TRIBUNAL DE SÃO PAULO JULGA ESVAZIAMENTO DE CONTA BANCÁRIA ÀS VÉSPERAS DO DIVÓRCIO

Recente decisão da relatoria do desembargador Percival Nogueira da Sexta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou pedido de Habeas Corpus (HC) em que o esvaziamento de conta bancária pelo cônjuge antes de iniciar um divórcio litigioso, deixando o companheiro em situação vulnerável, foi considerado como crime contra o patrimônio, tipificado pelo art. 156 do Código Penal, que trata de subtração de coisa comum.
No caso específico, um homem fez saques que, somados, computaram 19,3 milhões de reais e que faziam parte de um prêmio da loteria federal que ele havia ganhado.
Meses depois, veio o divórcio.
Durante o trâmite da ação de divórcio, ficou constatado pela mulher e pelo juízo da Vara da Família e das Sucessões que as contas estavam vazias e que não havia meios de realizar a partilha do patrimônio que desaparecera. Diante disso, o juiz responsável requereu abertura de inquérito em face do ex-marido.
O homem impetrou HC no TJSP, que decidiu pelo prosseguimento do inquérito, por considerar que, se comprovado que houve esvaziamento de conta bancária por quem é casado, com o intuito de prejudicar o outro cônjuge, para não dividir a conta na partilha de bens do divórcio, esse fato é crime contra o patrimônio.
A decisão do TJSP dá uma nova interpretação ao Código Penal, já que o art. 181, I, dessa lei isenta de pena o autor do crime quando o delito ocorre na constância da sociedade conjugal.
Enquanto na esfera penal a questão da punibilidade do cônjuge em relação aos crimes contra o patrimônio praticados contra o outro cônjuge é debatível, no Direito de Família não resta a menor dúvida de que a conduta de extravio do patrimônio importa em ato ilícito que sujeita o infrator à condenação no pagamento de indenização à vítima, ou seja, na responsabilização daquele que pratica o esvaziamento da conta bancária.
Destaque-se, sobre o caso específico, que, em se tratando de prêmio em loteria federal adquirido na constância do casamento sob regime de comunhão parcial de bens, o montante pertence a ambos os cônjuges, de acordo com o art. 1.660, II, do Código Civil.
O fundamento dessa responsabilização civil do cônjuge está, portanto, no Código Civil, em seu art. 186, que estabelece regra geral pela qual quem descumpre um dever ou viola um direito, causando dano a outra pessoa, sujeita-se à condenação no pagamento da indenização cabível.
Essa regra se aplica a todas as relações jurídicas, inclusive às relações de família, de modo que quem descumpre dever oriundo do casamento e causa dano ao outro cônjuge pode ser condenado a pagar-lhe a indenização correspondente, tese que defendi na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo no ano de 1998 e é aplicada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim como no Superior Tribunal de Justiça desde o ano de 2001.
No caso em tela, o dever descumprido está previsto no art. 1.567 do Código Civil, que estabelece que “a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos”. O extravio de numerário de conta bancária importa no descumprimento desse dever e causa danos materiais que devem ser reparados ao cônjuge lesado.
Sem adentrar na controvérsia criminal, o que se percebe, com a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é uma reafirmação, em alto e bom som, dos deveres conjugais e da possiblidade de aplicação de sanções por seu descumprimento, o que alguns insistem inutilmente em relativizar.
Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.
Publicação original: O Estado de São Paulo – Blog do Fausto Macedo (20/12/2017).

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