STJ VAI JULGAR USO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE EM BRIGA DE HERDEIROS DA SADIA

O Superior Tribunal de Justiça vai julgar se é possível aplicar a teoria de uma chance perdida quando analisar se o extravio de dois livros com informações societárias da Sadia, referentes a período entre 1949 e 1969, prejudicou duas mulheres que se dizem preteridas em relação a outros seis herdeiros de Attilio Fontana, fundador da empresa de alimentos e morto em 1989.

O tema está em discussão na 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O recurso foi ao STJ com pedido de mérito. O relator, monocraticamente, decidiu desprover o pedido com base em óbices processuais, aplicando a súmula 7, que impede o reexame de provas. Com a decisão de reautuar o caso como recurso especial para julgar novamente, o colegiado poderá agora apreciar o mérito.

A ação foi ajuizada por duas irmãs, que foram perfilhadas no testamento lavrado um ano antes da morte de Fontana, ocorrida em março de 1989. Com o inventário feito e partilha homologada, elas receberam participação social de 0,19% das ações da Sadia.

Seus outros seis irmãos, nascidos de três casamentos do fundador da Sadia, ficaram com bem mais: 10% cada um. Para as autoras da ação, a diferença decorre de doações inoficiosas — que excedem o limite que o doador poderia dispor sobre o próprio patrimônio —, o que permitiria sua anulação via ação judicial.

Essas doações teriam ocorrido em 1951 e 1970. A fim de obter informações, ajuizaram ação cautelar de exibição de documentos contra a BRF (empresa que surgiu da fusão entre Sadia e Perdigão). A empresa deixou de apresentar dois livros: um de presença de acionistas e outro de transferências de ações. Eles teriam sido extraviados.

Para as autoras, a BRF, ao permitir o extravio de tais livros, levou à perda de uma chance de reaverem dos demais herdeiros a participação social que lhes teria sido ilicitamente doada por Attilio Fontana. Por isso, pedem que sejam indenizadas.

Nem toda chance é indenizável

As instâncias ordinárias entenderam que não cabe a indenização. “Nem toda chance é indenizável”, concluiu o desembargador Francisco Loureiro, ao desprover a apelação na 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A ideia é de que a chance perdida só será indenizável se houver a probabilidade que seria realizada e a certeza de que a vantagem perdida resultou em prejuízo.

Ou seja, para as herdeiras, seria necessário: a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação declaratória de nulidade de doações inoficiosas; a viabilidade e a probabilidade de sucesso de futura ação de sonegados; e a existência de nexo de causalidade entre o extravio de dois livros da companhia e as chances de vitória nas demandas judiciais.

“Nenhum dos três pressupostos acima se encontra presente”, entendeu o TJ-SP. O relator apontou que não há indícios de as doações ultrapassaram o limite disponível ao doador e que a disparidade das participações destinadas aos demais filhos não basta para levar à conclusão de que tais doações foram inoficiosas. Além disso, sequer se sabe qual era o patrimônio total do doador à época das doações.

O acórdão estadual também traz laudo pericial que conclui no sentido da insuficiência de provas de que as supostas doações se encontrassem documentadas nos dois livros extraviados da companhia.
“Resta claro que as autoras não tinham chances reais e concretas de obter equalização dos quinhões”, concluiu o relator.

Quando analisou o caso monocraticamente, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino negou provimento ao recurso especial das autoras da ação. Afastou negativa de prestação jurisdicional, cerceamento de defesa e julgamento citra petita (quando o juiz fica aquém do pedido). E aplicou o óbice da Súmula 7, que impede revisão de fatos e provas.

Com o provimento ao agravo interno para que seja pautado o recurso especial, a discussão poderá ser aprofundada inclusive com sustentação oral pelos advogados das partes.

O STJ não pode rever provas, mas, com base no acórdão do TJ-SP, pode dizer se é aplicável ou não a teoria da perda de uma chance. Ou seja, é possível que os ministros decidam que os dois livros extraviados impedem as herdeiras de perseguir seu objetivo na ação judicial, que é provar que foram passadas pra trás pelos demais herdeiros.

Leia o acórdão na íntegra abaixo:

REsp 1.929.450

acordão

 

Fonte: Conjur 

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