O fato de as crianças estarem em casa e as mães trabalhando em home office criou um ambiente de estresse nunca experimentado. Não sei avaliar se terá um impacto suficiente na ressignificação da maternidade, mas a sensação que tenho é de que depois da pandemia, nada será como antes.”

Arte Estadão Blue Studio


Fonte: Estadão (18/06/21)

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