jurisprudência – ADFAS :: Associação de Direito de Família e das Sucessões https://adfas.org.br Associação de Direito de Família e das Sucessões Wed, 03 May 2017 15:43:56 +0000 pt-BR hourly 1 https://adfas.org.br/wp-content/uploads/2017/06/cropped-cropped-download.png jurisprudência – ADFAS :: Associação de Direito de Família e das Sucessões https://adfas.org.br 32 32 PENSÃO ALIMENTÍCIA NO BRASIL: UM EXEMPLO DE BOM TRABALHO DOS NOSSOS TRIBUNAIS https://adfas.org.br/pensao-alimenticia-no-brasil-um-exemplo-de-bom-trabalho-dos-nossos-tribunais/ Wed, 03 May 2017 15:43:56 +0000 https://adfas.org.br/?p=372 Na semana passada, escrevi sobre as novas feições da pensão alimentícia no Brasil, que, por força da atuação dos Tribunais, vem deixando de ser um benefício vitalício às pessoas casadas, ou que foram casadas, ou que viveram em união estável, com status de salário ou, até mesmo, de aposentadoria, para se tornar uma renda transitória destinada a prover as necessidades do alimentando ou alimentanda por certo período de tempo razoável a que o alimentando se insira ou reinsira no mercado de trabalho, desde que isto lhe seja possível, e tenha, dessa forma, condições de prover o próprio sustento.
Reconheço que talvez seja inevitável que a notícia do novo caráter transitório da pensão alimentícia cause certo estranhamento, quando não uma franca preocupação, a de que a pensão, ao ser fixada desde logo com termo final, estaria perdendo pelas mãos do Poder Judiciário a sua essência, a sua função primordial de garantir a subsistência de quem não tem condições de fazê-lo por si mesmo (costumo falar em mulheres como alimentandas quando o assunto é pensão alimentícia pois a esmagadora maioria dos casos concretos tem a mulher como beneficiária da pensão).
Procurei desfazer o estranhamento provocado pela transitoriedade da pensão alimentícia explicando como este novo aspecto que lhe têm atribuído os Tribunais é absolutamente adequado aos tempos modernos, na medida em que atualiza o instituto da pensão alimentícia à nova realidade socioeconômica brasileira sem extrapolar ou contrariar – e isto é fundamental – os dispositivos legais que regulam a matéria. Expliquei também como a transitoriedade dos alimentos atua de maneira a concretizar no âmbito do Direito de Família princípios jurídicos dos mais importantes como a igualdade, a solidariedade, o valor social do trabalho e da livre iniciativa individual.
E, ainda, deixei claro que não são todos os casos que estão adequados à fixação de pensão alimentícia provisória, havendo hipóteses em que a pensão alimentícia é estipulada por prazo indeterminado. Além disso, esclareci que o prazo da pensão alimentícia, quando é transitória, deve atender ao caso concreto, não se podendo dizer que sempre será de um ano ou de dois anos ou de mais tempo, tudo a depender das condições de reinserção do beneficiário no mercado de trabalho.
Hoje quero mostrar como a preocupação de que a pensão alimentícia esteja sendo desvirtuada pelo Judiciário não corresponde à realidade. Ao contrário, a pensão alimentícia vem recebendo a justa atenção e proteção dos nossos Juízes.
Exemplo claro do que me refiro é o reconhecimento, hoje consolidado, da incidência da pensão alimentícia sobre tudo aquilo que possa ser caracterizado como remuneração regular do alimentante. Isso no final das contas faz diferença substancial para o alimentado, e não é difícil entender o porquê.
A técnica padrão utilizada pelo Judiciário na hora de fixar o valor da pensão alimentícia, depois de levado devidamente em conta o conhecido binômio “necessidade/possibilidade” – as necessidades do alimentando, e as possibilidades do alimentante -, consiste em estabelecer um certo percentual para incidir sobre a remuneração líquida do alimentante, caso ele tenha em seu exercício profissional vínculo empregatício. A partir desta operação matemática chega-se ao quantum líquido da pensão alimentícia.
Tal percentual não está previamente tabelado como, por exemplo, as alíquotas do imposto de renda; ele pode variar de acordo com as circunstâncias concretas verificadas em cada caso que se apresente diante do Juiz. Entretanto, a prática jurisprudencial (decisões judiciais reiteradas e similares) tem consolidado o percentual de 33% como referência no arbitramento de pensões alimentícias para esposa e filhos, e de 20% quando se trata de uma mulher sem filhos.
A chamada base de cálculo da pensão, isto é, os rendimentos do alimentante sobre os quais incidem os percentuais fixados, são alargados pelo entendimento jurisprudencial, para incluir todos os proventos recebidos pelo alimentante, desde que tenham natureza empregatícia e remuneratória.
Dessa forma, além dos proventos auferidos a título de salário regular, outros rendimentos obtidos pelo alimentante passaram, por força de decisões judiciais, a integrar a base de cálculo da pensão alimentícia. É o caso das horas-extras, do décimo terceiro, do adicional de férias e das participações nos lucros da empresa em que trabalha e a que tenha direito o alimentante, para citar apenas alguns exemplos.
Com o entendimento atual dos Tribunais, no entanto, não são consideradas como base de cálculo as bonificações pelo alcance de metas e os ganhos de natureza indenizatória ou compensatória do alimentante (FGTS, ou indenização por danos materiais ou morais, por exemplo).
Enfatizo que esses critérios refletem o trabalho sistemático da nossa jurisprudência no sentido de tornar a pensão alimentícia um instituto justo e fiel a seus propósitos. E a própria transitoriedade dos alimentos não é, pois, uma incoerência ou um desvio de rota; é, isto sim, um fruto – menos óbvio, talvez, mas igualmente importante – deste trabalho de aperfeiçoamento da pensão alimentícia em que se lançaram os Tribunais.
Trabalho meditado e responsável, diga-se, durante o qual os Tribunais operaram dentro dos limites interpretativos traçados pela lei, aparando suas arestas e preenchendo as lacunas, jamais alterando o seu sentido básico ou os seus comandos fundamentais.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.

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A NOVA CARA DA PENSÃO ALIMENTÍCIA NO BRASIL https://adfas.org.br/a-nova-cara-da-pensao-alimenticia-no-brasil/ Wed, 26 Apr 2017 15:50:32 +0000 https://adfas.org.br/?p=375 A natureza da pensão alimentícia decorrente do casamento e da união estável mudou: agora ela é transitória.
Na semana passada, em uma aula de Direito de Família, ao explicar a pensão alimentícia e essa nova natureza que vai lhe dando o Direito brasileiro, ficou evidente a grande surpresa com que a sala recebia a informação. Percebi então que se a nova fisionomia da pensão alimentícia causa surpresa até entre alunos em grau avançado do Curso de Direito, certamente causará surpresa ainda maior na população em geral, que não estuda o Direito, mas o vive concretamente no dia a dia. Por isso decidi dedicar o artigo de hoje ao assunto.
A reação de surpresa que provoca a notícia de que pensão alimentícia tem agora aspecto transitório é plenamente compreensível. Por muito tempo, e digo muito tempo mesmo, a pensão alimentícia foi vista no Brasil quase como um benefício previdenciário devido pelo homem à sua ex-cônjuge ou companheira, como se fosse uma obrigação eterna, encerrada apenas pela morte.
E refiro-me à mulher como beneficiária e ao homem como provedor em razão da realidade social de então, porque na lei, desde 1977, com o advento da lei do divórcio em 26 de dezembro desse ano, o direito ao recebimento de alimentos é estabelecido em igualdade a mulher e ao homem.
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Admitia-se desde sempre, é claro, que a pensão inicialmente fixada fosse alterada, que fosse majorada ou diminuída conforme as condições financeiras do devedor melhorassem ou piorassem, ou que a credora da pensão passasse a ter meios próprios de subsistência, ou constituísse entidade familiar com outra pessoa, de maneira que os dois critérios para se estabelecer pensão alimentícia – necessidades do alimentando, e possibilidades do alimentante – prevalecessem sempre.
Mas isso era admitir apenas que o valor da pensão poderia até mudar, mas a obrigação de pagá-la e o direito de recebê-la eram estabelecidos por prazo indeterminado, não cessavam nunca exceto pela demonstração da mudança das circunstâncias e pela morte do devedor.
Não é correto dizer que essa deixou de ser a regra geral adotada pelos Tribunais quando o assunto é pensão alimentícia, ou seja, que a pensão é fixada sem prazo e é de um lado devida por quem tiver condições de pagá-la enquanto tiver condições de pagá-la, e, de outro lado, direito de quem precisar recebê-la enquanto precisar recebê-la.
Entretanto, à regra geral vem-se incorporando a dos alimentos transitórios.
Esta modalidade de alimentos surgiu por construção jurisprudencial (decisões judiciais semelhantes e reiteradas) a partir da percepção de que mudanças sociais e econômicas ocorridas no Brasil nas últimas décadas tornavam a configuração tradicional da pensão alimentícia, feita nos moldes que descrevi acima, algo um tanto anacrônico, quando não injusto.
O desenvolvimento da economia brasileira e a melhora no nível de escolaridade da população possibilitaram que as mulheres tivessem participação no mercado de trabalho cada vez maior. Em 2004, havia 12,5 milhões de mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Dez anos depois, em 2014, este número cresceu para 21,5 milhões – 44% da população economicamente ativa e empregada total. As mulheres passaram a ser a maioria da população brasileira com ensino superior completo – 1 em cada 5 o possui (entre os homens, este número é de apenas 1 em cada 9) -, e também com ensino médio completo (4 em cada 10 mulheres).
Ora, é quase desnecessário dizer que a pensão alimentícia teve suas características principais traçadas a partir de um padrão que se verificava na sociedade: homens pagam e mulheres recebem. A razão disso é muito simples: eram os homens que dominavam o mercado de trabalho, e para este se qualificavam; portanto, eram os homens que podiam prover e as mulheres que tinham de ser permanentemente providas.
É verdade que em grande medida os homens continuam a ser os provedores do casal e da família. Isso não se alterou. O que se alterou foi a capacidade das mulheres se sustentarem por si; de entrarem ou voltarem ao mercado de trabalho e proverem pelo próprio esforço a sua subsistência após o divórcio ou dissolução da união estável. A participação das mulheres no mercado de trabalho e seus índices cada vez mais altos de escolaridade vem demonstrar que aquela velha presunção que permeava a matéria, a de que ex-mulher ou companheira precisará para sempre da pensão alimentícia para viver, é uma presunção que deve ser cada vez menos absoluta e cada vez mais relativa.
Sensível a essas mudanças sociais que exigiam reformas na pensão alimentícia, foi que os Tribunais começaram a estabelecer, juntamente com o valor das pensões alimentícias, o prazo durante o qual seriam devidas. Buscaram assim atribuir uma nova função à prestação alimentícia: auxiliar o alimentado para que alcance sua autonomia financeira, garantindo-lhe uma existência digna, sem permitir, no entanto, transformar-se em pernicioso incentivo ao ócio daquele que tem condições de se erguer e andar pelas próprias pernas.
E qual é o prazo da pensão alimentícia transitória? Um ano? Dois anos? Cinco anos?
Depende. Qual a escolaridade da mulher beneficiária da pensão? Qual a sua experiência profissional? Qual o mercado de trabalho em que ela irá se reinserir? Por quanto tempo esteve afastada da vida profissional? Quais suas condições econômicas? O mercado de trabalho direciona ao investimento na própria qualificação? De quanto tempo ela precisará para obter qualificação apropriada à obtenção de meios próprios à sua subsistência?
Todas essas questões são levadas em conta na fixação do prazo dos alimentos transitórios. Não existe um único prazo ou uma tabela de prazos que os juízes consultam e aplicam na hora de estabelecer a transitoriedade dos alimentos. Tudo dependerá das circunstâncias concretas.
De maneira simples e direta, a Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.025.769/MG, sintetizou a nova visão que os Tribunais vêm adotando em relação às pensões alimentícias. Transcrevo: “A obrigação de prestar alimentos transitórios – a tempo certo – é cabível, em regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará da tutela do alimentante – outrora provedor do lar -, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente”.
A introdução do elemento de transitoriedade não acabou com a essência da pensão alimentícia como podem pensar alguns. A pensão alimentícia continua a existir e a cumprir seus objetivos de sempre, mas adquiriu dos Tribunais uma nova feição, mais correta, mais justa, mais adequada à realidade social brasileira e também mais condizente com outros princípios e valores caros ao Direito, como a solidariedade e a valorização do trabalho e da iniciativa individual.
Essa é a nova cara da pensão alimentícia no Brasil, o que não devemos mais estranhar. Até porque, se pararmos para pensar, estranho mesmo é impor a um indivíduo o encargo de sustentar outro que tem plenas condições de buscar condições próprias e obtê-las por si só.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.

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